sábado, 30 de janeiro de 2010

"Tomando posse" com Calvino

CALVINO, em "As Institutas", Edição Clássica, Ed. Cultura Cristã, 2ª ed., 2006, vol. III, pp. 52-53:


28. A FÉ NÃO CONTEMPLA A PROSPERIDADE TERRENA, MAS A SALVAÇÃO E A VIDA ETERNA

Ora, na benevolência divina, à qual dizemos que a fé contempla, entendemos que se obtém a posse da salvação e da vida eterna. Ora, se não pode faltar-nos bem algum quando Deus nos acolhe sob sua proteção, é suficiente segurança de nossa salvação que ele nos testifique o amor que nos tem. “Mostre ele sua face”, diz o Profeta, “e seremos salvos” [Sl 80.3,7,19]. Do quê as Escrituras formulam esta síntese de nossa salvação: que, uma vez abolidas todas as inimizades, ele nos recebeu em sua graça [Ef 2.14,15]. Com isto dão evidentemente a entender que, uma vez que Deus esteja reconciliado conosco, não resta o menor perigo de que todas as coisas não nos sucedam bem. Portanto, a fé, aprendendo o amor de Deus, tem as promessas da vida presente e da vida futura [1 Tm 4,8], bem como a firme certeza de todas as coisas boas, a qual, porém, pode ser depreendida da Palavra.

Ora, por certo a fé não promete longevidade, nem honra, nem riquezas nesta presente vida, uma vez que nada destas coisas o Senhor quis que nos fosse destinado; pelo contrário, vivemos contentes com esta certeza: por mais que nos faltem muitas coisas que dizem respeito ao sustento desta vida, Deus, no entanto, jamais nos haverá de faltar. Mas, sua primordial certeza reside na expectação da vida futura que, pela Palavra de deus, foi posta além de toda dúvida. Entretanto, quaisquer que sejam na terra as misérias e calamidades que esperem aqueles a quem Deus já abraçou com seu amor, não podem impedir que sua benevolência lhes seja a plena felicidade. Daí, quando queríamos exprimir a suma da bem-aventurança, mencionamos a graça de Deus, de cuja fonte nos emanam todas as espécies de bênçãos. E isto, a cada passo, se pode observar nas Escrituras: que somos encaminhados ao amor do Senhor que, vezes sem conta, trata não só da salvação eterna, mas até de qualquer outro bem nosso. Razão por que Davi canta: a bondade divina, quando é sentida no coração piedoso, é mais doce e mais desejável do que a própria vida [Sl 63,3].

Enfim, se tivéssemos tudo, segundo nosso desejo, mas vivêssemos incertos quanto ao amor ou ao ódio de Deus, nossa felicidade seria maldita, e por isso desditosa. Mas se Deus nos mostra seu rosto de Pai, até as próprias misérias nos serão para felicidade, pois se converterão em auxílio para a salvação.

Assim é que Paulo, enfeixando todas as coisas adversas, entretanto se gloria de que não somos por elas separados do amor de Cristo [Rm 8.34-39], e em suas preces sempre parte da graça de Deus, da qual emana toda prosperidade. De maneira semelhante, Davi contrapõe o favor de Deus a todos os temores que nos conturbam. “Se porventura eu andar em meio à sombra da morte, não temerei males, porque tu estás comigo” [Sl 23,4]. E sentimos sempre vacilar-nos o espírito, a não ser que, contentes com a graça de Deus, nela busquemos sua paz, profundamente arraigados no que lemos no Salmo: “Feliz é o povo cujo Deus é o Senhor, e a nação a quem ele elegeu por sua herança” [Sl 33,12].

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Transformados pela contemplação

“E todos nós com o rosto desvendado, contemplando, como por espelho, a glória do Senhor, somos transformados de glória em glória na sua própria imagem.”

(2 Coríntios 3:18)


A principal característica do cristão é essa total abertura diante de Deus, a fim de que sua vida se torne um espelho para outros. Quando somos cheios do Espírito, somos transformados; e pela contemplação, nos tornamos espelhos. Sempre é possível saber quando alguém esteve contemplando a glória do Senhor; sabemos no íntimo de nosso espírito que ele reflete o próprio caráter do Senhor. Cuidado com tudo aquilo que possa embaçar esse espelho em você; quase sempre é algo bom, o bom que não é o melhor.

A regra áurea para a sua vida e para a minha é, com um esforço consciente, mantermos nossa vida sempre aberta para Deus. Abandone tudo o mais – trabalho, roupas, alimento, tudo na terra – exceto essa atitude. A corrida atrás de outras coisas tende sempre a quebrar nossa concentração em Deus. Temos que manter-nos em contemplação; temos que manter a vida toda completamente espiritual. Deixe que as outras coisas venham e vão, como sempre acontece; deixe que outras pessoas façam as críticas que quiserem; mas nunca permita que nada obscureça a vida que está oculta com Cristo em Deus (Colossenses 3:3). Nunca permita que a pressa o faça sair da posição de permanência nele, que, embora não o devesse, é a coisa mais propensa a oscilar. A mais severa disciplina da vida cristã consiste em aprendermos a nos manter “contemplando, como por espelho, a glória do Senhor”.

(“Tudo para Ele”, Oswald Chambers, Ed. Betânia, meditação de 23 de janeiro)

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Estratégia ou estratagema?

Um dos jargões modernosos que invadiram muitas igrejas evangélicas é o uso do termo “estratégia”, aplicável a toda e qualquer situação para a qual a pessoa possa dizer “Deus me deu uma estratégia...”. 

Não deixa de ser mais um inapropriado empréstimo do jargão empresarial, acostumado com o uso e abuso desta palavra, originária do grego “stratēgía” (στρατηγία), que por sua vez deriva de “stratēgos” (στρατηγός), que era primitivamente “o cargo do comandante de uma armada, o cargo ou a dignidade de uma espécie de ministro da guerra na antiga Atenas, pretor, em Roma; manobra ou artifício militar”, segundo define etimologicamente o Dicionário Houaiss. 

Há, portanto, uma clara conotação militar no emprego do termo, pelo menos até a segunda metade do século XX, com suas muitas guerras travadas por todo o mundo. 

Com a globalização da economia que sucedeu o fim da guerra fria, a palavra passou a ser muito mais usada num contexto empresarial, em que “estratégias de marketing”, por exemplo, são essenciais para o desenvolvimento de um negócio. 

Daí não chegar a ser surpresa a incorporação – por muitos líderes evangélicos – desses termos afeitos ao mundo secular, já que veem e administram a igreja como uma empresa, reproduzindo nela o seu linguajar.

É claro que a igreja está inserida na sociedade e não há nada de mal que – vez ou outra – utilize termos específicos de outras áreas para transmitir a mensagem do evangelho, afinal a língua é dinâmica e as palavras circulam livremente e se reinventam de tempos em tempos. 

O que chama a atenção é a repetição desses termos numa espécie de “mantra” evangélico, como se eles carregassem algum poder intrínseco misterioso, e servissem para definir a posição da igreja no mundo. 

“Estratégia” é uma palavra que não se encontra na Bíblia. 

De fato, há algumas metáforas militares, como o uso frequente da palavra “exército” no Velho Testamento (228 vezes), que – significativamente - aparece apenas 2 vezes no Novo (originariamente escrito em grego), sendo uma na entrega de Paulo ao exército romano (Atos 28:16) e outra estritamente no sentido espiritual, na batalha final de Apocalipse 19:19. 

Além disso, no Novo Testamento há apenas 3 referências a “armas” no sentido espiritual, e, com o perdão da redundância, nada sugere que a palavra “estratégia” tivesse alguma importância estratégica para os inspirados escritores bíblicos. 

O uso constante do termo parece, portanto, muito mais um modismo inútil, uma espécie de muleta semântica utilizada à exaustão para disfarçar a ignorância de quem a utiliza.

A coisa pode ficar pior, entretanto. 

“Estratagema” (do grego stratēgema - στρατήγεμα), também inexistente na Bíblia, é outra palavra que deriva do mesmo radical grego stratēgos que gerou “estratégia”, mas com uma conotação sutilmente diferente: “manobra de guerra, estratagema, astúcia, artifício de guerra”, segundo o Dicionário Houaiss, que define o significado atual da palavra como “plano, esquema etc. previamente estudado e posto em prática para atingir determinado objetivo” no sentido negativo de um ardil, uma armadilha, no popular uma “manha”, um esforço de dissimulação para enganar alguém. 

Em suma, não é pecado usar a palavra “estratégia” eventualmente, mas o seu emprego reiterado pode revelar algo mais que um vício de linguagem. 

Creio que muitos cristãos usam a palavra “estratégia” apenas por modismo, atribuindo-a a Deus como uma espécie de “reza evangélica” na qual eles pronunciam a palavra sem refletir sobre o que estão dizendo, mas não duvido que haja aqueles que a utilizem com o sentido de “estratagema” para embelezar um discurso ardiloso que camufla os seus projetos de poder neste mundo.

O mandamento “ide por todo o mundo e pregai o evangelho a toda criatura” de Jesus (Marcos 16:15) mostra a importância que Ele dava à comunicação, arte na qual foi Mestre enquanto andou por este mundo. 

Por isso, é essencial que seus discípulos atuais se espelhem no seu exemplo e se preocupem em transmitir o evangelho de maneira clara e simples, sem recorrer a modismos e palavras dúbias que nada acrescentam. 

Afinal, palavras existem para comunicar uma mensagem, uma ideia, e temo que quem usa o termo “estratégia” no meio cristão está correndo o risco de invocar uma pretensa inteligência enquanto simula uma espiritualidade inexistente.

Tremei, São Bernardo!

É fria! O Painel do jornal Folha de S. Paulo de hoje informa que no próximo sábado, dia 30 de janeiro, Lula e Dilma Roussef estarão em São Bernardo do Campo (SP) para um evento da Igreja Mundial do Poder de Deus, juntos com o autointitulado "apóstolo" Valdemiro Santiago. 

Segundo a agenda de Valdemiro, o evento será às 15 horas na praça em frente da Prefeitura daquela cidade. O único problema é que - com tantas chuvas - o clima pode não estar tão quente assim, o que prejudicará a distribuição de "suor ungido" das celebridades presentes. Portanto, em vez de lenço, leve o seu guardachuva mesmo.

Atualização de 28/01/10
: Pelo jeito, a expectativa de estar com o Valdemiro foi emoção demais para o nosso querido presidente, e ele teve uma crise hipertensiva no Aerolula enquanto viajava para Davos, na Suiça, para participar do Fórum Econômico Mundial, descendo em Recife para ser melhor avaliado no Hospital Português. Já retornou a São Bernardo do Campo hoje de manhã, e vai descansar por orientação médica. O Valdemiro vai ter que se virar sem ele.

domingo, 24 de janeiro de 2010

O cristão do futuro

Karl Rahner (1904-1984) foi um teólogo católico alemão, um dos mais influentes do seu meio durante o Concílio Vaticano II e no século XX como um todo, que em 1965 publicou o livro “O Cristão do Futuro”, uma série de reflexões que fez sobre o resultado do concílio e suas expectativas para a Igreja e para os cristãos do futuro. 

Já no fim do livro, Rahner, mesmo não se reconhecendo como profeta, fez algumas previsões para o futuro da cristandade como ele vislumbrava naquela época, e é muito interessante reler este trecho, escrito em 1965, quando o mundo vivia o auge da guerra fria, o homem nem tinha chegado à lua, o computador dava seus primeiro passos (e sua versão pessoal só existia na ficção científica), os satélites começavam a ser utilizados, e Marshall MacLuhan lançaria seu livro sobre a ideia de uma “aldeia global” somente em 1968. 

Já em 1965, Rahner antevia um mundo integrado, com uma ideologia hegemônica, com poucas comunidades cristãs verdadeiramente significativas e ideologicamente independentes, em que não haveria nenhuma "vantagem terrena em ser cristão", bem ao contrário daqueles que hoje pregam que só se é cristão se houver algum benefício mundano envolvido.

Lá se vão 45 anos que o teólogo católico escreveu essas linhas, que mostram como ele estava à frente do seu tempo, e ainda que não se concorde com o seu posicionamento, faz-se necessário exercitar a nossa imaginação (por que não dizer “profecia”?) para ter um vislumbre da Igreja cristã daqui a algumas décadas, diante de tantos desafios que ela vem enfrentando hoje em dia. 

Afinal, o futuro para o Karl Rahner de 1965 é hoje, e não deixa de ser um excelente exercício mental (e espiritual) tentar imaginar como será a Igreja cristã de 2050 (se Jesus não tiver voltado antes).

Lembrando sempre, é claro, de Hebreus 3:13-14 (tradução NVI):

Pelo contrário, encorajem-se uns aos outros todos os dias, durante o tempo que se chama "hoje", de modo que nenhum de vocês seja endurecido pelo engano do pecado, pois passamos a ser participantes de Cristo, desde que, de fato, nos apeguemos até o fim à confiança que tivemos no princípio.






A SITUAÇÃO DO CRISTÃO NO FUTURO

por Karl Rahner

Para promover o entendimento de algumas das características mais importantes deste decreto (visto que é impossível lidar com ele em sua inteireza, e visto que a maior parte dele já é familiar), talvez me deva ser permitido um pequeno experimento mental. Se for bem sucedido, estará tudo muito bem; se não, não tenho ninguém para responsabilizar senão a mim mesmo, e isso não é uma coisa ruim. Quero colocar-me na situação de um católico comum do futuro, particularmente o de um leigo, e perguntar o que especialmente o afeta neste documento. Não importa se a situação ocorrerá daqui a 20, 30 ou 100 anos. Não sou profeta, e se de fato estou tentando descrever essa situação de um católico futuro, com a pressuposição necessária do experimento, então a descrição não é uma profecia mas um sonho. Quer seja pesadelo, uma utopia feliz ou sem sentido, é uma questão que igualmente não precisa ser levantada.

Nesta data futura haverá comunidades católicas ou cristãs por todo o mundo, embora não distribuídas uniformemente. Por toda parte haverá um pequeno rebanho, porque a humanidade cresce mais rapidamente do que a cristandade e porque os homens não serão cristãos por costume e tradição, por causa das instituições e da história, ou por causa da homogeneidade de um ambiente social e opinião pública, mas – desconsiderando o zelo sagrado do exemplo paterno e a esfera íntima dos clãs, famílias e pequenos grupos – eles serão cristãos apenas por causa de seu próprio ato de fé, obtido numa luta difícil e continuamente reconquistado. Por toda parte, haverá diáspora. O estágio da história humana será uma unidade mais simples do que já é; todos serão vizinhos de todos, e a ação e a atitude de cada um contribuirá para determinar a situação histórica objetiva de todos. E “cada um” significa cada nação, civilização, realidade histórica e, proporcionalmente, cada indivíduo. Sem dúvida o campo da história universal será muito diferente em qualidade de lugar para lugar, com algumas partes em contradição, mas formará uma unidade na qual tudo interagirá historicamente. E visto que os cristãos formarão apenas uma minoria relativamente pequena, sem campo de existência histórica independente, eles, embora em graus variados, viverão na “diáspora dos gentios”. Em nenhuma parte haverá “nações católicas” que coloquem uma marca cristã sobre os homens antes de qualquer decisão pessoal. Por toda parte, os não cristãos e os anticristãos terão plenos e iguais direitos, e talvez possam pela ameaça e pressão contribuir para dar à sociedade seu caráter e até mesmo crescerem juntos em poder e jurisdições como sinais e manifestações do anticristo. E onde quer que, em nome da necessidade de educação e organização uniforme, o Estado ou talvez o futuro super-Estado estabeleça por imposição uma única ideologia, com todos os meios de pressão e formação modernas de enormes multidões de homens, não será uma filosofia cristã que será proclamada como ideologia oficial da sociedade. Os cristãos serão o pequeno rebanho do Evangelho, talvez respeitado, talvez perseguido, talvez dando testemunho da santa mensagem de seu Senhor com voz clara e respeitada no coro polifônico ou cacofônico do pluralismo ideológico, talvez apenas em uma voz baixa, de coração para coração. Eles estarão reunidos ao redor do altar, anunciando a morte do Senhor e confiando as trevas de sua própria sorte – uma escuridão de que ninguém será poupado mesmo no super-Estado de Bem-Estar do futuro – às trevas da morte de seu Senhor. Eles saberão que são como irmãos e irmãs um do outro, porque haverá poucos deles que não têm por sua própria decisão deliberada fixada em seu próprio coração e vida em Jesus, o Cristo, pois não haverá vantagem terrena em ser um cristão. Eles certamente preservarão fiel e incondicionalmente a estrutura de sua sagrada e não mundana comunidade de fé, esperança e amor, a Igreja, como é chamada, como Cristo a fundou. Eles certamente farão uso livre de tudo que o futuro lhes oferecer em termos de organização, comunicação de massa, tecnologia, etc.

A Igreja tem sido conduzida pelo Senhor da história para uma nova época. Ela dependerá em tudo da fé e do santo poder do coração, pois ela não será mais capaz de extrair alguma força, ou muito pouca, do que é puramente institucional, e que não mais sustentará o coração dos homens, mas a base de tudo que é institucional será o próprio coração dos homens. E assim, eles perceberão que são irmãos e irmãs, porque no edifício da Igreja cada um deles, quer ocupando o ofício, ou sem ofício, dependerá sempre do outro, e aqueles no ofício reverentemente receberão toda obediência dos outros como um maravilhoso dom livre e amoroso. Não será apenas o caso, mas também será claro e evidente ver que toda dignidade e todo ofício na Igreja é serviço não convencional, não levando consigo honra aos olhos do mundo, não tendo importância na sociedade secular. Mais aliviado de tal responsabilidade, talvez (quem sabe?) não mais constituirá uma profissão no sentido social e secular. A Igreja será um pequeno rebanho de irmãos da mesma fé, da mesma esperança e do mesmo amor. Ela não se orgulhará disso, e não pensará de si mesma como superior às épocas mais antigas da Igreja, mas obediente e agradecidamente aceitará sua própria época como a que é designada para ela por seu Senhor e por seu Espírito, e não meramente que é forçada a ela pelo mundo perverso.

(RAHNER, Karl. O Cristão do Futuro. São Paulo: Cristã Novo Século, 2004. pp. 78-81)

sábado, 23 de janeiro de 2010

Quem eram os nicolaítas?

Apocalipse 2:

6 Tens, porém, isto, que aborreces as obras dos nicolaítas, as quais eu também aborreço.
15 Assim tens também alguns que de igual modo seguem a doutrina dos nicolaítas.

Os dados do Ap 2.6.14.16.20 não permitem identificar a seita nem de fixar-lhe, mesmo aproximativamente, as origens. Provavelmente trata-se de um movimento de cunho doutrinal e ético. Se se deve reconhecê-los nos “falsos apóstolos” (Ap 2.2), corresponderiam àqueles pregadores itinerantes, que se faziam passar por profetas e apóstolos sem sê-lo (cf. 1 Ts 5,20-21; 1 Jo 4,1), que deixaram vestígios também nos inícios do séc. II (In., Eph. 9,1; Did. 11.8-10). Remonta-se à sua doutrina através do exame da conduta. Os nicolaítas não tinham escrúpulos em participar dos banquetes sacros dos pagãos (Ap 2,14-15), que muitas vezes eram acompanhados de práticas imorais. Arquétipos de tal conduta são Balaão (Nm 31,16s), que, segundo a exegese rabínica, teria aconselhado o rei Balac de Moab a oferecer aos israelitas mulheres moabitas para fazê-los prevaricar o monoteísmo e convertê-los à idolatria, fazendo-os comer carne de animais imundos, e Jezabel, nome certamente simbólico, correspondente a uma pessoa real, que se liga à fenícia rainha homônima de Israel, que induziu o marido Acab, seguido por boa parte do povo, aos cultos idolátricos (1 Reis 16,31; 2 Reis 9,22). Esta mulher, fazendo-se passar por profetiza, reunia em volta de si um grande grupo de fiéis, os quais desencaminhava com profecias e seduções (Ap 2,20-23). As indicações do Apocalipse induziriam a crer que nos encontramos diante de uma espécie de pré-gnósticos, que em nome de uma sabedoria superior (Ap 2,24) professavam e praticavam um certo laxismo teórico e prático, levando às últimas consequências os ensinamentos de Paulo sobre a liberdade dos cristãos (1 Cor 8; Rom 14). As consequências seriam a participação nos banquetes sacros dos pagãos, já que o ídolo não é nada, e uma certa complacência em relação ao culto imperial, pois no ato cultual não se adorava a pessoa do imperador, mas seu gênio protetor. A linguagem simbólica do Apocalipse (idolotitos – fornicação) parece encerrar esta doutrina. À exceção do nome, não existem provas para se considerar como fundador do movimento o prosélito de Antioquia, o diácono Nicolau (At 6,5). A tradição patrística está dividida: Ireneu (Adv. Haer. I, 26,3; III, 11,1), Hipólito (Refut. VII, 36) e Epifânio (Pan. 25) repetem e ampliam os dados do Apocalipse. Sua credibilidade é bem pouca no que concerne ao 20; III, 4), seguido por Eusébio (HE III, 29) e por Teodoreto (Haer. fab. III, 1), rejeita a identificação com o diácono de Atos 6,5 e explica que homens perversos mudaram seu dito “é preciso negligenciar a carne” de seu significado autêntico para dele fazer um princípio de libertinagem. Na Idade Média, sob o nome de nicolaítas foram compreendidos todos quantos se opunham ao celibato eclesiástico.

(“Dicionário Patrístico e de Antiguidades Cristãs”, Ed. Vozes e Ed. Paulinas, 2002, pp.998-9)

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Os numerólogos "evangélicos"


A Igreja evangélica brasileira tem visto, na ultima década em especial, a proliferação de uma abordagem numerológica da Bíblia, como se alguns “pastores” fossem verdadeiros lançadores de sortes com base em interpretações esdrúxulas de alguns versículos cuidadosamente pinçados. Chama a atenção, por exemplo, que no triste episódio da “unção financeira de 900 reais”, o Morris Cerullo tenha falado ao Silas Malafaia que “9” é o número de “estar completo”, e este tenha concordado como se fosse um tremendo segredo numerológico conhecido apenas pelos iniciados. Este fato aparentemente isolado ilustra bem o que tem acontecido no meio evangélico: a invasão do gnosticismo em suas versões mais antigas. A palavra grega gnosis (gnose, daí gnosticismo) significa exatamente isto: “conhecer”, e neste sistema, o conhecimento se limita a um círculo restrito de iluminados que, por detê-lo e não difundi-lo (senão em doses homeopáticas de mistério), impõem aos seus seguidores uma relação de autoridade. O gestual de Malafaia assentindo com a cabeça - e com ar de superioridade - a uma bobagem dita por Cerullo mostra a que ponto chegamos, já que se trata de um líder evangélico reconhecido como tal por parcela expressiva da população brasileira, que – culturalmente – não está habituada a questionar o “ensinos”, as “unções” e as ordens que lhe são enfiados goela abaixo. Trata-se, portanto, de uma relação de poder e dominação, logo, ideológica (ainda que travestida de “teologia”).

O primeiro grande problema que a Igreja primitiva enfrentou foi justamente o gnosticismo. Nesta época, o Império Romano era, de certa forma, sucessor do Império Helênico de Alexandre, o Grande, e todos os distintos povos conquistados estavam misturados, numa efervescência cultural e religiosa poucas vezes registradas na história da humanidade, se é que algum dia houve algo parecido. O cristianismo se espalhava pelas rotas romanas a todos os cantos do Império, e havia algo de novo na proposta cristã, ainda que os pagãos não conseguissem entender bem a altura, a extensão e a profundidade do evangelho. Talvez por isso mesmo misturassem a mensagem cristã com uma série de influências das religiões de mistério da época, formando muitos sistemas de crenças que ficaram conhecidos como “gnósticos”, mas que basicamente tinham em comum complexos cálculos numerológicos dominados apenas por um grupo restrito de iniciados. Para conhecer - em detalhe - vários desses sistemas gnósticos, recomenda-se a leitura do livro "Contra as Heresias", de Irineu de Lião. Já o historiador cristão Justo L. González tenta explicar o aparentemente inexplicável da seguinte maneira:

Apesar de haver elementos especulativos muito importantes no gnosticismo, o fato desse ensino ser usualmente apresentado como um conjunto de sistemas de especulações numerológicas tornou impossível entender como tal doutrina pode ter sido um rival tão forte da igreja. O fato do gnosticismo ter se tornado uma alternativa atraente em relação ao Cristianismo ortodoxo deve-se, sobretudo, a seu interesse soteriológico. A fim de entender este apelo, deve-se interpretar o gnosticismo, acima de tudo, como um modo de salvação. O cosmopolitanismo que acompanhou as conquistas de Alexandre tinha sua contraparte no individualismo das pessoas. Acreditava-se que as antigas religiões nacionais não eram mais capazes de satisfazer às necessidades do indivíduo. Por esta razão, os séculos nos quais o Cristianismo começou a conquistar seu espaço no mundo foram caracterizados por uma procura pela salvação individual; consequentemente, nesse tempo, houve um crescimento daquelas religiões que proclamavam oferecê-la – e além do Cristianismo, assim faziam as religiões de mistério e o gnosticismo.
..........
De qualquer forma, a doutrina da salvação deve estar baseada em uma compreensão de nosso lugar no universo, e esta é a função das complicadas construções especulativas dentro dos vários sistemas gnósticos. Se o espírito está aprisionado na matéria, deve haver uma razão para esta condição; e esta razão os gnósticos tentam oferecer por meio de suas especulações. Há duas características principais nestas especulações: seu dualismo derivado e sua numerologia. O dualismo do gnosticismo, que por muitos eruditos têm sido enfatizado como uma de suas principais características, não é um dualismo primário ou inicial; ao contrário, resulta de um monismo inicial. As especulações gnósticas são traçadas a partir de um único princípio eterno, do qual outros princípios ou aeons são produzidos em um processo declinante, até – geralmente é dito, devido a um erro em um dos aeons anteriores – o mundo material ser produzido. Assim aparece o dualismo derivado entre a matéria e o espírito, ou entre o celestial e o terreno. Dentro do processo de produção dos vários níveis de aeons, a numerologia – outra característica muito comum na especulação helenística – representa um papel importante, pois os aeons geralmente são produzidos seguindo certos modelos numéricos. A cosmologia gnóstica nasce de tal combinação entre o dualismo derivado e a especulação numerológica, e é caracterizada por uma complexa série de aeons que ficam entre o absoluto e o mundo material. Estes seres são frequentemente vistos como esferas que o espírito deve atravessar em seu retorno à eternidade.

(GONZÁLEZ, Justo L., Uma História do Pensamento Cristão. São Paulo: Cultura Cristã, 2004. vol. 1, pp. 125-127 – veja o excerto completo no site e-cristianismo)

Justo González chama a atenção para outro aspecto da efervescência religiosa dos dois primeiros séculos cristãos - o individualismo -, que não por acaso, é uma das características marcantes do atual estágio da igreja evangélica no Brasil, em pleno século XXI. A teologia da prosperidade pregada aos 4 ventos (sem qualquer simbologia no “4”), as unções financeiras de 900 reais, as “campanhas” que geralmente envolvem números e símbolos esotéricos, a necessidade mórbida de se estabelecer alvos financeiros expressos em cifras milionárias, enfim, tudo aponta para uma invasão gnóstica entre os evangélicos no Brasil. Ainda há tempo de reverter este quadro, mas infelizmente muita gente já se perdeu, e combater o “gnosticismo evangélico” certamente não vai trazer “popularidade” a quem levantar sua voz contra esta heresia revisitada, mas se Cristo não for exaltado nas nossas vidas, de que vai adiantar a fama, o dinheiro e os números? Nada!

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Armas americanas no Iraque têm versículos gravados em código


A ABCNews mostrou ontem uma reportagem sobre as armas utilizadas pelas tropas americanas no Iraque e no Afeganistão, que trazem na sua luneta de mira versículos bíblicos gravados em código, denunciando a possibilidade de se estar realizando uma nova cruzada e o perigo de se combater o radicalismo com radicalismo, já que as armas são utilizadas também pelas forças de segurança iraquianas e afegãs. Além do vídeo disponível no link acima (da ABCNews), reproduzo abaixo texto de autoria do escritor e cineasta americano Frank Schaeffer em seu blog, que gentilmente me autorizou a traduzi-lo e publicá-lo aqui:



FORNECEDORES MILITARES QUE ODEIAM A AMÉRICA

por Frank Schaeffer

Que tal pintar um alvo em nossos homens e mulheres! Que tal, assim, fazer o próximo vídeo da campanha de recrutamento do Taliban e da Al Qaeda!

Estou falando sobre a reportagem do site da ABC News - "U.S. Military Weapons Inscribed With Secret 'Jesus' Bible Codes" – “Armas Americanas com Códigos Bíblicos Secretos de ‘Jesus’ (19 de janeiro de 2009). Referências codificadas a passagens bíblicas do Novo Testamento sobre Jesus Cristo estão inscritas nas lunetas de mira de alta precisão dos rifles fornecidos aos militares dos Estados Unidos por uma empresa de Michigan, segundo uma investigação da ABC News apurou.

As miras são usadas por soldados americanos no Iraque e Afeganistão e no treinamento de soldados iraquianos e afegãos. A fabricante das miras, Trijicon, tem um contrato plurianual de US$ 660 milhões, para fornecer até 800.000 miras aos marines (fuzileiros navais) e contratos adicionais de fornecimento de miras ao exército americano.

As regras militares dos Estados Unidos proíbem especificamente o proselitismo de qualquer religião no Iraque ou no Afeganistão, e foram redigidas para evitar críticas de que o país havia embarcado numa “cruzada” religiosa na sua guerra contra Al Qaeda e os insurgentes iraquianos.

Uma das referências nas miras das armas parece ser uma referência a 2ª Coríntios 4:6 do Novo Testamento, que traz: “Porque Deus, que disse: Das trevas brilhará a luz, é quem brilhou em nossos corações, para iluminação do conhecimento da glória de Deus na face de Cristo”.

Outras referências incluem citações dos livros de Apocalipse, Mateus e João tratando Jesus como “a luz do mundo” (João 8:12), inscrito nas miras das armas como JN8:12, que diz, “Eu sou a luz do mundo; quem me segue de modo algum andará em trevas, mas terá a luz da vida”.

Trijicon confirmou à ABCNews.com que acrescenta os códigos bíblicos às miras vendidas aos militares americanos. Tom Munson, diretor de vendas e marketing da Trijicon, que está baseada em Wixom, Michigan, disse que as inscrições “sempre estiveram ali” e disse que não havia nada de errado ou ilegal em adicioná-las. Munson disse ainda que o tema estava sendo levantado por um grupo que “não é cristão”.

A visão da empresa é descrita no seu site: “Guiados por nossos valores, nós procuramos ter nossos produtos usados em qualquer lugar onde soluções de precisão na mira são requeridas para proteger a liberdade individual”.

Portavozes do exército e do corpo de fuzileiros navais dos Estados Unidos disseram que seus departamentos não tinham sido informados sobre as marcas bíblicas...

“Isto está errado, viola a Constituição, viola um número de leis federais”, disse Michael “Mikey” Weinstein, da Fundação para Liberdade Religiosa Militar, um grupo que busca preservar a separação da igreja e do Estado entre os militares. “Isto permite que os muhajedins, o Taliban, a Al Qaeda e os insurretos e jihadistas se queixem dizendo que eles estão sendo atingidos por rifles de Jesus”, ele disse.

Os fabricantes dessas miras e os oficiais militares que souberam disto, não são patriotas na sua negligência criminal. Eu cheguei até esta história como, 1) o pai de um marine e, 2) como um ex-fundamentalista religioso de direita que, antes que deixasse o movimento em meados dos anos 80, era parte de uma subcultura evangélica que se especializou neste tipo de cruzada religiosa (como eu descrevo em meu novo livro Patience With God - Faith For People who don't Like Religion (Or Atheism)Paciência com Deus – Fé para Pessoas Que Não Gostam de Religião (ou Ateísmo).

O que há de tão terrível com esta ruptura com nossa Constituição é que isto mostra como a subcultura evangélica está profundamente infiltrada entre nossos militares. Desde os capelães fundamentalistas até os generais zelosos e proselitistas, as Forças Armadas estão contaminados com a nossa própria versão do extremismo que estamos combatendo. Para “cristãos” fundamentalistas apaixonados pelo apocalipse, nós realmente estamos lutando uma cruzada bushista do tipo “Manda ver!”.

É tempo do governo se mexer e parar essa situação surreal de uma vez por todas. Oficiais que sabiam do ocorrido deviam ser levados à corte marcial. A empresa em questão deveria perder o seu contrato e nunca mais ser contratada para qualquer projeto militar.

E os idiotas evangélicos que, por um lado, enxergam as nossas Forças Armadas como um campo missionário para converter soldados, e, por outro lado, através deles projetar os esforços missionários internacionalmente, devem ser advertidos de uma vez por todas: “Tirem as mãos das nossas Forças Armadas!”.

Nós estamos combatendo pessoas que recrutam com base na sua crença de que estão lutando uma “guerra santa” e – como Mikey Weinstein muito bem notou – e isto os joga contra as próprias mãos. Os fabricantes dessas miras poderiam também ter pintado alvos nas costas de cada homem e mulher que estão servindo. Eles são traidores das nossas Forças Armadas e de nosso país.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Da Assembleia de Deus ao Islã

Como diria Zagalo, “aí então fomos surpreendidos novamente”... A gente nunca deve menosprezar a possibilidade de ser pego de surpresa por alguma notícia estranha vinda da igreja evangélica brasileira. Leio no blog Genizah que o pastor presidente da Assembleia de Deus no Estado da Paraíba, João de Deus Cabral, se converteu ao islamismo. A notícia – se verdadeira, há que ressalvar - não chamaria tanto a atenção se não se tratasse de um pastor que, além de ter comandado a Convenção Estadual da maior denominação evangélica no Brasil, foi secretário nacional da Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil por 15 anos. É normal que, todo santo dia, pessoas transitem (se “convertam”) de uma religião pra outra (ou à negação dela) no mundo inteiro, afinal o que não falta são religiosos (e ateus) nominais.

Segundo as informações colhidas até o momento, o ex-pastor teria se oposto à doutrina da Trindade, à celebração do Natal, além de acreditar na surrada teoria da conspiração de que Constantino teria sido o, por assim dizer, consolidador da religião cristã . No fundo, cá entre nós, essas são apenas desculpas para quem nunca foi cristão nem entendeu o que significa a cruz de Cristo. Entretanto, estava lá, falando em nome da maior denominação evangélica do Brasil. Por isto mesmo, não deixa de ser uma oportunidade para se avaliar a situação em que se encontra a igreja no país.

Muitos cristãos nominais não se preocupam em – pelo menos – tentar entender o que significa a doutrina da Trindade (e da correlata Encarnação) para o cristianismo. É claro que é uma doutrina inalcançável para a razão humana, mas sem essas duas doutrinas o cristianismo não subsiste, porque não haveria salvação se Jesus – como sendo 100% Deus e 100% homem – não tivesse sido sacrificado em nosso lugar, discussão que procurei aprofundar no texto “A doutrina da Trindade – Uma Introdução”, ao qual remeto o leitor que busca compreender melhor a sua importância. Com relação à celebração do Natal, cujo antagonismo de alguns evangélicos – como Edir Macedo - tem se tornado uma verdadeira superstição antissuperstição, recomendo a leitura do artigo “Esclarecimento sobre as origens do Natal”, de autoria do Gustavo, coeditor deste blog. A questão natalina, a meu ver, é mera perfumaria argumentativa, dessas filigranas que servem de desculpa pra qualquer coisa, já que nenhum ramo do cristianismo impõe a seus seguidores a obrigação de celebrar o Natal. Provavelmente, algumas “igrejas” estão querendo evitar que seus fiéis gastem seu dinheiro em presentes de Natal e o destinem aos cofres da organização.

Retornando aos dogmas da Trindade e da Encarnação, eles, entretanto, são decisivos. A atitude de negá-los explica bastante sobre as heresias que saíram da Igreja primitiva, como o nestorianismo e o monofisismo dos séculos V e VI, com resultados parecidos como o que vemos hoje na Paraíba do século XXI, por incrível que pareça. Num brevíssimo resumo, o nestorianismo pregava que havia em Jesus duas naturezas absolutamente distintas, a divina e a humana, de forma que eram dois entes independentes, sem qualquer ligação. Já o monofisismo dizia que havia em Jesus apenas a natureza divina que, digamos, “absorvia” a humana. A doutrina da Trindade, para eles, gravitava em torno das suas doutrinas exóticas da Encarnação, e terminavam por condená-la à morte, conforme exposto no texto Trindade – Uma Introdução. Essas heresias tiveram enorme influência nas igrejas orientais, em especial na região da península arábica, na qual outra seita já havia florescido, ainda no século II: os ebionistas. O ebionismo, como ensina o historiador cristão Justo L. González (leia o excerto clicando aqui), foi fortemente influenciado pelo gnosticismo e pelos grupos judaizantes da época, e, em suma, negava a Jesus qualquer divindade, colocando-o no patamar de apenas mais um dos grandes profetas de Deus. González acrescenta: “Ele não era mais o filho unigênito de Deus, mas um mero profeta dentro da sequência de profetas. Ele não era mais o salvador, mas simplesmente um elemento – algumas vezes secundário – da ação de Deus ao longo desta era”. Desta maneira, todo este caldo de cultura com referências cristãs, mas que negava as doutrinas cristãs básicas da Trindade e Encarnação, muito provavelmente terminou influenciando Maomé na fundação do islamismo, para quem Jesus era de fato um dos grandes profetas, mas não o unigênito e todo-divino Filho de Deus. O historiador Paul Johnson, em sua obra clássica “História do Cristianismo” (Ed. Imago, 2001, p. 291 – leia o excerto clicando aqui) relata que na sua primeira grande vitória, no Rio Yarmuk, em 636, o profeta do Islã contou com o apoio de 12.000 árabes cristãos, que não tiveram problemas significativos com os muçulmanos por muitos séculos.

Não deveria ser surpresa, portanto, que cristãos nominais iludidos e mal formados se convertam ao islamismo. Mas infelizmente é, e este fato exige redobrada atenção das igrejas evangélicas brasileiras, hoje muito mais preocupadas com o “evangelho do desempenho”, em que a salvação pode ser perdida a qualquer momento, se determinadas obras não forem cumpridas, certos alvos financeiros não forem alcançados e "dons espirituais" coreografados não sejam exibidos à exaustão, num profundo desprezo por tudo que os grandes reformadores protestantes resgataram da poeira dos séculos amontoada nas Escrituras e nos repassaram. Por outro lado, vemos um constante solapamento dos dogmas fundamentais do cristianismo, como a Trindade e a Encarnação, aliado à proliferação de práticas judaizantes. Além disso, o gnosticismo (com suas revelações especiais particulares e numerologia, por exemplo), infesta muitas igrejas. Registre-se, ainda, essa verdadeira fixação de muitos evangélicos pela novidade, venha ela de onde vier. Queiram ou não, o islamismo é uma religião com representatividade minúscula no espectro populacional brasileiro, e não deixa de ser “novidade” que ocorra uma conversão como essa aqui destacada.

Cabe a cada denominação e a cada pastor cuidarem bem de seu rebanho. Isto não se faz com a “espetacularização” do evangelho para satisfazer alguns corações novidadeiros, insaciáveis e voláteis. Tudo passa pelo fortalecimento doutrinário dos irmãos e das confissões de fé de cada igreja cristã, que deve permanecer firme no ensino da Palavra e intransigente no testemunho de fidelidade da Igreja primitiva, sem negociar com a areia movediça das conversões não tão convictas assim. Espero que a Assembleia de Deus, por sua importância estatística no país, debata a fundo o assunto, para que ela própria continue relevante do ponto de vista espiritual e não siga o caminho das seitas orientais do primeiro milênio.

A PÂNICOdemia da gripe suína

Pra quem não se lembra, a Folha de S. Paulo dizia em 19/07/09 que a gripe A poderia afetar 67 milhões de brasileiros em 2 meses. Entretanto, dê uma lida na notícia do Estadão de hoje:


Investigada, OMS revê regras de pandemia


Parlamento apura se houve influência de empresas no caso da gripe suína; novos critérios podem sair até maio

Jamil Chade, correspondente em Genebra

Pressionada e investigada por causa da gripe suína, a Organização Mundial da Saúde (OMS) decidiu rever as regras para a declaração de futuras pandemias. O anúncio foi feito ontem pela diretora da entidade, Margaret Chan. Hoje, o Parlamento do Conselho da Europa inicia uma investigação para apurar suspeitas de influência indevida de farmacêuticas na OMS. Alguns cientistas da organização teriam constado na folha de pagamento de laboratórios.

A acusação veio após a imprensa dinamarquesa obter oficialmente informações de que membros do grupo criado para sugerir medidas à entidade eram cientistas financiados por empresas do setor. Há oito meses, a OMS decretou que o vírus H1N1 havia saído do controle e que o mundo vivia a primeira pandemia do século 21. Para isso, o critério foi a difusão do vírus em mais de dois continentes (mais informações nesta página).

Países passaram a gastar milhões para se preparar e a indústria farmacêutica focou atenção na nova doença. Menos de um ano depois, o número de mortes foi bem menor do que o esperado, enquanto milhões de vacinas ficaram encalhadas.

Parlamentares europeus centrarão esforços no papel do Grupo Estratégico de Especialistas em Imunização (Sage, na sigla em inglês). Isso porque o jornal escandinavo Information se utilizou de uma lei de liberdade de informação para obter dados sobre as doações recebidas por institutos médicos. Os dados mostram que um membro da Sage, o finlandês Juhani Eskola, recebeu em seu instituto mais de US$ 9 milhões em financiamento da GlaxoSmithKline, uma das empresas que fabricam a vacina contra a gripe. Eskola nega conflito de interesse.

Outro cientista é o holandês Albert Osterhaus, que também faz parte do comitê de aconselhamento. Os deputados holandeses começaram a investigar sua relação com a indústria e o fato de ter recebido bolsas, financiamento e contribuições da GSK, Sanofi, Novartis e outras empresas. No Reino Unido, o cientista responsável por elaborar sugestões ao Ministério da Saúde, Roy Anderson, também passou a ser avaliado por ser um ex-diretor da GSK. "A campanha da gripe suína parece ter causado um dano considerável aos orçamentos públicos, assim como para a credibilidade de agências mundiais de saúde", diz a resolução aprovada pelo Conselho da Europa que dá início à investigação.

A GSK anunciou que vendeu US$ 1,3 bilhão em vacinas apenas no ultimo trimestre de 2009, cerca de 130 milhões de doses. No geral, o setor farmacêutico estimou que poderia vender cerca de US$ 7 bilhões com o novo vírus. Chan disse não "haver nenhuma inclinação a tomar decisões a favor de uma indústria". Ela sugeriu aos países da OMS que comecem revisar as regras de pandemias. "Vamos avaliar se o que fizemos foi bom ou ruim. Baseado nisso, tomaremos novas decisões." Ela acredita que o processo estará concluído até maio.

Os governos do Reino Unido e o do Japão, além da União Europeia, foram os primeiros a alertar que a revisão deveria modificar a forma pela qual a OMS declarará uma pandemia. Os britânicos querem que um dos critérios seja a intensidade do novo vírus. Já o Japão quer que a taxa de hospitalização da doença seja incorporada. O governo do Vietnã enviou uma carta à OMS questionando a entidade sobre as alegações de que teria exagerado nos alertas sobre a gripe. O país gastou US$ 50 milhões em remédios.

Paulo Buss, representante do Brasil no Conselho Executivo da OMS, que ocorre nesta semana em Genebra, acredita que a entidade tomou a decisão acertada em alertar para o vírus. "Ninguém sabia o que viria. Agora é fácil criticar", disse.

Para Chan, foi o trabalho da OMS que evitou que a doença se espalhasse mais. O H1N1 começa a perder força, mas a entidade afirma que é cedo para dizer que a pandemia terminou.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Renascer abandona vítimas 1 ano após tragédia

Notícia do Estadão de hoje:

Um ano após tragédia, famílias reclamam da Renascer

AE - Agencia Estado


SÃO PAULO - Parentes de mortos no desabamento do teto do templo da Igreja Renascer em Cristo, no Cambuci, zona sul de São Paulo, reclamam da falta de assistência da igreja depois que seus parentes foram enterrados. O telhado ruiu há um ano, matou nove pessoas e feriu mais de uma centena. Os familiares dizem que a Renascer pagou os sepultamentos e não os procurou mais. Pelo menos três das oito casas interditadas no acidente continuam com suas edículas destruídas.

"Estamos largados", diz a funcionária pública Vera Lúcia da Silva, de 50 anos, filha de Maria de Lourdes da Silva, de 67 anos, morta no acidente. "Estamos tristes porque eles (Renascer) falam de amor, mas não acolhem as famílias das vítimas", afirma Vera, que não entrou com ação na Justiça.

A reportagem procurou os parentes dos mortos, mas apenas dois relataram como foram os 12 meses que se seguiram ao desabamento. Outros seis não foram localizados. Um dos parentes não quis se manifestar por medo de retaliações por parte da Renascer.

A rotina do gerente Antonio Paro Júnior, de 33 anos, mudou depois que sua mãe, Dalva Ferreira, de 71 anos, morreu no desabamento. Era ela quem cuidava da neta, de 5 anos, durante a semana. "Minha mulher teve de deixar o emprego para cuidar de nossa filha", diz Júnior, que ainda decide se vai entrar com ação indenizatória na Justiça.

A Renascer quer reconstruir a sede no mesmo lugar. Mas as obras estão paradas porque a Justiça aceitou o pedido do Ministério Público para cassar o alvará concedido à igreja, alegando que é ilegal. O inquérito criminal que apontará os culpados pelo acidente não foi concluído. A investigação corre em Brasília e, se houver julgamento, este será feito pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Edículas

As edículas de três das oito casas da Rua Robertson, vizinhas ao templo e que foram danificadas pelo desabamento, continuam iguais: destruídas e com entulho por todos os lados. "Está tudo parado. Não tivemos opção", diz o professor Felipe Ayub, de 33 anos, na casa de seu pai, Marassoré Morégola, de 68 anos. Ayub explica que seu pai ainda não reformou o imóvel porque depende de autorização judicial. "Entramos com um processo na Justiça."

A casa de outro morador, que preferiu o anonimato, depende da mesma autorização. "A Renascer ofereceu uma empresa inadequada, sem registro no Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (Crea), para fazer a reforma. Nós não aprovamos." Dos quatro imóveis da via interditados, só um foi reformado. O dono da casa, que também não quis se identificar, diz que a Renascer pagou a obra.

Defesa

A Igreja Renascer afirmou em nota que o desabamento do teto de sua sede foi um de seus mais duros golpes. Segundo o texto, o que torna o tema menos doloroso "é a certeza no triunfo da Justiça, e as próprias investigações oficiais que demonstraram a isenção de culpa da igreja no ocorrido".

O laudo do Instituto de Criminalística, que investigou as causas do desabamento, apontou que o acidente foi provocado por falhas na manutenção da estrutura do imóvel. Das 14 tesouras que sustentavam o telhado, só uma, que ficava em cima do altar, não recebeu reforço metálico numa reforma realizada entre 1999 e 2000.

Em relação às reformas das casas vizinhas ao templo da igreja, a Renascer afirma que os reparos já foram feitos nos imóveis onde houve consentimento. A igreja não quis se pronunciar sobre temas ligados ao acidente porque estes estão em juízo. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

sábado, 16 de janeiro de 2010

A drag queen cover de Aline Barros

Antes de mais nada, devo alertar que o vídeo abaixo pode ofender alguém pelo conteúdo esdrúxulo: uma drag queen em trajes sumários fazendo uma versão cover da música "Apaixonado" de Aline Barros. Pode ofender também pelo mau gosto abissal da produção. Afinal, ver a drag refrescando a bacurinha o tempo todo é de amargar (também não entendi direito porque ele(a) estava catando lixo reciclável na praça). Se é este o seu caso, não prossiga. Entretanto, me pareceu necessário postar o vídeo aqui para mais irmãos vejam o que está acontecendo e seja feita (mais) uma reflexão profunda sobre o momento da música (chamada) gospel e da igreja evangélica no Brasil, país em que milhões de pessoas têm sua atenção polarizada pela presença de outra drag queen em mais uma edição fútil e inútil do BBB - Big Brother Brasil, que o jornalista Zé Simão, da Folha de S. Paulo, está chamando de Big Biba Brasil. Parece estar tudo tão misturado com tudo, que ninguém distingue mais o que é espiritual ou profano, o que é certo ou errado, o que é proveitoso ou descartável. Primeiro, é claro que qualquer pessoa pode cantar o que e quando quiser. Tenho dúvidas, entretanto, se pode tornar pública uma versão como essa, o que certamente provocará disputas em relação a direitos autorais. Por isso, não vislumbro vida longa a este vídeo no youtube. Em segundo lugar, é importante analisar se este modismo de crentes "apaixonados" por Jesus não favorece a que ninguém leve mais nada a sério. Num tempo de "crentes apaixonados", "adoradores extravagantes", sem qualquer base bíblica, não deixa de ser sintomático que aflorem alguns tipos de paixões e extravagâncias que não estavam exatamente no script de uma conduta cristã neste mundo, que deve ser pautada pelo AMOR a Deus e ao próximo. Por isso, ainda que seja desejável que alguém - em qualquer condição - se inspire e se converta ao ouvir uma bela canção de adoração, fica difícil esperar que isto aconteça quando se compõe músicas para esta "geração de apaixonados". Só pela graça e misericórdia de Deus mesmo!




Fonte: notícia do Gospel+

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Lucia Hippolito e o telefone piscante

Tudo bem que no rádio não dá pra ver o que você está fazendo - nem que água está bebendo - enquanto fala ao telefone, mas é melhor não despertar a curiosidade pública nem pagar este king kong do telefone piscante:


quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Imagens do momento do terremoto no Haiti

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Pat Robertson diz que Haiti foi amaldiçoado

Peço desculpas antecipadas por comentar uma declaração tão inoportuna e estúpida, mas o site norteamericano The Huffington Post informa que o televangelista Pat Robertson disse hoje que o Haiti foi amaldiçoado por ter feito um pacto com o diabo para conseguir a independência da França. Robertson é o fundador da rede evangélica de TV CBN (Christian Broadcasting Network) e apresentador do programa Clube 700 nos EUA (que também tem sua versão brasileira exibida pela Rede Gospel e outras emissoras isoladas). Foi pré-candidato republicano à Presidência dos EUA em 1988. É tristemente famoso também por suas declarações polêmicas como a sugestão (em 2005) de que Hugo Chávez fosse assassinado e que o AVC (acidente vascular cerebral) do premiê israelense Ariel Sharon em 2006 foi um castigo de Deus. Curiosamente, também esteve envolvido numa controvérsia sobre corridas de cavalo em 2002.

Pois é este expoente do conservadorismo evangélico norte-americano que vem a público num momento trágico como este, quando os milhares de corpos empilhados nas ruas de Porto Príncipe sequer esfriaram, dizer uma asneira como essa. Revela, primeiro, não ter uma palavra de conforto apropriada para o momento, algo que se esperaria de alguém que se diz líder cristão. Segundo, prefere o discurso tosco ao invés de simplesmente agir. Se a idade não lhe permite mais viajar a uma zona de desastre natural, que pelo menos animasse seus seguidores a fazê-lo ou investisse seus recursos em ajuda humanitária. Terceiro, até onde sabemos, Deus não passou uma procuração para Pat Robertson falar (e julgar) em Seu santo nome. Quarto, Robertson revela um profundo desconhecimento histórico a respeito da independência do Haiti, iniciada logo após a Revolução Francesa (1789), quando um escravo negro, Toussaint L'Ouverture, liderou a maior revolução de escravos de que se tem notícia nas Américas, que foi brutalmente reprimida pelas tropas de Napoleão em 1802 (na sua declaração, Robertson chega a confundi-lo com Napoleão III, que governaria a França a partir de 1848). Tudo isto não evitou a independência que viria a ocorrer em 1804, mas que consumiria tanto a população como os recursos do país, colocando-o numa instabilidade política e econômica que dura até os dias atuais. Entretanto, a independência do Haiti é motivo de orgulho para os países da América Latina, por ter sido o primeiro país da região a ter se tornado independente (o 2º das Américas depois dos EUA), e ter imposto uma vergonhosa derrota às tropas de Napoleão antes dos ingleses em Waterloo. A seguir o raciocínio bizarro do telepastor desinformado, teríamos que deduzir também que os ingleses fizeram algum tipo de pacto com o diabo para derrotar Napoleão.

Pelo jeito, a promiscuidade entre igreja, política e televisão, além de explosiva, provoca diarréia cerebral. O senhor Pat Robertson perdeu, portanto, (mais) uma excelente oportunidade de ficar calado. Para os que não crêem, entretanto, ele fala em nome dos evangélicos ao se apresentar como "pastor". Enquanto alguns tecem lindas palavras para tentar localizar - com GPS, mas em vão - o tal "centro da vontade de Deus", outros estão no epicentro da dor que clama por Ele. Não deixa de ser um melancólico contraponto a uma mulher - brasileira e católica - como Zilda Arns, que não estava longe nem se refugiou em discursos estúpidos e juízos irresponsáveis, mas estava lá em carne e osso para ajudar a minorar o sofrimento e a miséria do povo haitiano. Algumas mortes trágicas têm o condão de serem muito mais dignas e cristãs do que pretensas lideranças evangélicas, que parecem conhecer a Deus tanto quanto conhecem o Haiti.

Zilda Arns morre no terremoto do Haiti

Na noite passada tivemos um retrato trágico das contradições do país. 

Enquanto aqui milhões de brasileiros viam pela TV o início de mais uma edição inútil e fútil do Big Brother Brasil, no Haiti um terremoto devastava a capital Porto Príncipe, e entre os muitos mortos já registrados, estão alguns bravos militares brasileiros que ali serviam, e uma perda também muito sentida, D. Zilda Arns, irmã do cardeal D. Paulo Evaristo Arns, e fundadora da Pastoral da Criança da Igreja Católica brasileira, uma rede de assistência e serviço que - ao longo das últimas décadas - evitou milhares de mortes infantis no Brasil e em vários países, e por isso mesmo se tornou uma referência mundial. 

D. Zilda estava no Haiti para mais uma de suas inúmeras missões humanitárias, e segundo informa o UOL Notícias, caminhava pelas ruas da capital haitiana escoltada por dois soldados brasileiros, quando o terremoto a levou. 

Não leva, entretanto o legado do seu trabalho e o respeito que conquistou ao longo de muitas décadas de dedicação à infância do Brasil. Que Deus console os seus familiares.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Pregadores invejosos

Um dos recursos utilizados por aqueles que seguem os falsos profetas e as práticas exóticas que infestam a igreja evangélica no Brasil é citar versículos fora de contexto. Um deles está em Filipenses 1:18-20, que numa versão mais antiga, a Almeida Revista e Corrigida, assim está traduzido:

“Mas que importa? Contanto que Cristo seja anunciado de toda a maneira. ou com fingimento, ou em verdade, nisto me regozijo e me regozijarei ainda. Porque sei que disto me resultará salvação, pela vossa oração e pelo socorro do Espírito de Jesus Cristo”

Como dizem os retóricos, “um texto fora de contexto é pretexto”. Os versículos acima apresentam uma excelente oportunidade de demonstrar como esta máxima é verdadeira. O contexto em que Paulo está dizendo isso está nos versículos anteriores, de 12 a 17, que dizem o seguinte:

“E quero, irmãos, que saibais que as coisas que me aconteceram contribuíram para maior proveito do evangelho. De maneira que as minhas prisões em Cristo foram manifestas por toda a guarda pretoriana e por todos os demais lugares; e muitos dos irmãos no Senhor, tomando ânimo com as minhas prisões, ousam falar a palavra mais confiadamente, sem temor. Verdade é que também alguns pregam a Cristo por inveja e porfia, mas outros de boa mente; uns por amor, sabendo que fui posto para defesa do evangelho; mas outros, na verdade, anunciam a Cristo por contenção, não puramente, julgando acrescentar aflição às minhas prisões.”

Paulo estava preso em Roma, portanto. A guarda pretoriana o vigiava, mas muitos, certamente, se converteram pelo ministério do apóstolo. A sua prisão animou muitos irmãos em todos os lugares a também pregarem ousadamente o evangelho, mas alguns eram invejosos do prestígio, respeito e autoridade que Paulo exercia sobre a Igreja primitiva, e por isso pregavam o mesmo evangelho, mas por inveja.

 Muito antes de Nietzche escrever sua genealogia da moral, Paulo já sabia do poder letal da inveja sobre os corações e mentes humanos. Alguns irmãos pregavam o mesmo evangelho que Paulo, já que na igreja nascente, ainda não havia espaço nem tempo para doutrinas novidadeiras, nem para nada que não fosse a mensagem da cruz de Cristo.

Portanto, Paulo não está falando aqui de qualquer tipo de mensagem ou método para se pregar o evangelho, mas da motivação que levava alguém a pregá-lo por inveja do sucesso do ministério paulino. Aliás, não deixa de ser interessante contrastar aqui mais uma diferença entre o que significava sucesso nos tempos de Paulo e nos dias atuais. Hoje, o sucesso do crente é medido, por muitos, por dinheiro, posição, casa, carro, poder, aviões. Nos tempos neotestamentários, o apóstolo tinha sucesso na prisão, e isso causava uma inveja dolorosa em alguns irmãos.

Outro aspecto lança ainda mais luz sobre o contexto destes versículos. A mensagem do evangelho, mesmo pregada por invejosos, não traria “salvação” a quem o ouvia, mas a Paulo (“disto me resultará salvação” – v. 19). Ainda que a palavra grega (σωτηρία - sōtēria) possa significar “salvação”, a melhor tradução no caso seria “libertação”. Libertação de quê? Da prisão em que Paulo estava. Tanto que as versões portuguesas mais modernas de Filipenses 1:19 trazem a palavra “libertação”. Paulo começara o contexto desse trecho da carta dizendo que estava na prisão, e – em resumo – se alegrava muito que mais gente pregasse o evangelho, mesmo que por inveja, porque isso certamente resultaria na conversão de muito mais pessoas, o que, provavelmente, moveria os humores das autoridades em seu favor.

Sabemos, entretanto, que a libertação que Paulo obteve foi outra, muito melhor. Ele não viveu o suficiente para sair do cárcere de Roma, e – segundo a tradição - foi decapitado alguns anos depois. A sua morte foi a libertação do cárcere desta vida num mundo tão sujeito a invejosos de todo tipo. É uma pena que tanta gente esteja enganada hoje em dia, seguindo a pregadores invejosos não do sucesso e do martírio de Paulo, mas de coisas e valores materiais tão supérfluos e passageiros, que os escravizam e destinam a uma prisão muito pior.

domingo, 10 de janeiro de 2010

O cidadão Paulo

O apóstolo Paulo é visto, por muitos, como o seguidor de Jesus que, utilizando um verbo moderno, “formatou” a teologia cristã, organizando as igrejas nascentes, abrindo-as aos gentios, repudiando os judaizantes e consolidando a doutrina da justificação pela fé no sangue redentor de Cristo. Sua conduta biblicamente registrada nos é apresentada rotineiramente de maneira quase que totalmente espiritualizada. Fica claro, por seus atos e suas cartas, que Paulo investia todos seus recursos físicos, financeiros e intelectuais na modelagem e conformação de uma igreja doutrinariamente unida em torno dos princípios fundamentais da fé. Por outro lado, isto não o impedia de dar ordens e conselhos práticos quanto à maneira do cristão se comportar no seu cotidiano na vida em família, na igreja e na sociedade.

Um outro aspecto da vida de Paulo, entretanto, é pouco abordado nas pregações e nos estudos mais aprofundados: o seu apego ao direito. Uma primeira cautela é necessária antes de se analisar o tema: o vocábulo “direito” da época do apóstolo não tem exatamente o mesmo significado que tem hoje em dia, de um direito codificado, com valores universais e garantias fundamentais que permeiam, com lamentáveis exceções, todos os povos do mundo. Ainda que o direito romano tenha sido a fonte básica das instituições jurídicas que hoje compartilhamos com quase todos os povos e tribos, como propriedade, casamento, família, herança, etc., naquela época ele se restringia a poucas pessoas, consideradas “cidadãos romanos” por nascimento (como Paulo afirma em Atos 22:28), ou por alguma concessão especial. Em segundo lugar, o fato de ser cidadão romano garantia - a quem possuía esta condição – o acesso aos serviços formais de justiça ainda precários na época. Aos demais nada era reservado, senão os humores – nem sempre pacíficos e justos – de quem estava em posição de autoridade. O exemplo maior disso foi o próprio Jesus, transformado que foi num verdadeiro joguete entre as esferas de poder de Pilatos, do Sinédrio e de Herodes. Como um cordeiro, foi enviado ao matadouro sem direito a nada.

O exemplo de Jesus não foi seguido por Paulo, que também terminou sendo enviado ao matadouro, mas, por mais espiritual que fosse, não titubeou em invocar sua condição de cidadão romano para fazer valer seus direitos ("civis romanus sum"). Diante do direito da época, Paulo era “alguém” enquanto Jesus não era ninguém. A primeira vez que Paulo se apresenta como “cidadão romano” acontece no cárcere de Filipos, no qual ele e Silas são injustamente presos depois de serem açoitados. Depois do terremoto que abre as grades e anima o carcereiro se converter, os magistrados decidem soltar Paulo e Silas, mas o apóstolo não aceita sair sem a presença dos oficiais, já que se declara cidadão romano (Atos 16:37), o que provoca justificado temor nos seus algozes, que haviam ousado torturar “alguém” que privava da cidadania romana. A segunda vez ocorre em Jerusalém, quando os soldados romanos se preparavam para açoitá-lo (Atos 22:25) e a terceira diante de Festo em Cesaréia, quando Paulo, conhecedor do ordenamento jurídico de seu tempo, apela para César (Atos 25:11), sendo que, depois, quando é interrogado por Agripa, este comenta com Festo que Paulo bem podia ter sido solto se não tivesse apelado para César, direito que lhe conferia a condição de cidadão romano (Atos 26:32).

O final da história todos nós sabemos. Paulo é levado preso para Roma e lá, enquanto tramita o seu processo, tem oportunidade de pregar o evangelho, confirmar os irmãos distantes através de cartas e consolidar a nascente igreja de Roma, terminando por ser decapitado, segundo a tradição, já que cidadãos romanos, com raríssimas exceções, não eram crucificados, castigo reservado aos “outros”. Nas suas cartas é nítida a sua preocupação em que os cristãos respeitassem a lei e obedecessem as autoridades (Romanos 13 talvez seja o melhor exemplo). Portanto, Paulo foi cidadão romano do nascimento à morte, e exerceu sua cidadania nos momentos mais difíceis de sua vida, sem abdicar do seu crescimento espiritual, trabalho este que resultou num gigantesco legado à cristandade. Isto não o impediu de dizer que sua “pátria” estava no céu (Filipenses 3:20). A palavra aí traduzida para o português como “pátria” é πολίτευμα - politeuma – e significa mais propriamente “comunidade à qual se pertence”, figurativamente uma “cidadania”. A forma verbal de politeuma, politeumai (πολιτεύομαι) é utilizada um pouco antes, em Filipenses 1:27, em que o apóstolo recomenda que, "acima de tudo, vivamos por modo digno do evangelho de Cristo" e não deixa de ser no mínimo curioso que Paulo transmita esta ideia através de uma frase que, em grego, significa primariamente "viver vida de cidadão".

Desta forma, Paulo conciliou, como poucos, sua cidadania fática com a espiritual, numa clara demonstração de que é possível ser cristão sem deixar de ser cidadão, vivendo na plenitude o paradoxo cristão de estar neste mundo, interagir nele mas a ele não pertencer. É claro também que todo cristão sabe que – pelo menos metaforicamente – seu destino é o mesmo de uma ovelha indo para o matadouro, morto para a terra e vivo para o céu, tendo sempre em vista que não pertence a este mundo que jaz no maligno. "Porque, na verdade, nós, os que estamos neste tabernáculo, gememos oprimidos, porque não queremos ser despidos, mas sim revestidos, para que o mortal seja absorvido pela vida" (2 Coríntios 5:4). O desafio do cristão é, portanto, seguir o exemplo de Paulo e discernir todas as circunstâncias e oportunidades de exercer a sua condição total de cidadão da terra e do céu.

sábado, 9 de janeiro de 2010

Espírito de porco

O vídeo grotesco abaixo dá uma ideia de a que ponto as superstições pagãs introduzidas em algumas seitas que se dizem "evangélicas" estão transformando-as em verdadeiras práticas tribais animistas. Ainda que seja comum, no Brasil, o sincretismo entre as várias tradições religiosas presentes no país, parece que a seita em questão conseguiu fazer um supermix de umbanda, espiritismo, catolicismo e evangelicalismo com um certo quê de sociedade secreta, do tipo maçonaria, rosa-cruz, etc., tudo com o fim (não confessado) de propor algo novo que funcione, pelo menos temporariamente e do ponto de vista do crescimento da seita e de todos os benefícios privados daí advindos. Não se pode deixar de lado, também, a crescente "espetacularização" das práticas religiosas evangélicas, em que cada novo templo ou seita precisa desesperadamente de introduzir novos códigos ocultos e rituais "impactantes" (daí o mau gosto e uso do verbo "impactar"), como se tivessem sido esquecidos por 20 séculos. Pra eles, a graça de Deus não basta mais, se é que algum dia eles a conheceram ou ouviram dela falar. Prepare seu estômago e confira:



OBS.: Crédito ao twitter do SilasMalafalha, que descobriu mais esta pérola atirada aos porcos.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Igrejas customizadas

Há quase dois anos, fui almoçar com um amigo que é pastor evangélico e com quem eu não conversava já havia algum tempo. 

Ele estava (e continua) empenhado em fundar uma igreja evangélica num bairro elegante de São Paulo, dirigida à classe média, como foco nos profissionais liberais e nos formadores de opinião. 

É... eu sei... parece estranho que uma igreja cristã, no século XXI, seja organizada com base em critérios que lembram mais pesquisas mercadológicas ou eleitorais, mas este é um pequeno retrato do caminho que a igreja evangélica percorre hoje no Brasil.

Duas características deste projeto me chamam a atenção, talvez porque sintetizam o momento atual do cristianismo no Brasil. 

A primeira é que a igreja que ele está formando está filiada a uma corrente tradicional protestante, mas que procura adaptar-se aos modismos evangélicos atuais, com a teologia da prosperidade incluída no pacote. 

Isto implica em abraçar alguns rituais místicos, outras doutrinas voláteis e algumas novenas (desculpe, "campanhas") que consolam o coração de muitos irmãos que, se não atendidos, iriam para outras igrejas que oferecem esse tipo de "serviço". 

A segunda é justamente o foco a que se destina esta igreja. Minha dúvida é: estamos transformando as igrejas evangélicas em guetos da classe média, uma espécie de Rotary Club da fé? 

Seriam as igrejas, hoje, autênticos clubes de negócios, em que o participante leva de brinde a participação num círculo social que tem uma fachada eclesiástica?

Essa situação me sugere que a igreja evangélica brasileira está diante de uma encruzilhada (à qual muitas igrejas já chegaram, literalmente), que decidirá o seu destino neste país. 

Esta necessidade de se adaptar as doutrinas às convicções (e, muitas vezes, superstições) dos seus membros, além de selecionar um público-alvo a ser atingido pela igreja, me levam a crer que chegamos ao conceito de "tailored church", típico jargão de administração (perdão, "management"), em que a empresa tem que se adaptar às necessidades do mercado, como um alfaiate ("tailor") tirando as medidas do seu cliente. 

Também aproveitando outro neologismo oriundo do inglês "customer" ("freguês, cliente"), estamos assistindo a um fenômeno de "customização" das igrejas no Brasil. 

Não quero dizer que a igreja não possa recorrer – eventualmente - a essas "ferramentas" (outro jargão... sorry!), mas que a beleza e a simplicidade do evangelho têm-se perdido nessa parafernália de modismos e tendências de toda ordem, na expectativa de que os fins justifiquem os meios, no pior estilo do utilitarismo total.

No almoço em questão, comentamos sobre o crescimento da Igreja Universal (na época ela não tinha ainda a "concorrência" da Mundial). 

Meu amigo pastor se disse contente pelo crescimento - mais do que numérico - da qualidade dos membros da Universal, ou seja, pelo nível cultural e sócio-econômico dos discípulos de Edir. 

Respondi-lhe que isso não só não me surpreendia, como eu não via, de fato, nenhum crescimento qualitativo no quadro em questão. 

Parece-me que as igrejas evangélicas no Brasil, e a Universal em particular, chegaram a um ponto de saturação, em que não há mais nenhuma diferença entre quem é realmente evangélico, e quem não o seja. 

Lembro-me que, em 1984, eu comentava com alguns irmãos americanos, missionários que visitavam o Brasil, sobre a diferença que havia entre católicos e protestantes (sim, já fomos "protestantes" nesta terra) aqui e lá. 

Enquanto, no Brasil, os católicos eram apenas nominais e os protestantes eram determinados em sua vocação e testemunho, nos EUA acontecia exatamente o contrário. 

Bem, até hoje a fama das garotas de colégios católicos americanos dá apoio a esta impressão, pelo menos nos teen movies hollywoodianos.

Esta comparação ficou arquivada na minha memória por décadas, e na conversa com meu amigo pastor, eu a recuperei. 

Eu sempre achei que ela era mais resultado de um estereótipo disseminado na sociedade americana, do que propriamente verdade. 

Do lado brasileiro, nós éramos poucos, mas defendíamos nossas convicções, que embasavam nosso comportamento. 

Hoje, entretanto, me surpreendo ao ver que este fenômeno tende a se repetir no Brasil, fazendo com que os católicos se dediquem mais à sua igreja e às coisas espirituais (e passem a dar um melhor testemunho público), enquanto os protestantes se preocupam com o imediatismo, a prosperidade material pessoal, sem se preocupar com a boa nova transformadora que dizem portar. 

Pior: muitos ainda creem que a reputação - que soubemos cultivar no passado – seja uma boa desculpa para suas más condutas. 

Daí o fato de alguns criminosos serem recolhidos à cadeia com a Bíblia embaixo do braço, dizendo orgulhosa e pateticamente: "sou evangélico!". Afinal, ser evangélico é fashion. 

Obviamente, esta é apenas uma primeira impressão, sem qualquer constatação científica. Também não se trata de uma tentativa de definir com exatidão comportamentos católicos e protestantes, mas de procurar rastros no passado para entender o cenário religioso atual. 

Talvez estejamos próximos de nos transformarmos numa massa amorfa de religiosos que não sabem de onde vêm, quem são, nem para onde vão. 

Talvez o rescaldo deste incêndio se constitua de cristãos de diferentes denominações que, pressentindo o perigo, se unam em torno dos valores realmente essenciais do evangelho, defendendo-os e praticando-os. Quem viver, verá!

P.S.: eu já havia escrito o texto "Tailored Churches" em fevereiro de 2008, e o texto "Igreja ao gosto do freguês" do blog Picaretólogos me inspirou a retomá-lo.

LinkWithin

Related Posts with Thumbnails