terça-feira, 8 de julho de 2008

O evangelho de Lucas - parte 35

No capítulo 20, já em Jerusalém, Jesus é retratado pelo evangelista Lucas, pregando o Evangelho. É esta a tarefa principal de Jesus, que incomodava fariseus e doutores da lei, incomodava ainda mais Satanás. E com o intuito de interromper esta pregação, que estes fariseus e doutores da lei são incentivados a perguntar-lhe: Qual é sua autoridade para ensinar?

Adeptos do cerimonialismo rigoroso, fariseus não poderiam permitir que uma pessoa que não fosse ordenada por eles ensinasse em seu próprio templo. Notem que a pergunta não mais gira em torno de sua doutrina, pois a esta altura todas as suas tentativas de invalidá-la foram frustadas. Eles questionam sua autoridade, tomando como verdadeira a premissa de que um pregador precisa ser ordenado por eles. Novamente percebe-se o discurso sobre a tradição religiosa embutido, apesar da ordenação dos sacerdotes do templo ter sido instituída por Deus. Este é o caso das tradições religiosas contemporâneas, mais destacadamente as tradições católicas, que se reservam ao direito de definir quem é e quem não é ministro da Palavra de Deus, direito este pertencente à própria Palavra que é viva e eficaz (Hb 4:12).

E como o sacerdócio foi instituído por Deus, os fariseus teriam a razão. No entanto, ignoraram poderosos sinais de Jesus Cristo, cuja força e grandeza demonstravam o favor divino. Pois estes sinais demonstravam que havia recebido a autoridade para pregar do próprio Pai. O sacerdócio veio do Pai, mas a autoridade de Cristo também, e foi esta última que os fariseus falharam em reconhecer.

Então para respondê-los, Jesus propõe primeiro uma pergunta: O batismo de João era dos céus ou da terra?

Muitos podem se perguntar por que Jesus responde a pergunta deles com outra pergunta. Será que Jesus estaria se evadindo da pergunta deles?

João Batista veio como aquele que prepararia o caminho para Jesus. Ele atestou publicamente que Jesus era o Messias prometido, aquele que haveria de vir. Portanto, se aqueles fariseus reconhecessem que o batismo de João era vindo do céu, estariam confirmando que João era um profeta, e se um profeta deu tal testemunho, estariam confirmando que Jesus tinha sim autoridade.

Aqui podemos notar como a mente humana - guiada pelo interesse próprio e não pela busca da verdade - age. Pois em nenhum momento eles agem buscando-a, e sim, querendo manter seus interesses. E por isto, não podem admitir que o batismo de João seja dos céus, por medo da multidão.

Entretanto, a pergunta de Cristo nos leva a uma reflexão ainda maior, como destaca Calvino em seus comentários. Jesus ao perguntar se o Batismo de João era do céu, indica o pré-requisito para que algo seja considerado válido: ser intituído por Deus. O Batismo de João só é válido por que veio do céu, ele só tem autoridade se foi instituído por Deus. Os homens não possuem o direito de instituir nenhum sacramento, como fazem os católicos ao instituir sacramentos como matrimônio, ordem, extrema unção, confissão e outros. Eles só valem se vierem do céu, e o Batismo não deixou de passar por esta prova.

Eles deveriam reconhecer isto, já que o sacerdócio no qual se apoiavam para tentar fazer Cristo deixar de pregar foi instituído da mesma forma. E aqui vemos como o que é instituído por Deus não está livre do mau uso por parte de pessoas gananciosas que querem usar a religião como forma de domínio. Antes tivessem percebido por qual autoridade Jesus ensinava aquilo, baseando-se nos milagres que Ele fez. Antes, tivessem percebido que João era um profeta por suas obras. Não quiseram reconhecer isto, por isto preferiram responder que não sabiam.

Jesus então conta uma parábola de trabalhadores que receberam uma vinha para cuidar. A ligação com os fariseus é clara, pois estes também receberam algo: a Palavra, o Sacerdócio, a Lei, a Terra. Acima de tudo receberam a autoridade pela qual questionavam. E como na parábola, estes fariseus receberam a visita de profetas, e os maltrataram, demonstrando o total desrespeito por aquele que os instituiu. Agora vem o filho dele, e eles o matarão. O que Deus fará com eles? Destruí-los-á, e dará o que foi dado a eles para outro. Isto certamente acontece quando Cristo ressuscita. Que o mesmo erro não aconteça com aqueles que receberam esta vinha.

Temos portanto que refletir sobre as atitudes dos fariseus. Não devemos fazer mau uso do que Deus nos dá. Devemos ser sinceros e buscar a verdade. É a pedra rejeitada que se tornou a pedra angular, e foi rejeitada por edificadores. Justamente aqueles que se julgava saber sobre pedras. São os que se julgam sábios que serão os mais prejudicados.

Não restando outra alternativa, enviam ainda alguns que, pretendendo ser humildes e sinceros, perguntam para Cristo sobre impostos. Neste momento percebe-se que já tinham a intenção de entregar Cristo para os romanos, pois se Ele dissesse que não deveria ser pago, poderia ser acusado de rebelião. Por outro lado, se dissesse para pagar, muitos do que estavam ouvindo seus ensinos perderiam a vontade de ouvir. Apesar de muito combatido, a idéia que ele era o Messias que livraria Israel da opressão de Roma ou qualquer outro império ainda estava viva, e uma declaração de que o imposto de Roma deveria ser pago provaria para muitos que Jesus não seria o Messias. Mas Cristo não era o Cristo de Israel, que o livraria da opressão, Cristo era o Filho de Deus, e estava ali apenas para resgatar as ovelhas perdidas de Israel (Mt 15:24). Seu desejo era fazer discípulos, e converter todos a Deus. Portanto, que as coisas humanas sejam entregues aos humanos, e as coisas divinas a Deus. Não devemos misturar divino com secular. Se o dinheiro era de César, por ter seu rosto nele, então por que estavam questionando o que fazer com ele? Por outro lado, se temos nossas Bíblias, onde o nome de Deus é exaltado sempre, o que devemos fazer com ela? Deixá-la de lado para buscar palavras humanas, ou sabedoria humana?

Diante desta grande sabedoria, os inimigos de Cristo não tiveram opção senão recuar. E depois desta demonstração de sabedoria, aproximaram-se de Cristo os saduceus, que são os precursores dos naturalistas, dos materialistas. Eles não acreditavam em espíritos ou ressurreição. Já que Josefo registra muitos debates entre eles e fariseus sobre a questão, entendemos por que resolveram provar até Cristo nisto. Usando a Lei sobre o matrimônio e a geração de descendentes, eles criaram uma dificuldade para a doutrina da ressurreição, onde uma mulher se casa com os sete irmãos de uma família, sem obter no entanto um descendente. Com quem ela estaria casada no paraíso?

Alguns textos bíblicos conseguem responder uma gama de doutrinas humanas que surgiram durante o cristianismo, e este texto é um deles. Pois Cristo os responde, declarando que na ressurreição não se casam nem se darão em casamento. Jesus não diz que a mulher estaria casada com um ou outro, mas que ninguém seria casado. Para os mórmons, que ensinam que há um casamento eterno, esta passagem acaba com todas as espectativas da eternidade de um casamento. Dizer que Jesus se referia à falta de cerimônias de casamento no mundo vindouro não condiz com a resposta dada. Os saduceus queriam saber com quem ela estaria casada, e não com quem ela se casaria. O mesmo texto pode ser dito para as Testemunhas de Jeová, que a princípio dizem que no mundo vindouro pode-se morrer, sendo instantaneamente ressuscitado. Jesus é enfático ao dizer que serão iguais aos anjos, não podendo morrer. Além disto, as ilustrações de seus livros estão cheias de crianças e adultos vivendo em família, o que não condiz com a situação de anulação do matrimônio retratada por Cristo aqui. Até mesmo os adventistas são respondidos pela primeira declaração, pois se a igualdade entre os filhos de Deus e os anjos no mundo vindouro se dá no fato de serem imortais, então concluímos que anjos não morrem, o que confirma a visão tradicional sobre a condenação de Satanás por toda a eternidade, e não sua aniquilação.

Isto bastaria para responder aos saduceus, mas Jesus complementa corrigindo a visão daqueles homens sobre o mundo espiritual, nos livros que eles tinham como sagrados, que era a Lei. Então, Jesus toma uma das declarações onde Deus se identifica como Deus de Abraão, Isaque e Jacó.

Deus é Deus de vivos. Assim, Jesus prova que há ressurreição, pois um Deus não poderia ser Deus de algo que não existe. E com esta mesma mentalidade, podemos dizer que a mesma passagem não só prova a ressurreição, mas prova a imortalidade do homem. Pois seria Deus um Deus daquilo que não existe? E assim, Jesus prova o erro dos saduceus, e seus velhos rivais os fariseus, o saúdam.

Depois de tudo isto, não conseguiam mais lhe fazer perguntas. Perceberam que seus esforços eram em vão. Jesus então continua seu discurso, questionando quem é o Messias, o Cristo, fato este relatado por Mateus e Marcos. A resposta dada é que ele era filho de Davi, e a partir daí Lucas continua sua narrativa. Para eles Cristo era apenas humano, o filho de Davi. Mas Jesus novamente corrige sua visão, perguntando por que Davi chama o Messias de Senhor, se este era apenas seu filho? A lógica aqui era clara, pois o Messias mesmo sendo filho de Davi, tinha autoridade superior a ele, do contrário, Davi não lhe chamaria de Senhor. Marcos e Mateus ainda completam dizendo que Davi disse isto "no Espírito". De quem o Messias era filho? Para estar acima de Davi, o Messias só poderia ser Filho do próprio Deus, de forma que seu senhorio se extende a todas as criaturas.

Finalmente, Jesus adverte seus discípulos a tomarem cuidado com os fariseus e toda sua pompa. Afinal de contas, foram eles que causaram todas as discussões, por sua ganância, naquele capítulo.

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