quinta-feira, 1 de abril de 2010

Psychopannychia, de Calvino

Já faz um bom tempo que eu freqüento fóruns de discussão religiosa pela internet, e desde aquela época até hoje existe um grupo de pessoas quase onipresentes, participando em todas as discussões. Acho que foi contra eles que engajei em minhas primeiras discussões teológicas: os adventistas.

O tema era algo que até então eu não tinha "parado" para refletir profundamente: a imortalidade da alma. Os anos se passaram, e as discussões continuaram as mesmas. Hoje posso dizer que conheço bastante a argumentação deles, e conheço bem as respostas a se dar...

Pelo menos pensava que acreditava... Até pouco tempo atrás descobrir que um dos grandes reformadores protestantes também teve como primeira obra teológica, a refutação dos aniquilacionistas. Trata-se nada mais nada menos que João Calvino, em sua magnífica obra, Psychopannychia.

Calvino ali, não esconde seu desdém com relação àqueles aniquilacionistas, os quais chama de "dorminhocos", ou "pessoas sem habilidade". De fato, depois de uma segunda lida em seu próprio texto, Calvino comenta: "Ao ler novamente esta discussão, eu observo que, no calor da argumentação, algumas expressões bem severas e rudes me escaparam, as quais podem ser ofensivas para ouvidos delicados; e como eu sei que há alguns bons homens em cujas mentes este dogma foi inculcado, tanto por excessiva credulidade quanto por ignorância das Escrituras, com as quais na época eles não estavam armados a ponto de serem capazes de resistir, estou relutante a ofendê-los tanto quanto eles me permitam, já que eles não são nem perversos nem maliciosos em seus erros".

Mas o que Calvino diz? Em primeiro lugar, ele trata de desfazer da argumentação muito comum de aniquilacionistas, de querer interpretar as palavras envolvidas sempre da mesma forma. Como ele mesmo diz:


Mas antes de proceder mais além, nós devemos acabar com todo pretexto para logomaquia, que pode ser suprida por darmos o nome de "alma" e "espírito" indiscriminadamente àquilo que é o tema da controvérsia, e ainda algumas vezes falando dos dois como diferentes. Pelo uso das Escrituras diferentes significados são dados a estes termos; e a maioria das pessoas, sem se atentar para esta diferença, pega o primeiro significado que lhes ocorre, se agarram firmemente a ele, e obstinadamente o mantém. Outros, tendo visto "alma" algumas vezes usada para "vida", sustentam que este é invariavelmente o caso, e não se permitirão ser convencidos do contrário.
Assim, Calvino trata de listar onde se tem um significado diferente e onde não tem.

Depois disto, Calvino nos mostra como o próprio relato da criação nos mostra que o ser humano possui uma alma, e que esta é diferente dos animais. Ele nos diz:


A História Sagrada nos diz (Gênesis 1:26) do propósito de Deus, antes que o homem fosse criado, de fazê-lo "à sua imagem e semelhança". Estas expressões não podem ser possivelmente entendidas a respeito de seu corpo, no qual, apesar do maravilhoso trabalho de Deus aparecer mais do que em todas outras criaturas, sua imagem não resplandece em lugar algum (Ambros. lib. 6, hex. August. cap. 4: de Trinit. et alibi.). Pois quem é o que diz assim, "Façamos o homem em nossa própria imagem e semelhança"? O próprio Deus, que é um Espírito, e não pode ser representado por nenhuma forma corporal. Mas como uma imagem corpórea, que exibe a face externa, deve expressar à vida todos os traços e características, e assim a estátua ou figura pode dar uma idéia de tudo que pode ser visto no original, assim esta imagem de Deus deve, por sua semelhança, implantar algum conhecimento de Deus em nossas mentes. Eu ouvi que alguns levianos disseram que a imagem de Deus se refere ao domínio que foi dado ao homem sobre os brutos, e que neste respeito o homem tem alguma semelhança com Deus, cujo domínio está sobre todos. Neste erro até mesmo Crisóstomo caiu quando ele foi levado no calor do combate contra o insano Antropomorfites. Mas as Escrituras não permitem que seu significado seja evitado desta forma: pois Moisés, para prevenir qualquer um de colocar esta imagem na carne do homem, primeiro narra que o corpo foi formado do barro, e não faz nenhuma menção da imagem de Deus; depois disto ele diz que o "fôlego de vida" foi introduzido neste corpo de barro, fazendo a imagem de Deus não se tornar resplandecente até que ele fosse completo em todas suas partes.

Assim, Calvino explica que a imagem de Deus só pode ser espiritual, pois Deus é Espírito. Deus não poderia fazer do corpo humano esta imagem, pois Deus não é corpóreo, isto seria ilógico. Desta forma, Calvino entende que a imagem de Deus se situa no espírito humano, sendo este portanto diferente dos animais, já que as Escrituras estabelecem esta diferença:


Pois e se eu mantiver que a distinção foi constituída pela palavra de Deus, pela qual aquele fôlego de vida é distinguido das almas dos brutos? Pois de onde as almas de outros animais se levantaram? Deus diz, "Que a terra produza a alma vivente", etc. Que aquilo que saiu da terra seja decidido na terra. Mas a alma do homem não é da terra. Ela foi feita pela boca de Deus, isto é, por seu poder secreto.

Esta alma é imortal? Segundo Calvino, sim, pois...


Quando Cristo exorta seus seguidores para que não temam aqueles que podem matar o corpo, mas não podem matar a alma, porém temer aquele que, depois de matar o corpo, é capaz de jogar a alma no fogo da Gehenna (Mateus 10:28), ele não dá a entender que a alma sobrevive a morte? Graciosamente, então, o Senhor tem agido em respeito a nós, ao não deixar nossas almas à disposição daqueles que não possuem nenhum escrúpulo em matá-las, ou pelo menos tentam, porém sem a habilidade de fazê-lo. Tiranos torturam, mutilam, queimam, açoitam e penduram, mas é apenas o corpo! É somente Deus que possui poder sobre a alma, e pode mandá-la para o fogo do inferno. Então ou a alma sobrevive o corpo ou é falso dizer que os tiranos não tem poder sobre a alma! Eu os ouço responder que a alma é de fato morta no presente quando a morte é infringida, mas não perece, já que ela será novamente levantada. Quando eles escapariam desta forma, eles deveriam reconhecer que nem o corpo é morto, já que ele também irá se levantar; e por que ambos serão preservados para o dia do julgamento, nenhum perece! Mas as palavras de Cristo admitem que o corpo é morto, e testificam ao mesmo tempo que a alma está segura.

Porém Calvino faz ainda uma interessante observação dos escritos de Paulo:


Para não omitir o réprobo, cuja morte não precisa nos dar grande interesse, eu gostaria que nossos oponentes candidamente me dissessem, com base em que eles possuem alguma esperança de ressurreição, a menos que seja porque Cristo se levantou? Ele é o primogênito dos mortos, e o primeiro fruto daqueles que se levantaram novamente. Como ele morreu e se levantou novamente, assim também nós morreremos e nos levantaremos novamente. Pois se a morte à qual todos nós estamos sujeitos for vencida pela morte, ele induvidavelmente sofreu a mesma morte que nós, e da mesma forma na morte sofreu o que sofremos. As Escrituras deixam isto claro quando chamam ele o primogênito dos mortos, e o primeiro fruto dos que se levantam novamente (Colossenses 1:18). E assim elas ensinam que crentes no meio da morte o confirmam como seu líder, e enquanto eles consideram suas mortes santificadas pela sua morte, não possuem medo de sua maldição. Isto Paulo anuncia quando ele diz que ele foi feito conforme sua morte, até que ele alcance a ressurreição dos mortos (Filipenses 3:10). Esta conformidade, aqui iniciada pela cruz, ele seguiu até que ele pudesse completá-la pela morte.

Agora, ó dorminhocos sonhadores, comunguem com seus próprios corações e considerem como Cristo morreu. Ele dormiu quando estava trabalhando por sua salvação? Não é assim que ele diz de si mesmo,

"Como o Pai tem vida em si mesmo, assim Ele deu ao Filho ter vida em si mesmo" (João 5:26).

Como poderia aquele que tem vida em si mesmo perdê-la?

Que eles não me digam que estas coisas pertencem à sua Divindade. Pois se foi dado àquele que não tem, foi dado ao homem e não a Deus que tem vida em si mesmo. Pois vendo que Jesus Cristo é Filho de Deus e homem, aquele que ele é pela natureza como Deus é ele também pela graça como homem, para que assim ele possa receber tudo em sua perfeição, e graça por graça. Quando homens escutam que há vida com Deus, que esperança eles poderiam conceber disto, quando eles ao mesmo tempo sabem que por seus pecados, uma nuvem é interposta entre eles e Deus? Mas é certamente uma grande consolação saber que Deus o Pai ungiu Cristo com o óleo da alegria sobre seus companheiros - que o homem Cristo tem recebido do Pai dádivas para os homens, de forma que possamos achar vida em nossa natureza. Daí nós lemos que a multidão, depois que o garoto foi ressuscitado, glorificou Deus por ter dado tal poder aos homens (Atos 20:12). Isto certamente foi visto por Cirilo, que concorda conosco na exposição desta passagem. Mas quando nós dizemos que Cristo, como homem, tinha vida em si mesmo, nós não dizemos que Ele é a causa da vida para si mesmo.

Assim, Calvino liga o fato de Cristo ter a vida em si mesmo como demonstração de que pelo menos os salvos continuarão vivos após sua morte corporal.

Este texto é realmente muito grande, e Calvino tenta abordar todos os assuntos que ele ouviu falar destes aniquilacionistas. Além da argumentação contra este ponto de vista, é interessante notar como ele trata os livros apócrifos. Leitura altamente recomendada!

Leia o texto integral de Psychopannychia no site E-Cristianismo

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