sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

A teologia política de Paulo

por Udo Schnelle*:

Jesus Cristo não só renuncia à sua igualdade a Deus e à sua vida, mas morre na mais extrema humilhação concebível. Esse pensamento está vinculado a um aguçamento teológico-político: agora, a aclamação e proskynesis (prostração) dirigem-se a uma pessoa crucificada. Isto é, durante sua prisão em Roma, Paulo ressalta diante de uma comunidade com caráter colonial-romano a dimensão política do evento Cristo. Por meio da intervenção direta de Deus, uma pessoa crucificada pelos romanos recebe um status insuperável, e somente ela merece proskynesis e exhomologesis (louvação). Aqui, três aspectos são de especial importância:

1) Enquanto reis e governantes ganharam seu poder por meio da violência e da apropriação por roubo, Jesus Cristo humilha-se a si mesmo e torna-se assim o verdadeiro governante. Com isso, ele corporifica a contraimagem ao governante que exalta a si mesmo.

2) Somente o imperador romano é digno de veneração e adoração ilimitadas. Dio Cássio relata acerca do ano 66 d.C. sobre a visita do grande rei Tiridates que se deslocou num cortejo triunfal do Eufrates até Roma para adorar ali a Nero: “Ele se ajoelhou no chão, cruzou seus braços, chamou Nero de seu senhor e demonstrou-lhe sua veneração [...]. Seu discurso dizia [...]: Vim até ti como meu deus, para adorar-te como Mitras. Serei o que tu me designares; pois tu és minha felicidade e meu destino. Nero respondeu-lhe: Fizeste bem em vir aqui pessoalmente, para poder experimentar minha graça face a face”.

3) Também os títulos de Kyrios (senhor) em Fl 2,11 e de Salvador em Fl 3,20 contêm conotações anti-imperiais. Numa inscrição grega do tempo de Nero encontra-se a formulação “O Kyrios do mundo inteiro, Nero”, e especialmente no oriente do império, os imperadores romanos deixaram se celebrar como salvadores. A essa pretensão político-religiosa, o hino contrapõe uma nova realidade que ultrapassa qualquer poder terreno e apresenta uma alternativa melhor. Os filipenses recebem sua cidadania não de autoridades romanas, mas do céu (Fl 3,20s), de modo que Paulo, consequentemente, denomina unicamente em Fl 1,27 sua conduta com o verbo πολιτεύομαι (politeuomai - “conduzir sua vida como cidadão”). O Paulo preso em Roma oferece à sua comunidade um contramodelo: na verdade, a impotência e o poder/domínio são distribuídos de modo totalmente diferente daquilo que parece se insinuar à primeira vista.

A teologia paulina é política, na medida em que, como uma nova criação de sentido, diz respeito imediatamente à vida dos cidadãos, a seu modo de vida. Com Jesus Cristo, Paulo introduz uma autoridade nova e insuperável do tempo escatológico; realiza uma nova definição de mensagem da salvação, domínio, redenção, paz, graça e justiça, e postula uma transformação do mundo que não poderá ser interrompida. Com isso, ele atua também politicamente, mas não assume uma posição conscientemente política no sentido moderno. Alguns textos ou termos isolados de Paulo têm um efeito factualmente anti-imperial (por exemplo, Fl 2,6-11; os títulos de Kyrios e salvador), mas isso não é absolutamente idêntico com uma teologia “anti-imperial” de Paulo. Não há:

1) em Paulo nenhuma expressão anti-romana direta ou apenas crítica a Roma; ao contrário, pois
2) Rm 13,1-7, como único testemunho direto de Paulo sobre o Império Romano, exige explicitamente o reconhecimento do mesmo; tanto mais que
3) a vinda iminente do Cristo exaltado faz o Terrestre aparecer já agora sob uma luz passageira (1 Cor 7,29-31).

(SCHNELLE, Udo. Teologia do Novo Testamento. Santo André: Academia Cristã; São Paulo: Paulus, 2010. pp 283-286).

(*) Udo Schnelle é professor de Novo Testamento na Martin-Luther Universität Halle-Wittenberg

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