sábado, 9 de outubro de 2010

Subindo a rampa com os evangélicos

Que muitos líderes “evangélicos” estão mais preocupados com um projeto de poder temporal do que com a anunciação do evangelho, isto já é público e notório, lamentavelmente. Não é difícil constatar, também, que muitos deles não têm qualquer compromisso com a pureza da mensagem pregada, e a negociam conforme a sua conveniência momentânea, daí não terem qualquer constrangimento em atrelarem o bom nome do evangelho a qualquer candidato que lhe ofereça vantagens imediatas, nem sempre santas.

É claro que há gente que age com boa fé na ânsia de apoiar um projeto político, embora se equivoque nas justificativas. Só agora se sabe, por exemplo, que o partido, da candidata Marina Silva, apoiada por enorme parcela dos evangélicos brasileiros no 1º turno das eleições presidenciais de 2010, o Partido Verde (PV), tem em seu programa (aprovado em 2005 – clique aqui para lê-lo), o apoio ao aborto, ao casamento gay e à liberação da maconha. É estranho, mas ninguém, nem este que vos escreve, teve conhecimento disso antes do 1º turno. A grande justificativa que boa parte dos evangélicos tinha para não votar na candidata do PT, Dilma Roussef, era ignorada quanto ao PV. Portanto, fica claro aos olhos mais atentos que não havia qualquer diferença “espiritualizada” para se apoiar A ou boicotar B, mas se tratava de um posicionamento ideológico travestido de “evangélico”. O mesmo vale para o candidato do PSDB, José Serra, agora alentado por grandes movimentos evangélicos, omitindo o fato de que ele não só apoiou o primeiro projeto de liberação do aborto, de nº 78, em 1993, proposto pela senadora Eva Blay, também do PSDB (ela era suplente de Fernando Henrique Cardoso, que assumira o ministério da Fazenda de Itamar Franco pouco antes), como também assinou decreto facilitando os procedimentos abortivos no SUS.

O que pouca gente parece perceber é que pelo termo “evangélico” no Brasil é conhecido um quinhão enorme da população que professa a fé cristã decorrente da Reforma Protestante, embora hoje sequer o nome “protestante” seja utilizado para identificá-lo, dada a enorme profusão de denominações pentecostais e neopentecostais, muito maiores em número do que os protestantes históricos. Entretanto, na hora de se alinharem politicamente, não há nenhuma distinção entre eles, seja do ponto de vista externo, seja também dos posicionamentos ideológicos que assumem interna corporis. Ao fazerem isso, colocam a igreja evangélica, genericamente considerada, numa posição extremamente desconfortável e arriscada. De um lado, o apoio dado a qualquer candidatura faz com que os evangélicos sejam vistos como fiadores de seu projeto político, reféns de uma determinada visão de mundo. Logo, se algo dá errado, os evangélicos também terminarão pagando pelo seu erro. Por outro lado, existe a possibilidade (sempre clara no Brasil) do apoio se converter em cargos no governo e verbas públicas, com todas as suas benesses, nem sempre legítimas. Poucas coisas talvez sejam mais contrárias ao evangelho do que o aparelhamento do Estado em prol de uma elite religiosa. Não por acaso, o próprio Jesus Cristo foi condenado por esta aliança espúria entre políticos e religiosos.

É bom e legítimo que todas as igrejas promovam o debate político civilizado entre seus seguidores. Entretanto, o apoio enfático a qualquer candidatura - mediante premissas espiritualizadas que escondem a semelhança com as outras - faz com que a igreja evangélica brasileira saia perdendo ao sacrificar a mensagem da cruz no altar dos jogos políticos de ocasião. Milhões de pessoas não mais a verão como a portadora do evangelho da graça redentora de Deus, mas como mais um partido político igual aos outros, com todas suas mazelas e corrupções. Não que a igreja seja perfeita, todos sabemos que ela está longe disso, mas podia pelo menos se dar ao respeito de não entrar em bola dividida com a canela desprotegida nem servir como inocente útil num cavalo de Tróia com destino desconhecido. Serviço devemos prestar a Deus e ao próximo, desinteressadamente, e não nos servirmos do Estado e da política. O grande problema em subir a rampa carregando nos ombros um candidato eleito é de lá não descer mais...

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