terça-feira, 11 de março de 2008

Budismo x Cristianismo

No Dotgospel, o Raphael trouxe um texto do Caio Fábio em que ele compara budismo com cristianismo no que diz respeito à mortificação da carne, que eu aproveitei e coloquei para discussão também no Forum Atos. Me parece um tema bastante interessante, explorar essas similaridades entre as duas grandes religiões.

Uma das coisas que sempre me chamou a atenção quando li a História da Igreja primitiva, foi exatamente o número de pessoas que entendeu a mensagem do evangelho como um convite à mortificação extrema. Confesso que nunca entendi bem a razão que levou um número enorme de eremitas a se refugiarem no deserto do Egito (principalmente), dando início ao movimento dos anacoretas que viviam isolados nas poucas cavernas da região, nas mínimas condições de sobrevivência. Me espanta que eles tenham radicalizado tanto a mensagem de Jesus a ponto de se negarem não só à convivência com outros como à sobrevivência do próprio corpo. Os chamados "padres do deserto" viveram nas primeiras décadas da expansão do cristianismo, e havia gente de todo tipo que se submetia às provas mais radicais de fé. Dizem que foram milhares, que praticavam coisas hoje impensáveis como os "estilitas" (não... não eram "estiliStas", embora representasse à época um certo movimento "fashion"). Eles subiam numa coluna (stylos, em grego) e ficavam lá em cima por anos a fio, talvez com o intuito de mostrar que haviam conseguido um nível tal de elevação espiritual que já estavam mais próximos do céu. Outros, os "reclusos", se trancavam em lugares estreitos, como árvores ocas. Havia também os "pastadores", que, como o próprio nome diz, só se alimentavam de grama e raízes, como os animais. Para uma visão geral e bem documentada desta época, recomendo a leitura do livro "Padres do Deserto - Homens Embriagados de Deus", de Jacques Lacarrière (Ed. Loyola, 1996).

Obviamente, embora aos milhares, proporcionalmente eles representavam uma pequena parcela dos cristãos da época, e eram movidos pelos mais diferentes ideais, seja o de um afastamento do mundo, a mortificação da carne ou uma elevação espiritual, embora praticamente todos fossem movidos, ao que parece, por um sentido de urgência no seu relacionamento com Deus, já que o fim do mundo era esperado para breve, naqueles dias em que eles viviam. Mesmo que Jesus não tenha retornado no seu tempo, eles lançaram as bases do monaquismo e do ascetismo cristão, de maneira que, à primeira vista, não havia muita diferença entre este estilo de vida e o budismo, tanto que há monges e ascetas em ambas as religiões até hoje. No século XVII, também houve o movimento "quietista", primeiro entre os católicos, mas que teve muita influência entre os protestantes (quem nunca viu livros da Madame Guyon nas livrarias evangélicas?), e que pregava basicamente que o ideal de cada cristão era ter sua alma "absorvida" por Deus em vida e que, portanto, qualquer ação por perturbação do mundo devia ser evitada. Já no século XX, Thomas Merton, monge trapista católico, talvez tenha sido o cristão que mais fez esta ponte entre cristianismo e budismo através do seu zen-cristianismo.

Especificamente quanto ao cristão moderno, aquele que não se enquadra neste tipo de comportamento (e que representa a grande maioria da cristandade), eu acho que o desafio da mortificação é saber renunciar às inclinações da carne, saber resistir ao pecado, e isto, além do desejo de agradar a Deus à sua maneira, envolve também disciplina, que é uma grande barreira a quem quer se dedicar a um tipo de vida mais espiritual ou, digamos, asceta. Acho que muita gente se dedica a jejum e oração, o que não deixa de ser também uma forma de mortificação da carne, assim como há muitos cristãos que se dedicam à meditação e à contemplação, que, embora seja uma prática mais rara, não deixa de ser muito parecida com as práticas budistas e orientais em geral. No pouco que entendo de budismo, me parece que todas essas disciplinas servem, de alguma maneira, para fugir da dor e do sofrimento que, como eles dizem, seria apenas uma ilusão carnal e um afastamento do nosso verdadeiro "eu" espiritual. Nesse aspecto, acho que o cristianismo vai no sentido contrário, já que não nega a dor, mas procura lidar com ela. "Tenho-vos dito estas coisas, para que em mim tenhais paz. No mundo tereis tribulações; mas tende bom ânimo, eu venci o mundo" (João 16:33). Paulo dizia que esmurrava o seu corpo para reduzi-lo à escravidão (1 Coríntios 9:27), e o espinho na carne (2 Coríntios 12:7) era uma forma de mantê-lo constantemente em contato com a sua humanidade, "para que não se exaltasse pela grandeza das revelações". Talvez seja este o grande diferencial entre a mortificação budista e a cristã. Enquanto a primeira busca tornar-se o seu próprio "deus", atingindo neste mundo o nirvana, a segunda é uma forma de humilhar-se perante Deus, de não querer "divinizar-se" em vida, e entrar em contato com a própria dor – e não só a dor física, mas também a emocional e a espiritual -, sem sucumbir a ela.

Um comentário:

  1. OLHA TU E UM GRANDE FILHO DE DEUS MEU AMIGO. QUE CONHECIMENTO VASTO VOCE TEM! TENHO APRENDIDO MUITAS COISAS! QUE DEUS TE ABENÇOE. ABRAÇAO.

    ResponderExcluir

Obrigado por visitar O Contorno da Sombra!
A sua opinião é bem-vinda. Comentários anônimos serão aprovados desde que não apelem para palavras chulas ou calúnias contra quem quer que seja.
Como você já deve ter percebido, nosso blog encerrou suas atividades em fevereiro de 2018, por isso não estranhe se o seu comentário demorar um pouquinho só para ser publicado, ok!
Esforçaremo-nos ao máximo para passar por aqui e aprovar os seus comentários com a brevidade possível.

LinkWithin

Related Posts with Thumbnails