domingo, 23 de março de 2008

O evangelho de Lucas - parte 12

Análise do capítulo 9 de Lucas, escrito por Gustavo para o Forum Atos:

Lucas então começa a falar dos discípulos de Jesus, no que conhecemos como capítulo 9. Este é o tema deste capítulo, e é um bom tema para se falar após os relatos de fé do capítulo 8. Pois após a fé, segue o discipulado.

Em Lucas 8:51, Lucas relata que somente 3 discípulos entraram com Jesus. Por isto agora, no versículo 1, ele relata que são com os doze discípulos que ele está agora.

Lembramos então que Lucas está escrevendo seu evangelho para Teófilo, que pode ser um magistrado que esteja avaliando as acusações feitas contra os cristãos. Ou seja ele também alguém que já tinha conhecimento sobre o Velho Testamento, e talvez até sobre o Cristianismo em si. Talvez por isto, Lucas não escreve um evangelho tão teológico como João, mas mesmo assim, ele inclui em seu evangelho, alguns detalhes que dão um toque teológico em seu evangelho.

No primeiro versículo temos algo assim. É um grande testemunho contra os infiéis. Pois Lucas diz que Jesus dá virtude e poder a estes mesmos 12 discípulos. O poder ali é dado por Jesus, e não por Deus ou o Espírito Santo. Fosse Jesus um profeta, pediria ele ao Pai para que este poder fosse dado, e Lucas como um evangelista amante da verdade assim teria dito. Mas acontece o contrário, Jesus não é um simples profeta, de forma que Ele mesmo pode dar poder para seus discípulos.

E assim como Ele fez, ele os enviou. Provavelmente Ele iniciou seu ministério pregando sozinho e levando seus discípulos para verem como a pregação deveria ser feita. Ele quis dar o exemplo, e agora que seus discípulos o viram pregar o Reino e curar enfermos, seria a vez deles fazerem aquilo.

E como a fé é um tema sempre recorrente em Lucas, este mostra como Jesus incentivava o exercício da fé. Ele envia seus discípulos sem nada, de forma que eles confiassem totalmente na Providência divina. Há uma aparente contradição no que Lucas e Mateus dizem sobre os bordões, e o que Marcos diz. Lucas e Mateus não permitem bordões, Marcos permite um. Segundo as versões Vulgata, Bizantina e o Textus Receptus, bordão está no plural, o que indicaria que mais de um bordão era proibido. No entanto, o texto de Mateus traz na maioria dos manuscritos a palavra no singular. Temos que entender aqui a intenção de Crito, que seja qual for o texto, é a mesma: que os discípulos deveriam ir pregar sem se preocupar com providências para a viagem. Deus cuidaria disto para eles. Por isto, Mateus traz o verbo κτάομαι, que quer dizer adquirir, obter, negociar. Já Lucas usa o verbo αιρω, que primariamente significa “levantar”, o que pode ser entendido como levantar e levar consigo, tomar. Tanto Mateus quanto Lucas mostram as palavras de Jesus no discurso direto. Como Marcos fala no discurso indireto, ele pode interpretar as palavras de Cristo, indicando que eles não adquirissem nada como Lucas disse, mas que isto não os impedia de manter seus bordões, que provavelmente já tinham, pois era um item essencial para viagens naquela época.

Qual a atitude dos discípulos de Jesus em relação ao povo? Se hospedariam com aqueles que os escutassem, e evitariam aqueles que os repudiaram. Pois as ovelhas de Cristo ouvem sua voz (Jo 10:27), e respondem de forma positiva a ela. O sacudir do pó dos pés dos discípulos testemunhavam mais do que uma falta de hospitalidade. Testemunhava uma falta de fé. Temos que reparar aqui as orientações de Cristo. Ele não pediu para insistir com pessoas. A pregação deve ser natural, ela deve ser como a semente do capítulo anterior, apenas jogada, para que naturalmente cresça com a graça de Deus. Os judeus sacudiam a poeira dos pés ao andar em nações gentias, baseando-se em alguns textos como:

(Am 7:17) Portanto assim diz o SENHOR: Tua mulher se prostituirá na cidade, e teus filhos e tuas filhas cairão à espada, e a tua terra será repartida a cordel, e tu morrerás na terra imunda, e Israel certamente será levado cativo para fora da sua terra.

Assim, Jesus estava indicando que eles deveriam considerar aquele povo como gentios, como em outro lugar ele diz para eles considerarem pessoas rebeldes:

(Mt 18:17) E, se não as escutar, dize-o à igreja; e, se também não escutar a igreja, considera-o como um gentio e publicano.

Assim partem os discípulos. Como já tinha dito, o poder dado por Cristo aos discípulos incomodava os infiéis. Entre eles, Herodes, que já ouvia as notícias sobre Jesus Cristo. Notem que Herodes procurava vê-lo, indicando o desejo de ver, mas a falta de coragem de não ir pessoalmente até ele. Herodes evitava Cristo por que não queria ser repreendido como foi repreendido por João Batista. Pois João apenas batizava, e Cristo fazia muitos milagres, dando indícios que era o Messias. Como João diria depois;(Jo 3:20) Porque todo aquele que faz o mal aborrece a luz, e não vem para a luz, para que as suas obras não sejam reprovadas.Não devemos ser como Herodes. Devemos nos arrepender sempre, e estar sempre procurando o perdão de Deus. Devemos agir, e deixar sermos renovados. Herodes não queria aquilo, por isto evitou Cristo ao máximo.Voltaram os discípulos, e foram todos para Betsaida. Ali, Cristo continua sua pregação sobre o Reino de Deus. Já ficando tarde, seus discípulos começam a se preocupar com a fome daquele povo. Jesus havia pedido eles para confiarem na Providência de Deus, mas agora estavam eles descrentes mais uma vez. Por isto Jesus disse para darem eles o alimento para o povo. Jesus os ordenou então a dividirem em grupos, e abençoou o pouco alimento que tinham. Mas com o pouco alimento todos comeram e se fartaram. Devemos sempre confiar em Deus, mesmo que os problemas pareçam sem solução. Não fala este capítulo também da fé?

Quando esteve a sós com seus discípulos, Jesus questionou sobre o que as pessoas pensavam de Cristo. Era uma pergunta para reflexão, quem nós cremos ser Jesus? Pedro corretamente disse que ele é o Cristo de Deus. Jesus não queria que as pessoas acreditassem nisto por que alguém disse, ele queria que as convicções delas as fizessem chegar a esta conclusão. Isto é fé. Pela primeira vez em Lucas, Cristo revela que será morto. É necessário que isto aconteça antes que Jesus seja revelado como o Cristo. Pois seria muito fácil acreditar em alguém que esteja vivo e fazendo milagres.O discípulo de Jesus, que é o tema do capítulo, não é aquele que vive bem. Ser discípulo de Cristo é estar disposto a sofrer, a se negar. Ninguém pode ser discípulo de Cristo se valorizando, buscando o próprio bem. Ninguém pode ser discípulo de Jesus procurando riquezas para que sua vida seja confortável e tranqüila, mas que procure o reino de Deus para que sua vida seja confortável mesmo com os problemas, e tranqüila mesmo com as tribulações. Ser discípulo de Cristo é ser crucificado com Ele e nascer novamente como uma nova criatura, cujos problemas e tribulações não são maiores que a alegria de estar em Cristo. Ele perde a vida para ganha-la, ele perde o mundo para ganhar a si próprio. Ele não se envergonha do Filho, antes tem seu prazer n’Ele. Por fim, os discípulos recebem a promessa de ver o Reino de Deus.

Isto acontece oito dias depois, em um monte ali. Jesus se transfigura, e conversa com Elias e Moisés, que muitos acham estar representando a Lei e os Profetas. No Reino de Deus, quando houver a ressurreição, não somente Elias e Moisés estarão visíveis para todos, mas todos os profetas. Defensores da aniquilação ou sono da alma esbarram neste relato, pois Moisés é dito como morto no Velho Testamento (De 34:5). Tentam evitar a questão dizendo que Moisés está vivo, que foi ressuscitado. A questão é que a Bíblia não menciona isto, sendo Cristo as primícias dos que dormem (1 Co 15:20). Negam que Moisés esteja morto, por que Jesus estaria violando a lei que impedia comunicação com os mortos, mas como para Deus ninguém é morto (Lc 20:38), e como Jesus é Deus (Jo 1:1), então Jesus não estaria falando com mortos, não transgredindo assim a lei.

Por outro lado, os espíritas acham que Jesus está fazendo uma seção mediúnica aqui. Mas como diz o Velho Testamento, Elias não está morto (2 Re 2:11), e nunca mais foi encontrado (2 Re 2:17), uma linguagem típica para o traslado:

(Gn 5:24) E andou Enoque com Deus; e não apareceu mais, porquanto Deus para si o tomou.

(Hb 11:5) Pela fé Enoque foi trasladado para não ver a morte, e não foi achado, porque Deus o trasladara; visto como antes da sua trasladação alcançou testemunho de que agradara a Deus.

Eles ignoram que Cristo estava cumprindo o que prometeu, que era mostrar o reino de Deus, e neste reino não há mortos. Assim, Jesus não foi mostrar a comunicação com mortos, mas a vida em comum com Cristo em sua forma e os antigos vivos.

Pedro maravilhado com aquilo, se ofereceu para montar tendas para todos. Ele tinha observado que Elias e Moisés se afastavam, e Pedro não queria aquilo. Ele queria continuar como estava. O Reino dos Céus é tão maravilhoso, que não há o desejo de se deixar aquilo ali. Uma vez contemplado, o Reino é como um tesouro escondido no campo que se luta para comprar (Mt 13:44). É quando Deus fala a todos, indicando que Jesus é seu Filho Amado, ou como alguns manuscritos dizem, Seu Escolhido. Todos devem ouvi-lo, para que aquele Reino apresentado a eles seja alcançado. Jesus é a Porta, e por isto Cristo nos apresenta aquele Reino.

Descendo do monte, Jesus encontra um pai aflito por seu Filho estar possesso por demônios. Ele havia levado aos discípulos de Cristo, aqueles que no início do capítulo receberam o poder de expulsar demônios. Jesus os acusa de serem incrédulos, o que demonstra que o poder que Cristo dá aos discípulos deve ser operado com fé. Jesus expulsa o demônio, falando novamente que seria entregue aos homens.

Depois disto, os discípulos deram início a uma discussão sobre qual seria o maior deles. O maior, dizia Jesus, era o mais humilde, o menor. Ele recebe qualquer um, inclusive um menino, e quem recebe o menino, recebe Cristo e o Pai.Lucas termina este capítulo falando sobre o discipulado em geral. O homem expulsando demônios em nome de Cristo deveria saber quem é Cristo, por isto não deveria ser repreendido. Ele soube e fez o que tinha que ser feito. Os samaritanos porém souberam e fizeram o que não deveria ser feito, ou seja, se afastaram. Os discípulos quiseram se vingar deles, enviando fogo dos céus, mas Cristo os repreendeu. Não devemos agir com vingança, principalmente pregando.

Seguir Cristo é algo feito imediatamente. Não deve ser deixado para depois por nenhuma causa. Assim termina este capítulo.

LinkWithin

Related Posts with Thumbnails