segunda-feira, 30 de novembro de 2009

O que Jesus disse e não disse?

Em 2005, Bart D. Ehrman lançou um livro intitulado Misquoting Jesus, que em português soaria como algo parecido com "Citando Errado Jesus", mas foi traduzido por "O Que Jesus Disse? O Que Jesus Nao Disse? Quem Mudou A Biblia E Por Quê", publicado aqui em 2006 pela Ed. Prestígio. A obra trata, basicamente, de alguns problemas de interpolação e adulteração de textos bíblicos, como Hebreus 2:8-9, Marcos 1:41, Mateus 24:36 e João 1:18, entre outros. Teve ampla repercussão na época e, além de servir de munição para céticos que preferem despir o santo sem nem contar o milagre, continua plantando dúvidas naqueles crentes que pouco ou nada entendem de crítica textual, ou que acham que os problemas na transmissão das cópias dos manuscritos originais do Novo Testamento tenham acarretado algum dano às doutrinas fundamentais do cristianismo.

A quem possa interessar, não há nenhuma novidade no livro, já que esses problemas são conhecidos e debatidos há dois séculos pelo menos, e nenhuma doutrina central da Bíblia ficou chamuscada pela investigação. Todos os iniciados sabem que nenhum dos manuscritos originais do Novo Testamento resistiu aos primeiros séculos da Igreja cristã, e eles eram constantemente reproduzidos à mão por copistas que, não raras vezes, introduziam, erravam ou retiravam acidentalmente alguma letra ou palavra das cópias que estavam copiando. A ortodoxia cristã entende que apenas os manuscritos originais foram diretamente inspirados pelo Espírito Santo. Isto não invalida, entretanto, o fato de que Deus agiu inclusive nesta transmissão humana falha para permitir que o essencial dos evangelhos e das cartas dos apóstolos chegassem até nós.

Meu querido amigo e irmão Vítor Grando leu o livro e, apesar das críticas, gostou. Dê uma lida no artigo do blog dele, o Despertai, Bereanos!.

Para aqueles que quiserem se aprofundar no assunto, em resposta ao livro de Ehrman, Daniel B. Wallace escreveu um excelente artigo, "O Evangelho segundo Bart", que o Gustavo traduziu e disponibilizou no site E-Cristianismo, do qual destaco abaixo a introdução:




Para a maioria dos estudantes do Novo Testamento, um livro sobre crítica textual é uma real chatice. Os detalhes tediosos não são matéria para um bestseller. Mas desde a publicação em 1 de Novembro de 2005, Misquoting Jesus[2] tem circulado mais e mais alto até o pico de vendas da Amazon. E já que Bart Ehrman, um dos líderes da América do Norte em crítica textual, apareceu em dois programas da NPR (o Diane Rehm Show e Fresh Air com Terry Gross) - ambos em um espaço de uma semana - ele tem estado entre os primeiro cinquenta mais vendidos na Amazon. Em menos de três meses, mais de 100000 cópias foram vendidas. Quando a entrevista de Neely Tucker a Ehrman no The Washington Post apareceu em 5 de Março deste ano as vendas do livro de Ehrman subiram ainda mais. O sr. Tucker falou de Ehrman como um "estudioso fundamentalista que vasculhou tanto as orígens do Cristianismo que ele perdeu sua fé."[3] Nove dias depois, Ehrman era a celebridade convidada no The Daily Show de Jon Stewart. Stewart disse que vendo a Bíblia como algo que foi deliberadamente corrompida por escribas ortodoxos fez da Bíblia "mais interessante... quase mais divina em alguns aspectos." Stewart concluiu a entrevista declarando, "Eu realmente te parabenizo. É um baita de um livro!" Em menos de 48 horas, Misquoting Jesus chegou ao topo da Amazon, ainda que somente por um curto período. Dois meses depois e ainda está voando alto, ficando entre os 25. Ele "se tornou um de meus bestsellers mais improváveis do ano."[4] Nada mal para um tomo acadêmico em uma matéria "chata"!

Porque todo o alvoroço? Bem, por uma coisa, Jesus vende. Mas não o Jesus da Bíblia. O Jesus que vende é aquele que é saboroso ao homem pós-moderno. E com um livro entitulado Misquoting Jesus: The Story Behind Who Changed the Bible and Why, uma audiência disponível foi criada através da esperança que haveria novas evidências que o Jesus bíblico é uma imaginação. Ironicamente, quase nenhuma das variantes que Ehrman discute envolve palavras de Jesus. O livro simplesmente não entrega o que o título promete. Ehrman preferiu Lost in Transmission, mas a publicadora achou que tal livro seria percebido pelo pessoal de Barnes e Noble como relacionado a corridas de stock car! Mesmo que Ehrman não tenha escolhido o título resultante, ele foi uma jogada de marketing.

Mais importante, este livro vende porque ele apela ao cético que quer razões para não acreditar, que considera a Bíblia um livro de mitos. É uma coisa dizer que as histórias na Bíblia são lenda; outra bem diferente é dizer que muitas delas foram adicionadas séculos depois. Apesar de Ehrman não dizer bem isto, ele deixa a impressão que a forma original do Novo Testamento era bem diferente dos manuscritos que nós lemos agora.

De acordo com Ehrman, este é o primeiro livro escrito sobre a crítica textual do Novo Testamento - uma disciplina que tem circulado por quase 300 anos - para uma audiência leiga.[5] Aparentemente ele não conta os vários livros escritos por advogados da KJV Only, ou os livros que interagem com eles. Parece que Ehrman quer dizer que o seu é o primeiro livro sobre a disciplina geral do criticismo textual do Novo Testamento escrito por um crítico textual de boa fé para leitores leigos. Isto é muito provavelmente verdade.




[1] Agradecimentos são dados a Darrell L. Bock, Buist M. Fanning, Michael W. Holmes, W. Hall Harris, e William F. Warren por verificar um esboço preliminar deste artigo e oferecer sua opinião.

[2] San Francisco: HarperSanFrancisco, 2005.

[3] Neely Tucker, "The Book of Bart: In the Bestseller ‘Misquoting Jesus,' Agnostic Author Bart Ehrman Picks Apart the Gospels That Made a Disbeliever Out of Him," Washington Post, March 5, 2006. Acessado em http://www.washingtonpost.com/wp-dyn/content/article/2006/03/04/AR2006030401369.html.

[4] Tucker, "The Book of Bart."

[5] Misquoting, 15.

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