sábado, 17 de abril de 2010

A fé nas urnas

Em ano eleitoral, muitos líderes evangélicos estão movimentando seus rebanhos com vistas a emplacar algum candidato de sua denominação nas urnas de outubro, além dos acordos - alguns espúrios - com candidatos tanto ao legislativo como executivo, não necessariamente ligados às suas igrejas. Com o título "Eleição e Religião", o site da PUC-Rio tem um material bastante interessante sobre a influência do voto evangélico nas eleições, com dados e gráficos colecionados pelo jornalista Merval Pereira, com base em pesquisas efetuadas por Cesar Romero Jacob, Dora Rodrigues Hees, Philippe Waniez e Violette Brustlein. Ainda que esteja um tanto quanto desatualizado, por se referir às eleições de 2006 e ao censo de 2000, e tenha um olhar católico sobre o tema, vale a pena ler o artigo. Como é bastante extenso, selecionei alguns trechos:

Para se ganhar eleição no Brasil, o candidato depende de máquina eleitoral no grotão; dos evangélicos, na periferia em grande parte, e da Igreja Católica onde eventualmente existam movimentos sociais; e de um discurso competitivo nos grandes centros.

Os números que estão no estudo “Religião e sociedade em capitais brasileiras”, de Romero Jacob com os pesquisadores Dora Rodrigues Hees, Philippe Waniez e Violette Brustlein, mostram a existência do que chamam de “anéis pentecostais” nas periferias pobres de todas as regiões metropolitanas, fenômeno presente quer em Teresina, que é a cidade mais católica das 19 capitais pesquisadas, quanto em Goiânia, que é a menos católica.

Os evangélicos chegam a ser 30% nas três regiões metropolitanas mais importantes: Rio, São Paulo e Minas. Romero Jacob ressalta que Garotinho se deslocou do palanque para o púlpito, e Crivella fez o caminho inverso. Segundo ele, começa a haver sinais de disputas internas no mundo evangélico. Cerca de 50% dos evangélicos no Brasil são da Assembléia de Deus e, no Rio, ela é mais forte na periferia da periferia, como a periferia de Nova Iguaçu, por exemplo.

Nessa periferia mais pobre a Assembléia de Deus atua entre os muito pobres, mas, segundo ele, a Igreja Universal não está interessada nesse nicho porque, sendo partidários da teologia da prosperidade, estão interessados em pegar a baixa classe media, ávida do consumo e da ascensão social, que não está na periferia pobre

Constata-se, por exemplo, que a Igreja Católica, entre 1991 e 2000, perdeu, em nível nacional, quase tanta penetração quanto aumentou a dos pentecostais. Entre 19 capitais pesquisadas, o Rio de Janeiro, com 61% da população, só tem mais católicos que Goiânia, a capital com menor índice de católicos e maior de pentecostais. Na Região Metropolitana do Rio, o número de católicos cai para 48%, como também nas áreas mais pobres, como Santa Cruz e Campo Grande.

O crescimento dos pentecostais na periferia do Rio pode ser constatado ao comparar-se os censos de 1991 e 2000, e é quase na mesma proporção da redução do número de católicos. Segundo Romero Jacob, há uma série de indicações que mostram que as igrejas evangélicas trabalham de uma maneira coesa quando o candidato é um irmão. O ex-bispo Rodrigues falava com orgulho que o eleitorado era muito disciplinado: se os pastores mandassem votar num poste, eles votariam.

As três décadas de estagnação da economia brasileira, aliadas ao modelo urbano perverso - que segrega nas áreas distantes os mais carentes - produziram nos últimos anos um fenômeno recorrente em todas as principais capitais brasileiras: a formação de anéis evangélicos nas periferias, onde se concentram sobretudo os fiéis pentecostais, em número crescente.

Nas áreas centrais, mais abastadas, permanece, predominante, a população católica, que, no entanto, tem diminuído sistematicamente em todas as principais capitais: em 13 das 19 metrópoles estudadas, esse declínio ultrapassou os 10 pontos percentuais, entre os censos de 1991 e 2000.

A Igreja católica fez a opção preferencial pelos pobres, mas os pobres deslocados para as periferias fizeram a opção preferencial pela Igreja pentecostal - sintetiza o cientista político Cesar Romero Jacob, um dos autores do trabalho.

A geografia das principais religiões mantém as mesmas características em todos os principais centros urbanos do país. As regiões centrais e abastadas, com predominância da população branca, de alto nível de renda e escolaridade, são de ampla maioria católica.

Numa área intermediária, entre os bairros mais nobres e a periferia, estão as igrejas evangélicas de missão, como a presbiteriana, a luterana, a adventista e a metodista.

Também nessa área mais afastada, mas ainda não na periferia, situa-se a principal concentração da Igreja Universal do Reino de Deus - a segunda maior igreja pentecostal - que atrai sobretudo a baixa classe média suburbana, com a pregação da teologia da prosperidade, um caminho para quem aspira a ascensão social.

Na periferia concentram-se os fiéis da Assembléia de Deus, a mais numerosa das denominações pentecostais, e os que se dizem sem religião, em grande parte migrantes pobres que estão momentaneamente desvinculados de qualquer igreja. Costumam ser atraídos pelos pentecostais e, juntos, já sobrepujam os católicos nos redutos periféricos mais distantes.

Em São Paulo, embora o número total de evangélicos seja inferior ao do Rio, se somados aos que se declaram sem religião, eles perfazem metade da população. O mapa religioso da capital do Estado e da maioria dos municípios que compõem a Região Metropolitana é bem nítido: nas áreas mais centrais e abastadas da capital e nos principais núcleos urbanos dos municípios que constituem o ABC, de 70% a 75% da população são católicos.

Já os evangélicos pentecostais, que têm percentuais inferiores a 5% da população nos bairros elegantes, como os jardins, somam até 30% dos moradores nas áreas mais periféricas, principalmente na Zona Leste.

Os pesquisadores responsáveis pelo estudo, na parte final do trabalho, observam que a estrutura da Igreja Católica tem se mostrado insuficiente para acompanhar o intenso crescimento da população nas áreas mais afastadas dos grandes centros. Assim, não seriam os fiéis que estariam abandonando a Igreja, mas, de certa forma, sendo abandonados.

Esse padrão de comportamento forma, em todas as regiões metropolitanas pesquisadas, o que os autores chamam de "anéis pentecostais": no centro estão os católicos brancos de alta renda e escolaridade, cercados, numa primeira borda, dos evangélicos tradicionais, classe média de menor escolaridade e renda. Na borda maior, que compreende Zona Oeste e periferia, estão os maiores percentuais de pobreza, baixa escolaridade, de negros, e de fiéis pentecostais. O mapa da votação na última eleição presidencial no Rio de Janeiro mostra que estavam nessas áreas o maior percentual de votos de Garotinho nas últimas eleições presidenciais. Na verdade, há coincidência, também, entre a sua votação nacional e a localização do fiel pentecostal no Brasil.

. "A entrada das denominações neopentecostais não representa maior pluralidade religiosa no país, mas apenas reforça a segregação", explica o professor Cesar Romero. "A ausência do estado faz com que o pobre da periferia esteja entregue ao narcotráfico, ao político clientelista e à igreja neopentecostal", diz ele.

O desmonte das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) ordenado pelo papa João Paulo II no início dos anos 1980 é coincidente com o incremento das denominações neopentecostais no Brasil. A politização das CEBs, que serviam à Teologia da Libertação e eram resultado de um amplo processo de crescimento da esquerda católica iniciado na década de 1950 no Brasil, fez com que, pouco mais de duas décadas depois, a Igreja Católica tenha se afastado da sua opção pelos pobres e hoje, embora ainda majoritária no "maior país católico do mundo", esteja mais concentrada entre os brasileiros de alta renda, brancos e escolarizados, moradores das áreas mais nobres das capitais, enquanto pobres, negros e analfabetos, moradores das periferias, são a clientela religiosa preferencial dos neopentecostais.

A lenta mudança no perfil da fé, ao contrário de significar maior pluraridade religiosa, reforça a segregação sócio-econômica e mantém os mais carentes vulneráveis a grupos confessionais de baixa qualidade: as denominações neopentecostais são a que menos investem na formação de pastores e que, embora conquistem sua clientela com a promessa de uma rede de inserção social, não entregam o que oferecem. Ou seja, as redes que, nas áreas mais pobres, se apresentam como alternativa, são exatamente aquelas que agravam a segregação sócio-econômica.

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