segunda-feira, 10 de março de 2008

Carta aos Romanos - 8

Romanos 8:28

Ainda que as "estatísticas espontâneas", essas que a gente faz automaticamente, sejam sempre questionáveis e mais baseadas no "achômetro", pouca gente vai discordar que Romanos 8:28 é um dos versículos mais lembrados e citados pelos cristãos no seu dia-a-dia. Compete milimetricamente com Filipenses 4:13 e algum outro que agora não me ocorre. Afinal, recordar sempre que "todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus" revigora as nossas forças em meio ao sofrimento e à miséria do mundo que nos cerca. É um dos "antídotos milagrosos" que a Bíblia nos oferece contra os venenos deste mundo, que "jaz no maligno" (1 João 5:19). À primeira vista, talvez até pela repetição excessiva (que às vezes beira o "mantra evangélico"), este versículo parece estar um pouco deslocado no contexto de Romanos 8, ainda que Paulo venha falando de sofrimento dos homens e do gemido inexprimível do Espírito Santo, para depois começar um hino triunfante ao fato de que "somos mais que vencedores" (v. 37) e concluir que "nada pode nos separar do amor de Deus" (v. 39). Uma das razões para este "deslocamento" é o fato dele estar no capítulo do Espírito Santo, logo após dois versículos que mostram o cuidado do Espírito para conosco.

Então, se temos esse cuidado divino tão próximo, só podemos concluir que, de fato, todas as coisas cooperam para o nosso bem, mas aí vem a pergunta: que bem é este? A casa própria, o automóvel do ano, o conforto, a segurança, o bem-estar? Instintivamente, é difícil crer que no meio de tanto sofrimento, Deus queira nos garantir um bem material, mas sim, um bem-estar espiritual, a mesma esperança em meio ao sofrimento que Paulo vem falando durante toda a Carta aos Romanos, conforme já vimos nos capítulos anteriores. Então, esta interpretação me parece cabível, mas ¿por quê? ¿Por que podemos ter esperança em meio ao sofrimento, já que todas as coisas contribuem para o nosso bem? Na minha visão, o próprio v. 28 responde, mas nós ficamos tão maravilhados com o seu teor que nos esquecemos facilmente do seu contexto: somos aqueles que "são chamados segundo o seu propósito", e continua respondendo o v. 29, "PORQUE os que dantes conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos". E aí vem a sequência: "aos que predestinou, a estes também chamou; e aos que chamou, a estes também justificou; e aos que justificou, a estes também glorificou" (v. 30), lembrando sempre que há um PORQUE responsivo ligando o v. 28 com os dois seguintes.

Assim, o "bem" a que Paulo se refere no v. 28, agora dentro do contexto de todo o capítulo 28, talvez possa ser entendido como o fato de estarmos seguros de que, apesar de todos os problemas, de todas as dificuldades, de todas as tentações, todas as coisas contribuem para o nosso bem porque o que nos garante é esta seqüência:

CONHECIMENTO PRÉVIO DE DEUS (PRESCIÊNCIA) > PREDESTINAÇÃO > CHAMADO > JUSTIFICAÇÃO > GLORIFICAÇÃO

Deve ser lembrado que a palavra traduzida por "dantes conheceu" é προγινώσκω (proginōskō - de onde deriva também nosso atual "prognosticar"). Então, de fato, há um conhecimento prévio de Deus a respeito dos Seus eleitos, ou seja, os predestinados. Como disse antes, a verdadeira "briga teológica de foice no escuro" se dá em torno da extensão desta predestinação, se absoluta ou relativa. Eu acho que o grande problema de todas as correntes é imaginar que a escala temporal humana tenha algum valor para Deus. Nós não temos a mínima idéia do que seja o tempo na perfeição de Deus, aliás, quase todas as especulações sobre o tema vão na direção da inexistência de tempo para Deus. Tendo este Deus atemporal, a quem cabe a presciência e a predestinação (que são de fato bíblicas, afinal os versículos citados são suficientemente claros a respeito), se vocês me permitem viajar um pouco mais na maionese (ou pedalar no chucrute, como dizem os franceses), eu imagino que ambas também são "atemporais atravessando o temporal", ou seja, muito a grosso modo, a imagem que me vem é a de uma laranja em que a casca, a polpa, os gomos e o sumo representassem o universo em suas diferentes camadas espaciais e escalas temporais, e Deus resolvesse atravessá-la com um palito, representando a existência total e completa do nosso universo em suas diferentes dimensões espácio-temporais. Neste sentido, me parece que a predestinação, tal como Paulo está dizendo aqui, possa unir todas as diferentes correntes, sem grandes preocupações com quem está predestinado ou não, mas com o propósito de viver e levar o evangelho a todas as criaturas, e fazer deste mundo um lugar melhor para se viver até a consumação dos séculos.

Ainda sobre esse Romanos 8:28, para uma análise mais detalhada, recomendo os seguintes estudos:

Todas as coisas realmente cooperam para o bem?

Todas as coisas cooperam para o nosso bem

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