sábado, 22 de março de 2008

Carta aos Romanos - 13

Os dois primeiros versículos de Romanos 12 merecem uma atenção especial, e por isso é importante considerá-los à parte. Este capítulo marca, por assim dizer, uma "virada" na carta aos Romanos. Até então, Paulo estava, de certa forma, "acomodando os interesses" dos diferentes grupos que formavam a igreja de Roma: os judeus, os prosélitos e os pagãos, todos convertidos ao cristianismo. O hino de louvor com que ele termina o capítulo 11 já deixava claro que ele estava falando da "profundidade da riqueza, tanto da sabedoria como do conhecimento de Deus" (11:33), e a partir do capítulo 12 ele passa a tratar de assuntos mais práticos, que diziam respeito ao dia-a-dia dos cristãos romanos e, por conseguinte, de todos nós. Os primeiros versículos deste capítulo mostram que, apesar de todas as diferenças entre judeus e gentios, já traçadas nos capítulos anteriores, TODOS deveriam apresentar o próprio corpo como "sacrifício vivo, santo e agradável a Deus", que é o nosso culto racional (v. 1). A palavra "apresentar" aqui, no original grego, é παρίστημι, παριστάνω - paristēmi, paristanō, a mesma traduzida por "oferecer" os membros do corpo ao pecado (Rom 6:13) e os membros para a escravidão da impureza e da maldade (Rom 6:19). Retornando ao que já comentei quanto ao capítulo 8, os cristãos de Roma, independentemente de sua origem, estavam prestes a literalmente oferecer os seus corpos como sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, por conta da perseguição que certamente já havia iniciado, embora timidamente, e que ganharia vulto (e terror) sob Nero nos anos seguintes. Por "culto racional", a palavra traduzida aqui por "racional" é λογικός - logikos, que tem tanto o sentido de "racional" como de "lógico" na mesma maneira moderna como entendemos estas palavras, ou seja, com bom senso e coerência não só dos atos mas também do pensamento. Vez por outra, aparece alguém dizendo que os cristãos devem desprezar o pensamento, a teologia, o raciocínio lógico, mas Romanos 12:1 é de uma clareza ímpar, quando Paulo diz que Deus é o nosso culto racional. Obviamente, Paulo não está querendo "intelectualizar" o culto (e o discurso) cristão a tal ponto de torná-lo incompreensível, impenetrável. "Lógico" não é sinônimo de "complicado", e Paulo deixa claro isso também ao falar da "simplicidade e pureza que há em Cristo" (2ª Coríntios 11:3). Logo, devemos prestar um culto a Deus de maneira que saibamos por quê estamos fazendo isso, qual é a razão da nossa adoração a Ele.

O versículo 2 de Romanos 12 complementa este raciocínio ao dizer que não devemos conformar com este século, que outras vezes é traduzido por "mundo". A palavra traduzida por "século" ou "mundo" é αιών - aiōn, que quer dizer literalmente "era", "período", mas figuradamente significa o mundo presente, as influências externas a que os romanos eram submetidos naquela época e nós também somos hoje. Esta palavra (αιών - aiōn - "éon"), se revelaria muito perigosa nos anos seguintes, quando o gnosticismo pretensamente cristão a usaria no sentido que Platão lhe havia dado 5 séculos antes, ou seja, o mundo eterno das idéias, e "éon" seria uma emanação de Deus. Assim, para os gnósticos do século I, Jesus seria apenas uma emanação de Deus, uma espécie de "espírito evoluído" nos moldes kardecistas, uma influência sem corpo, nada mais do que isso. Contra esta idéia se volta João, mais ou menos 35 anos depois, escrevendo o seu evangelho e combatendo esta idéia de Jesus como "éon", ou seja, o Verbo se fez carne e efetivamente habitou entre nós, "cheio de graça e de verdade; e vimos a sua glória, como a glória do unigênito do Pai" (João 1: 14). O interessante é que o evangelho de João não deixa de ser um culto racional, no sentido de "λογικόςlogikos" apresentado por Paulo em Romanos 12:1, ou seja, diante da heresia gnóstica, João se vale do seu testemunho como único dos apóstolos que ainda estava vivo no ano 90, para apresentar ao mundo uma versão mais "lógica", mais "racional", mais "teológica" da vida de Jesus, do que aquela que havia sido apresentada por Mateus, Marcos e Lucas nos chamados evangelhos "sinópticos", que haviam se preocupado mais em relatar os fatos, a "sinopse" da vida de Jesus sem entrar em maiores detalhes "lógicos" ou "teológicos". João discipularia a Policarpo de Esmirna, que por sua vez discipularia a Irineu de Lião que, ainda enfrentando a ameaça gnóstica, que limitava Jesus a mera influência esotérica, escreveria o seu "Contra as Heresias" na década de 180. Se alguém quiser se aprofundar no que significou gnoticismo anti-cristão, e na vida e biografia de Irineu de Lião, clique aqui.

Retornando a Romanos 12:2, Paulo deixa claro que não devemos nos conformar com esta era, este "éon", este mundo, tal como ele se apresenta a nós. Pelo contrário, temos que nos transformar pela renovação da nossa mente para experimentar a boa, agradável e perfeita vontade de Deus. "Transformar" é a tradução do grego μεταμορφόω - metamorphoō, isto mesmo, uma verdadeira metamorfose. Esta palavra, μεταμορφόω - metamorphoō, só aparece em dois outros momentos do Novo Testamento. Um, na transfiguração de Jesus no monte (Mateus 17:2 e Marcos 9:2). Outra em 2ª Coríntios 3:18 ("somos transformados de glória em glória") O cristão é, portanto, uma metamorfose ambulante, sendo transformado de glória em glória, mas não sem direção, pois esta transformação se dá pela renovação da sua mente, renovação esta que se dá pelo conhecimento do evangelho, pelo "culto racional" de Deus, pela glória de Deus manifesta na sua vida. E isto acontece para que ele possa experimentar a boa, agradável e perfeita vontade de Deus. A palavra traduzida por "experimentar" aí é δοκιμάζω - dokimazō, que era muito usada para "testar" os metais rústicos que eles fabricavam naquela época, para dizer se tinham a consistência desejada, se eram resistentes ao fogo e à batalha (no caso de espadas). Assim, o crente transformado pela renovação da sua mente pode experimentar, testar, discernir, entender melhor, qual é a vontade de Deus para a sua vida. Isto dá a idéia de que a vontade de Deus pode ser única para a vida do cristão, mas às vezes é necessário "testar", "ajustar", "experimentar" esta vontade de acordo com cada momento que ele vive. Talvez o centro dos dois primeiros versículos de Romanos 12 seja exatamente a metamorfose, não qualquer uma, aleatória, mas aquela controlada e dirigida por Deus.

2 comentários:

  1. quando Jesus reealmente nos encontra ou nos em deixamos ser encontrados por ele é que sentimos sua verdadeira transformação pois ele nos leva uma fonte inesgotavel de paz que cada vez mais que tentamos nos saciar a sempre um nivel mais profundo de paz de sabedoria e quando ele fala não nos confotmeis com este seculo ele quer dizer não nos confornei com está vida que estais vivendo onde o teu corpo não honra a DEUS onde tuas palavras tuas atitudes não horam Ele se deu por mim e por vc d DEUS é claro quando diz eu amo o pecador mais abomino o pecado e o contamina o homem não o que sai da sua boca e sim o que entra.

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  2. Caro Fábio,

    Obrigado pelo comentário!

    Graça e paz!

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