quarta-feira, 9 de setembro de 2009

O último pajé


A Folha de S. Paulo de 07/09/09 trouxe o relato da visita da jornalista Gabriela Romeu à aldeia Lapetanha, dos índios suruís, a 50km de Cacoal (RO), resumindo o que ocorreu nesses 40 anos de contato com o homem branco, desde o dia 07/09/69. A foto acima retrata o primeiro encontro, e o olhar desconfiado - talvez desolado - do índio parece antever a ruína anunciada. Almir Narayamoga Suruí, de 35 anos, líder de um dos quatro clãs da etnia desabafa: "É uma reflexão de tristeza mesmo. O dia 7 de setembro foi a data em que o Brasil tomou independência e tirou autonomia do povo paiter [como os suruís se denominam]". As doenças trazidas pelos brancos dizimaram metade da tribo só no primeiro ano de contato, e hoje os suruís enfrentam as mesmas dificuldades de sobrevivência que afeta a maior parte dos indígenas brasileiros. Em outra nota, a jornalista comenta sobre a influência religiosa no grupo:




Com "Jesus no coração", último pajé suruí troca pajelança pela Bíblia

DA ENVIADA A CACOAL (RO)

Antes de dormir, o índio Marimop Suruí, 85, hoje frequentador da Igreja Batista, entoa palavras em tupi-monde que lembram uma cantoria. Mas ele faz uma oração que, traduzida pela neta Rebeca Suruí, 15, quer dizer: "Senhor Jesus, eu te agradeço que você veio morreu [sic.] nos nossos pecados, que nós somos pecadores e nós não somos nada. Amém". Ele ora ao lado de Weitan Suruí, 80, uma das cinco mulheres que teve.

Na aldeia Lapetanha está a Igreja Batista Suruí, onde o pastor prega em tupi-monde. O culto começa com uma cantoria, acompanhada de violão. Tropeçando nas palavras, um dos suruís anuncia a leitura de trecho do Evangelho. Os outros (muitos deles que não falam português), folheiam a Bíblia.

Bem à frente está o ex-pajé Pepera Suruí, que não sabe sua idade (cerca de 60 anos), mas pela tatuagem no rosto mostra que é do "tempo dos mais antigos", quando eles "viviam no mato" e tatuavam a pele em rituais de passagem. Ele diz que hoje, em vez de curar com pajelança, ora com a Bíblia por perto. "Parou [a atividade de pajé]. É perigoso o espírito mau. Agora tem Jesus no coração", diz o último pajé suruí, que emenda a frase com uma cantoria evangélica em tupi-monde.



Discussões antropológicas e choques culturais à parte, duas coisas me chamam a atenção nesta notícia. Primeiramente, a preocupação da Igreja em evangelizar esses povos raramente é acompanhada de iniciativas concretas de preservação da sua integridade física e da sua cultura, além da garantia de condições mínimas de sobrevivência no admirável (e – muitas vezes – abominável) mundo novo em que são atirados à própria sorte. Por outro lado, mesmo assim, podemos ver a simplicidade da declaração de fé do índio Marimop Suruí, que consegue sintetizar a mensagem central do evangelho em poucas palavras: "Senhor Jesus, eu te agradeço que você veio morreu [sic.] nos nossos pecados, que nós somos pecadores e nós não somos nada. Amém". É uma pena que esta ingenuidade tão sadia destoe tanto do nosso meio dito civilizado, onde somos obrigados a ver, ouvir e conviver diariamente com verdadeiros mercadores da fé e exterminadores do evangelho. É uma reflexão de tristeza mesmo.



Para mais informações sobre o povo suruí, clique aqui.


2 comentários:

  1. Há um engano seu em afirmar que raramente a igreja (ou missões) não se preocupa com a integridade física ou cultural de povos indígenas onde atuam. Digo engano, porque a perversão cultural normalmente ocorre não pelo contato com o evangelho, mas pela maneira nada preocupada com que índios são muitas vezes abandonados em seu "guetos", e também como vivem de forma descriminada nas cidades próximas a suas terras. O contato é inevitável, mas antropólogos insistem em querer manter os indígenas alheios a tudo aquilo que o cidadão livre conquistou. O índio não me parece livre sob o pretexto de preservação cultural. Se aplicássemos os mesmo princípios para nós, deveríamos viver ainda de forma primitiva. Conheço bem de perto uma situação parecida referida na matéria. Posso garantir que o senso comum tem uma visão muito distorcida (e até romântica) sobre como é a vida numa aldeia. A realidade de fato é a pobreza extrema, contato diário com a "civilização", doenças, alcoolismo e até drogas. Para os que tem a oportunidade de serem alfabetizados (em sua língua e em português, a realidade é bem diferente), se tornam índios apaixonados por sua cultura, prósperos, representantes legítimos de suas tribos, e que entendem que a preservação vai muito além do isolacionismo proposto por 'intelectuais' que em alguns casos sequer pisam ou convivem de fato nas aldeias do nosso território. Ressalto, a oportunidade que esses índios têm, é mérito de missionários que se dispuseram a entregar suas vidas (mesmo) no aprendizado da cultura de cada tribo, a codificação de suas línguas, no ensino aos índios, na evangelização, na renúncia, e na superação de perseguições com acusações infundadas, no amor incondicional a Deus e aos indígenas, que nada lhe é cobrado ou imposto, mas aceito ou não, livremente, - um contraste com miséria imputada por nossas leis 'protecionista' - assim como deve ser o evangelho.

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  2. Caro Marcelo, há dois propósitos centrais nesse texto deliberadamente provocativo:

    1)mostrar como a fé de um índio pode ser pura e simples, apesar de todos os problemas que enfrenta;

    2)incentivar uma reflexão mínima sobre o impacto causado pela evangelização dos indígenas e a presença de missionários entre eles.

    Vejo que pelo menos o segundo propósito eu já consegui. Agradeço o seu comentário.

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