segunda-feira, 30 de maio de 2011

Como a religião criou a civilização

A próxima edição de junho da revista National Geographic, na sua edição norteamericana, trará uma matéria sobre Göbekli Tepe, o local na Turquia onde foi encontrado o primeiro templo de que se tem notícia no mundo. Provavelmente, a sua versão brasileira trará em breve o mesmo material. Segundo a Wikipedia:
Göbekli Tepe (Monte com Barriga ou Monte com Umbigo em turco) é o topo de uma colina onde foi encontrado um santuário, no ponto mais alto de um encadeamento montanhoso que forma a porção mais a sudeste dos montes Tauro, a aproximadamente 15km a nordeste de Şanlıurfa (Urfa) no sudeste da Turquia. O tel tem 15 metros de altura por 300 de diâmetro. O sítio arqueológico, que está sendo escavado por arqueólogos alemães e turcos, foi construído por caçadores-coletores no décimo milénio a.C., antes do advento do sedentarismo. Junto com o sítio de Nevalı Çori, revolucionou o conhecimento do neolítico e as teorias sobre o início da civilização. As descobertas também têm um importante impacto sobre a história das religiões. Tem se especulado na mídia popular estrangeira e em blogs conexões com o Jardim do Éden bíblico. Devido à forma das casas, está tentar interpretar-se se eram casas ou templos porque os 2 pilares centrais de todas as estruturas encontradas, estão virados para Oeste, que, nestas culturas do crescente fértil, representa o renascer.

A matéria da National Geographic, intitulada The Birth of Religion ("O Berço da Civilização"), destaca que Göbekli Tepe foi construída muito antes do que se imaginava. O sítio lembra vagamente o antigo templo britânico de Stonehenge, embora tenha sido construído muito tempo antes e seja muito mais elaborado do ponto de vista artístico, já que não se tratava apenas de blocos de pedras geometricamente colocados, mas de pilares de granito decorados com baixos relevos de gazelas, cobras, raposas, escorpiões e javalis ferozes. A investigação científica indica que Göbekli Tepe tem cerca de 11.600 anos de idade, 7 milênios antes, por exemplo, da Grande Pirâmide de Quéops. É o primeiro caso registrado de arquitetura monumental na história da humanidade, e quando o templo foi construído, até onde se sabe não havia nada no mundo que pudesse ser minimamente comparado, já que a população então existente era quase que completamente constituída por tribos nômades. Ao que parece, grandes descobertas ainda estão reservadas para se compreender o real significado de Göbekli Tepe.

Comentando o artigo em questão na sua coluna no The Huffington Post, o rabino Brad Hirschfield provoca: "Did Religion Create Civilization?" ("A Religião Criou a Civilização?"):
Por anos, historiadores, arqueólogos, antropólogos, e provavelmente todos os outros "ólogos" têm concordado que a agricultura criou a civilização, incluindo a religiâo, como nós a conhecemos nos últimos 12.000 a 15.000 anos. Era assumido que, ao se fixarem e estabelecerem para viver da agricultura, as pessoas construíram cidades, criaram a arte e inventaram religiões organizadas que se adequassem às suas novas necessidades, que eles tinham que encarar na transição de coletores e caçadores para fazendeiros. Ou não.

O site da National Geographic disponibiliza também um vídeo que mostra uma maquete em argila que especula como teria sido o templo de Göbekli Tepe no seu esplendor.




Atualização de 19/06/11:

A matéria da National Geographic já foi traduzida e publicada em sua versão brasileira, e pode ser acessada clicando-se aqui. Destacamos um pequeno trecho da matéria:

Antropólogos supõem que a religião organizada começou como um recurso para mitigar as tensões que surgiram quando os caçadorescoletores se fixaram, adotaram a agricultura e desenvolveram sociedades populosas. Comparada a um grupo nômade, a sociedade de um vilarejo tem objetivos complexos e de mais longo prazo: armazenar grãos, manter habitações. É maior a probabilidade de que os moradores alcancem esses objetivos se os membros se comprometerem com o empreendimento coletivo. Embora práticas religiosas primitivas - sepultar os mortos, criar arte em cavernas, esculpir estatuetas - houvessem surgido dezenas de milhares de anos antes, a religião organizada, segundo essa concepção, só veio a emergir quando foi necessária uma visão comum da ordem celestial para dar coesão a novos, numerosos e frágeis grupos humanos. Ela também poderia ter ajudado a justificar a hierarquia social que se formava em uma sociedade mais complexa. Os que ascendiam ao poder eram vistos como dotados de uma ligação especial com os deuses. Comunidades de fiéis, unidas em uma visão sobre o mundo e seu lugar nele, eram mais sólidas que os meros ajuntamentos de gente briguenta.

Göbekli Tepe, na opinião de Schmidt, sugere um cenário inverso: a construção de um templo por um grupo de extrativistas é indício de que a religião organizada pode ter surgido antes da agricultura e dos outros aspectos da civilização. Sugere que o impulso de se reunir para rituais sagrados nasceu quando os seres humanos deixaram de se ver como parte do mundo natural e passaram a buscar o domínio sobre a natureza. Quando os extrativistas começaram a se fixar em povoações, criaram uma divisão entre a esfera humana - o aglomerado fixo de casas com centenas de habitantes - e a perigosa terra além da fogueira, povoada por animais mortíferos.

O arqueólogo francês Jacques Cauvin supôs que essa mudança de mentalidade foi uma "revolução de símbolos", um desvio conceitual que permitiu aos seres humanos imaginar deuses - seres sobrenaturais à semelhança do homem - em um universo fora do mundo físico. Schmidt vê Göbekli Tepe como uma evidência em favor da teoria de Cauvin. "Os animais eram guardiões do mundo dos espíritos", diz. "Os relevos esculpidos nos pilares em T ilustram esse outro mundo."

Schmidt imagina que os extrativistas que viviam em um raio de 160 quilômetros de Göbekli Tepe tenham criado o templo como um local sagrado para se reunir em eventos, e talvez trazer presentes e tributos a seus sacerdotes e artesãos. Teria sido preciso algum tipo de organização social não só para construir mas também para lidar com as multidões que o lugar atraía. Podemos imaginar cantos e tambores, os animais nos grandes pilares dando a impressão de se moverem à luz bruxuleante das tochas. Decerto havia festas; Schmidt descobriu bacias de pedra que talvez tenham sido usadas para cerveja. O templo era um locus espiritual, mas também pode ter sido a versão neolítica da Disneylândia.

Com o passar do tempo, acredita Schmidt, a necessidade de obter alimento suficiente aos que trabalhavam e se reuniam nas cerimônias em Göbekli Tepe pode ter levado ao cultivo intensivo de cereais silvestres e à criação de algumas das variedades domesticadas. De fato, hoje os cientistas supõem que um centro agrícola surgiu no sul da Turquia, a uma distância factível de Göbekli Teppe, bem na época em que o templo estava no auge. Os ancestrais silvestres mais próximos conhecidos da espécie de trigo Triticum monococcum são encontrados nas encostas de Karaca Dağ, uma montanha a 96 quilômetros no nordeste de Göbekli Tepe. Em outras palavras, a guinada para a agricultura apregoada por V. Gordon Childe pode ter sido resultado de uma necessidade arraigada na mente humana, uma fome que ainda impele pessoas a viajar pelo globo em busca de visões inspiradoras de reverência.

Algumas das primeiras evidências de domesticação de plantas provêm de Nevalı Çori, um povoado nas montanhas a mais de 30 quilômetros. Como Göbekli Tepe, Nevalı Çori surgiu logo depois da mini-idade do gelo, uma época que os arqueólogos designam pelo insosso termo Neolítico Pré-Cerâmica (NPC ). Nevalı Çori agora está inundado por um lago de uma usina hidrelétrica. Mas, antes que as águas impedissem as pesquisas, arqueólogos encontraram pilares em forma de T e imagens de animais parecidos com os que Schmidt mais tarde descobriria em Göbekli Tepe. Pilares e imagens semelhantes existiram em povoações do NPC distantes 160 quilômetros de Göbekli Tepe. Assim como hoje é possível supor que os lares com cenas da Virgem Maria pertencem a cristãos, diz Schmidt, as imagens nesses sítios do NPC indicam uma religião comum - uma comunidade de fé ao redor de Göbekli Teppe que pode ter sido o primeiro grupo religioso de fato grande no mundo.

LinkWithin

Related Posts with Thumbnails