sexta-feira, 26 de junho de 2009

As crônicas de Marvin - 11

A busca pelo reconhecimento


Embora estivéssemos em época de seca, havia algumas nuvens no céu ainda. Às vezes a lua se escondia por trás de alguma nuvem, mas nada que pudesse impedi-la de reinar na escuridão da noite, deixando tudo bem mais claro. À medida que me afastava do núcleo da festa, menos ouvia o barulho de pessoas, e mais ouvia os grilos, em sua religiosa sinfonia noturna. Às margens do lago, eventualmente algum sapo se juntava a eles.
Naquela mesma margem, uma pessoa olhava fixa e melancolicamente para a água. Sua identidade ficava cada vez mais clara para mim, embora ela estivesse bem diferente do que eu estava acostumado a ver... Eu tentava imaginar o que ela fazia ali então o fato dela parecer ser uma pessoa solitária como eu passou pela minha cabeça...
- A... Amanda?
Ela se assustou tanto, que eu poderia jurar que ela tinha visto um fantasma, caso ela acreditasse nisto. Com o susto, ela se virou para mim, então pude perceber como estava diferente. Usava um vestido azul longo, que a deixava com ares de princesa. Agora estava com cabelos soltos, revelando belos cabelos cacheados, que combinavam muito bem com seus olhos verdes, não mais escondidos por aqueles óculos que ela sempre usava. Estava realmente bonita, embora me parecesse triste.
- Ma... Marvin? Irmão, o que faz... aqui?
- Bem... Eu vim aqui refletir um pouco sobre a vida... Puxa irmã, você está muito bonita hoje!!
Seu rosto ficou levemente corado pelo elogio. Enquanto desviava seus olhos de mim, sorria discretamente. Um sorriso que naquela noite, me parecia muito mais belo.
- Obrigada, irmão... Você também está muito elegante.
- Obrigado... Sabe, eu queria ficar sozinho, mas pensando bem foi até bom te encontrar por aqui. Mas me diga, irmã, o que faz sozinha por aqui?
Ela pensou um pouco, depois me respondeu.
- Bem, eu não tenho tantos amigos assim... Então resolvi caminhar por aí...
- Ora, por quê não me procurou? Eu sou seu amigo, você sabe disto...
- Sim, mas... Bem, você já estava acompanhado pela irmã Priscila, então resolvi não incomodar...
O sorriso do rosto dela desapareceu por alguns instantes. De certa forma eu a entendia, assim como eu, ela tinha dificuldade em se aproximar das pessoas. Eu não tinha sido um bom amigo para ela ainda... Só tinha feito promessas e eu, como testemunha de Jeová desprogramada, sei que promessas não cumpridas são frustantes. Estávamos longe de todos. Por isto, sem receios, resolvi pegar na mão dela, olhando em seus olhos:
- Irmã, sinto muito por te deixar sozinha assim... Te prometo que serei um amigo melhor daqui em diante... E para provar isto, farei companhia a você o resto da noite...
Pude perceber que mais uma vez seu rosto ficou vermelho, quando peguei em sua mão. Falei em amizade para não ser mal-entendido...
- Ah... Ma... Mas, irmão, não precisa me acompanhar... Tem muitos irmãos aqui para você dar atenção...
- Sim... Mas de todos eles, você é a mais importante para mim.
Deixei ela sem palavras com isto. Mas eu entendia que o que eu dizia era o que ela precisava ouvir. Mais do que ninguém, eu a entendia. Eu sabia que uma pessoa solitária, em seus momentos de baixa estima, precisa de elogios, precisa se sentir importante para alguém. Era aquilo que eu estava precisando naquele momento, e que as bajulações das outras pessoas da festa não conseguiram transmitir para mim.
Então sorri para ela, soltando a sua mão lentamente.
- Não se preocupe. Gosto de sua companhia.
Ela então me olhou, ficando em silêncio por um tempo... Então mais uma vez um sorriso se formou em seu rosto...
- E então, o que achou da festa, irmão?
- A festa?? Hummmm... Bem, para te dizer a verdade, quando o irmão Osvaldo entrou naquela estrada de chão, eu pensei que estava sendo sequestrado, hehehehe... A festa foi uma surpresa e um alívio...
Ela sorriu em resposta.
- Ah, mas vai me dizer que não gostou? Trabalhamos duro para arrumar tudo!!
- Hummm, se gostei? Deixe-me pensar...
- Ei, não seja malvado!!!
- Hahaha, está bem... Claro que gostei. Ninguém nunca fez uma festa para me homenagear...
- Entendo como se sente... Ninguém também nunca me disse que sou importante... – disse, sorrindo.
- Sério? Nem sua família?
- Nem eles... Sabe, eles brigam muito entre si, e tem aquele problema com meu pai... Eu sempre quis ter uma família normal, mas nem todo mundo tem este privilégio...
- E... Namorado?
- Ah, irmão... eu nunca namorei ninguém...
- Sério? Nem antes de estudar a Bíblia (eu odiava esta expressão usada por testemunhas de Jeová como sinônimo de “iniciação”, mas eu tinha que usar o vocabulário delas)?
- Não... Eu sempre fui tímida... e você?
- Ah, ainda estou tentando descobrir se o que tive foi um namoro ou não... Eu mais financiava os gastos dela do que outra coisa...
- Hummm... Você está falando daquela moça...
- Sim, a Kátia... Nem me lembre dela...
- É engraçado como as pessoas hoje em dia gostam mais dos meios do que os fins... - disse ela pensativa.
- Hum? Como assim?
- Bem, o natural seria amar pessoas, pessoas por completo. Mas as pessoas parecem gostar mais de coisas secundárias. Dinheiro e o que você faz com ele deveria servir apenas para manter o amor, seja qual for o tipo de amor... Mas eu já presenciei coisas absurdas, como uma mãe ensinando sua filha de 5 anos a procurar homens com muito dinheiro... As pessoas deixaram de ser a finalidade de qualquer relação, para serem os meios.
- Hehehe, você tem razão.
- Além do mais, a gente tem o péssimo hábito de procurar pessoas perfeitas, livres de defeitos... Acho que por isto muitas pessoas se decepcionam umas com as outras... Por isto eu disse que deveríamos ver a pessoa por completo, e esperar que ela possua alguma coisa que vai nos incomodar... Todos somos assim, cheios de manias e defeitos. Deixamos de procurar pessoas para procurar características... Andamos de um lado para outro, nunca satisfeitos. Mas eu acho também que muita gente consegue amar pessoas, e este sentimento acaba acima de qualquer defeito... Elas se completam, de uma forma inexplicável.
- É por isto que dizem por aí que o amor é cego...
- Provavelmente... – disse ela sorrindo.
Continuamos caminhando, contemplando a lagoa, que agora estava iluminada pela luz da lua.
- Veja!! – disse Amanda.
Eram cisnes. Provavelmente o dono da chácara os criava, para “enfeitar” mais o lugar. Os coitados estavam acordados, provavelmente por causa do barulho da festa. Alguns, sem ter o que fazer, resolveram até nadar. Amanda os observava com alegria, dizendo como eram belos. Ela tentou se aproximar deles para vê-los de perto, enquanto eu, parado no mesmo lugar, a observava de longe. Não muito tempo, ouvi um barulho em alguns arbustos ali perto. Ainda fui capaz de perceber o vulto humano que saía correndo dos arbustos, voltando para a festa. Estavam nos observando, como era de se esperar.
- Ei, acho melhor voltarmos... Antes que pensem algo errado de nós...
Amanda então se virou, voltando para onde eu estava. Caminhamos de volta, subindo um pequeno morro ali perto. Já estávamos perto novamente da festa...
- Irmão Marvin...
- Ei... me faz um favor?
- Hum? Sim, claro, o quê seria?
- Me chame apenas de Marvin...
Ela ficou um pouco vermelha com isto...
- Hummmm... Es... está bem então... Marvin...?
- Sim, Amanda?
- Eu só queria te dizer que não me importo muito sobre o que eles vão pensar de nós...
Certamente eu deveria estar mais vermelho que ela agora... Não esperava este comentário... Foi a multidão que impediu que nós continuássemos esta conversa. Havíamos chegado, e havia muita gente ali, dançando, conversando...
- Ei, Amanda, você já comeu?
- Ainda não... Vamos?
Por onde passávamos as pessoas paravam para nos observar, como se tivéssemos fazendo algo muito errado. E quem sabe era isto o que passava pelas mentes torpes deles. Amanda tinha razão, não valia a pena se preocupar com o que tais mentes poderiam estar pensando...
- Que gracinha os dois juntos!!! – disse alguém.
É isto aí... Para mim chega... Não queria fazer isto, mas serei obrigado a fazer. Além do mais, vou conseguir movimentar a festa mais... Tipo, festa de irmãos era sempre a mesma coisa: comer, dançar (para os casados), conversar... Tudo girava entre estes três verbos. Vamos mudar um pouco...
- Irmãos, gostaria de dizer algo a vocês...
A Amanda me olhou assustada, um pouco envergonhada também.
- Marvin, o quê você vai fazer?
- Não se preocupe, Amanda... É algo que há muito tempo precisava dizer...
A festa deveria estar tão chata já, que todo mundo se reuniu em minha frente em um piscar de olhos. Nem em treinamento de bombeiros se vê tanta eficiência.
- Muito bem, irmãos. Primeiro, gostaria de agradecer esta maravilhosa festa. Sei que todos trabalharam duro para isto.
- Não foi nada, irmão!! – respondeu alguém da multidão.
Estavam todos alegres. Que ótimo!
- Mas isto não dá o direito a ninguém ficar especulando sobre o que eu faço ou deixo de fazer... Por quê cada um não se ocupa de seus próprios afazeres, e deixa para se preocupar com minha vida, na medida que eu partilhar dela com os outros? Eu digo uma coisa: se vocês possuem tanto tempo livre, certamente poderiam dedicar-se mais tempo ao seu estudo pessoal. Se estivessem estudando mesmo, eu tenho certeza que saberiam que fofoca é algo desaconselhável por Jeová, como a primeira carta de Pedro, capítulo 4 versículo 15 mesmo serve de exemplo.
Uma multidão de gente sem-graça estava na minha frente. Tinha feito meu papel. Logo um rapazinho se levantou, dizendo:
- Ah, que paia. Pensei que ele fosse se declarar!!
- Ei, você! – disse eu, apontando o dedo para ele.
- O que foi? – respondeu com desprezo.
- Já que você é tão engraçadinho, vamos fazer o seguinte. Na entrada tem um espelho. Vá até lá e tire par ou ímpar com ele até dar ímpar!
- Ok, estou indo...
E lá se foi o garoto, sem se dar conta do problema que teria...
- Mais alguém?
Ninguém respondeu.
- Tudo bem, então podemos voltar aos festejos, sim?
Todo mundo então voltou ao que estava fazendo, sem ficar nos olhando com aquela cara de curiosidade tejotina. Fomos até o final da fila, onde mais uma vez as pessoas quiseram ceder sua vez para nós, o que rejeitei de imediato. Não muito tempo depois, alguém conhecido apareceu.
- Ah, então aí estão os dois. Marvin, você está mal-humorado, hein!! Pagando sapo em festa é coisa de gente chata...
- Sei... E brigar por ciúmes, Estêvão? Seria coisa de playboy bêbado, não é?
- Hahaha, Marvin, você é engraçado mesmo... Ciúmes, eu?? Eu estou sendo apenas um líder exemplar! Mas deixa pra lá... Ei, Amanda? Puxa, como você está bonita hoje!!! Eu tinha vindo ver quem estava com o Marvin... Já que é você, que tal se juntar a nós ali para conversar?
Como é? Isto era muito estranho... Estêvão nunca deu muita moral para a Amanda... Agora que ela estava comigo e estávamos conversando, ele veio convidá-la? Ele não estava com a Priscila?
Era uma atitude muito suspeita. Eu não poderia deixar de suspeitar de Estêvão, principalmente depois dos acontecimentos daquela manhã. Qual o interesse dele em me deixar sozinho?
- Irmão Estêvão... Hummm, sinto muito, mas não posso. Estou acompanhando o Marvin. Fica para uma outra vez...
- M...Marvin? – disse ele, surpreso.
Eu também me surpreendi com a resposta, o que me fez estimar mais ainda a companhia daquela jovem.
- Ahh... Você tem certeza?
- Sim, tenho. Gosto muito da companhia dele. – respondeu sorrindo.
- Hummm, então está bem... Até mais.
Estêvão nos deixou então, com um ar de seriedade. Muito esquisito. Terei que vigiá-lo. De todos que conheço na organização, ele é o único que possui poder suficiente para mandar irmãos me vigiarem.
Finalmente nos servimos, depois nos sentamos. Conversamos ainda sobre muitas outras coisas. Aos poucos, as pessoas com carro iam deixando o lugar. Eu não tinha percebido quando cheguei, mas haviam alguns ônibus do lado de fora, alugados para aqueles que não tinham carro. Amanda tinha vindo em um deles, mas não deixei que voltasse ainda.
- Pode deixar, hoje te acompanho até em casa.
- Mas... Não há espaço no carro do irmão Osvaldo para mim.
- Sem problemas. Eu aviso ele que vou voltar de taxi.
Assim, avisei ao irmão Osvaldo que voltaria de taxi. Ele insistiu um pouco para que eu fosse com eles, mas recusei educadamente.
O taxi não demorou muito. Então nos dirigimos à entrada da chácara, onde um rapaz ficava apontando a mão para o espelho.
- Ei, não tem jeito de sair ímpar aqui não!!!
Tive piedade dele, dispensando-o. Entramos então no taxi, e voltamos pelo mesmo caminho que percorri com o irmão Osvaldo. As ruas estavam mais vazias, já era tarde. Paramos em frente à casa da Amanda.
- Muito bem, acho que por hoje é só...
- É... Marvin... Muito obrigada por esta noite. Eu gostei muito de conversar com você...
- Hehehe, sou eu quem agradeço... Estava um pouco triste quando te encontrei... E fiquei feliz de poder te acompanhar... Espero fazer isto mais vezes, hehehehe.
Ela sorriu, envergonhada. Então peguei novamente sua mão, e a beijei.
- Boa noite, Amanda.
- Boa noite, Marvin.
Ela logo entrou em casa e eu segui meu caminho, à pé mesmo, diante dos olhos daqueles que escondidos, me vigiavam...

Ponto de vista alternativo, 7 de setembro de 2051, 23:00

Era um parque, imerso pela escuridão da noite. Alguns postes faziam a precária tarefa de iluminar o local por onde passam as pessoas. Mas ninguém era suficientemente louco de passar por ali naquela hora. Somente as corujas em busca de alimento estavam por ali.
No entanto, 12 figuras encapuzadas estavam ali, de pé. Loucos? Talvez...
- Muito bem, parece que muita coisa aconteceu desde nossa primeira reunião... – disse um deles.
- Sim... No domingo passado, nossos espiões perderam o jovem de vista...
- Humpf... Incompetentes... Eu não podia esperar outra coisa de pessoas que se preocupam mais com a comemoração do Natal do que pregar contra a ganância... Eles não perceberam que o jovem estava despistando eles não?
- Segundo seu relatório, a velocidade alta do moto-taxista não os preocupou, já que todos os moto-taxistas são incontroláveis.
- Humm... Isto é verdade. Mesmo assim, eles precisam ser mais espertos. Provavelmente agora, o jovem está desconfiado... Mas este não é o motivo principal de nossa reunião... Yekhezqe'l conseguiu as informações que buscávamos... Por favor, Yekhezqe'l, compartilhe conosco o que você descobriu.
- Muito bem... O jovem chamado Marvin é realmente uma pessoa genial. Ele fez o curso técnico em eletrônica, depois fazendo engenharia elétrica. Sempre obteve as melhores notas, e sempre surpreendia os professores. Um currículo exemplar, foi financiado por grandes empresas em seus trabalhos...
- Não é por menos que este jovem conseguiu o controle sobre a Torre de Vigia...
- Sim, Moshe... Mas sua vida profissional deu um reviravolta com a morte dos pais... Ele abandonou as grandes empresas e passou a trabalhar com pequenos empregos. Passou a trabalhar com eletrônica apenas como passatempo. Ele ficou bem solitário depois disto... Nunca foi uma pessoa de grandes amizades. Agora sem os pais, ficou completamente só. Depois de uns dois anos assim, começou a estudar com as testemunhas de Jeová.
- Hummm, entendo... Provavelmente a morte dos pais despertou seu lado espiritual... Bem, há alguma coisa que podemos usar contra ele?
- Não. A vida dele foi muito pacata... Porém, por ser um aluno exemplar, ele tinha alguns rivais... Talvez alguns deles poderiam nos ajudar...
- Humm... é uma possibilidade... veja se você consegue entrar em contato com eles... E vamos ter que contar com isto...
- Espere! - Disse outro vulto.
- Deseja acrescentar alguma coisa, Eliyahu?
- Sim... Uma informação muito interessante...
- Pois bem, diga-nos...
- Não sei se é de conhecimento de todos, mas no último dia 3, as testemunhas da cidade de Goiânia organizaram uma festa para os dois “escolhidos”... Hehehehe...
- Sim, eu fiquei sabendo. – respondeu Moshe.
- Bem, gostaria de mencionar que nossos espiões ali descobriram que o jovem não está tão sozinho assim...
- Como é que é?
- Parece que ele estava se dando muito bem com uma jovem chamada Amanda Alves Rezende... Eles relataram até que ele a levou para casa...
- Hummmm, isto que você está me dizendo é muito interessante... Ela sabe alguma coisa sobre as ações dele?
- Não...
Houve silêncio por um instante... Este foi quebrado apenas pela risada, risada de satisfação de Moshe, que aos poucos foi ficando mais alta. Rapidamente os outros entenderam o plano...- Um homem sem família é difícil de controlar... Mas um homem com uma amada... Vigiem ela também... Ela será nossa chave, cavalheiros. Com ela, finalmente os Profetas de Sião controlarão a Torre de Vigia com mãos de ferro...

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