terça-feira, 25 de março de 2008

Carta aos Romanos - 15

Os dois primeiros versículos do capítulo 12 da Carta de Paulo aos Romanos marcam, portanto, uma transição entre um discurso profundamente teológico (e, de certa maneira, etnocêntrico, pois é marcado pelo contraste entre judeus e gentios) para um discurso eminentemente prático e abrangente, sem se preocupar com questões étnicas; pelo contrário, Paulo procura mostrar que Cristo é tudo em todos, conforme, já preso em Roma, escreveria aos Colossenses alguns anos depois, valendo-se do mesmo raciocínio de renovação da mente:

Col 3:9 não mintais uns aos outros, pois que já vos despistes do homem velho com os seus feitos,
Col 3:10 e vos vestistes do novo, que
se renova para o pleno conhecimento, segundo a imagem daquele que o criou;
Col 3:11 onde não há grego nem judeu, circuncisão nem incircuncisão, bárbaro, cita, escravo ou livre, mas Cristo é tudo em todos
.

Assim, depois de tudo isso, o primeiro conselho que Paulo dá aos crentes de Roma (e a nós, por extensão), é seguir a humildade e a moderação, "segundo a medida da fé que Deus repartiu a cada um" (v. 3). Aqui não se trata, propriamente, da fé para a salvação, mas da fé para as atividades diárias dos crentes e, principalmente, para os seus ministérios na Igreja, conforme os versículos seguintes contextualizam, ou seja, valendo-se do mesmo raciocínio de 1ª Coríntios 12, Paulo fala dos dons espirituais que deus dá a cada um "segundo a proporção da fé" (v. 7) para o "proveito comum" (1 Cor 12:7), algo que ele também escreveria aos efésios algum tempo depois, quando já estava preso em Roma:

Efésios 4:7 Mas a cada um de nós foi dada a graça conforme a medida do dom de Cristo.

Logo depois de falar dos "diferentes dons segundo a graça que nos foi dada" (v. 6), a exemplo do mesmo raciocínio já utilizado em 1ª Coríntios 12 e 13, Paulo fala do amor, como essencial para a vida do cristão e da igreja. Os dons e os ministérios repartidos pelo Espírito Santo de nada valem se não forem vividos em amor. Se seus conselhos tivessem sido seguidos desde a antiguidade, certamente hoje não haveria tantas divisões no cristianismo. Repetindo o que já havia dito em Romanos 5 e 8, Paulo pede que os romanos se regozijem na esperança, sejam pacientes na tribulação e perseverantes na oração. Propõe ainda duas coisas que são muito pouco vividas pelos cristãos de hoje: praticar a hospitalidade e compartilhar as necessidades dos santos (v. 13). Como diz também o escritor de Hebreus (13:2): "Não vos esqueçais da hospitalidade, porque por ela alguns, sem o saberem, hospedaram anjos". Hospitalidade era algo essencial naquela época, em que os meios de transportes e de comunicações praticamente não existiam. Assim, era necessário que os viajantes contassem com a hospitalidade alheia nas paradas que faziam pelo caminho. E os cristãos também deveriam dar o exemplo, não só de hospitalidade, mas também de serviço uns aos outros. A igreja primitiva era muito unida e "tudo tinham em comum" (Atos 2:44). Com a modernidade, a facilidade de transportes e de comunicações, e a, digamos, "coisificação" do ser humano, principalmente nas cidades grandes, nós perdemos muito desse sinais que caracterizam o cristão, de amor, serviço e hospitalidade para com os seus irmãos na fé. Devemos nos alegrar com os que se alegram e chorar com os que choram (v. 15). Entretanto, esta palavra vale para nós hoje também, e fazemos bem se a praticamos.

Não é só em relação aos que nos são mais próximos que devemos servi-los e orar por eles. Paulo diz para abençoar os que nos perseguem, e não amaldiçoá-los (v. 14). Isto era particularmente difícil para os crentes romanos, que estavam prestes a sofrer uma perseguição brutal que levaria muitos à morte. ´Mesmo assim, deviam ser unânimes, tendo o mesmo sentimento, sem serem orgulhosos nem sábios aos próprios olhos (v. 16). De novo, Paulo chama os romanos à humildade, repreendendo o orgulho, convocando-os ainda a fazer o bem a todos os homens (v. 17). O ideal do cristão é viver em paz, no que depender dele e "se for possível" (v. 18). Isto significa que nem sempre é possível ter paz com todos, mas não deve ser o cristão que inicia ou origina uma briga ou uma guerra. De fato, alguns anos depois, muitos dos primeiros leitores da Carta aos Romanos seriam perseguidos por quem não queria jamais ter paz com eles, e a sua atitude foi de total resignação. Não reagiram nem contra-atacaram o Império Romano, mas o seu exemplo pacifista de martírio mudou o próprio Império Romano nas décadas seguintes, e serve de inspiração até hoje a muitos movimentos pacifistas do mundo todo. Paulo repreende ainda, o desejo de vingança, dizendo que não devemos nos vingar a nós mesmos, mas dar lugar à ira, porque a vingança pertence ao Senhor, e é Ele quem decide se retribui a ofensa ou não (v. 19). Nossa atitude frente aos inimigos que nos cruzam o caminho é a mesma que Salomão já recomendava nos seus Provérbios:

Pro 25:21 Se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe pão para comer, e se tiver sede, dá-lhe água para beber;
Pro 25:22 porque assim lhe amontoarás brasas sobre a cabeça, e o Senhor te recompensará.

Fazer bem ao inimigo, portanto, é uma atitude que pode reverter em favor do cristão, seja por obter a compreensão do inimigo, seja pelo Senhor recompensá-lo. A Bíblia do Peregrino sugere que esta imagem de brasas amontoadas sobre a cabeça (do inimigo) pode ser interpretada como "fazê-lo corar de vergonha", mas há quem diga que ela está relacionada com o incensário cheio de brasas do altar, o qual era acrescido de dois punhados de incenso aromático, que o sumo sacerdote utilizava no dia da expiação dos pecados de todo o Israel (Levítico 16:22). Assim, esse texto de Romanos lembraria a importância do perdão, de como reconciliar-se com o inimigo significa, por assim dizer, um sacrifício de cheiro agradável ao Senhor. De qualquer maneira, o que Deus realmente preza, e está claro neste capítulo 12 de Romanos, é que os cristãos vivam em paz uns com os outros, e com os que são de fora da comunidade dos crentes.

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