terça-feira, 13 de setembro de 2011

Quando Ísis vence Cristo



Estou lendo o livro“Quando Nosso Mundo se Tornou Cristão”, de Paul Veyne (Ed. Civilização Brasileira, 2010), bem lentamente para absorver todas as informações que o grande historiador francês desfila para desmontar todas as teorias da conspiração sobre as origens da Igreja cristã, das quais a mais popular é a de que o nascimento do cristianismo teria se dado por um ato de força do imperador Constantino, assim como um decreto exarado na calada da noite, e imediatamente obedecido por todos os súditos na manhã seguinte. Quando terminar de lê-lo, farei uma pequena resenha aqui. Queria antes destacar, entretanto, um texto que eu li ontem e que me pareceu bastante apropriado para transcrever aqui, em razão dos últimos acontecimentos na igreja chamada “evangélica” no Brasil. Está nas páginas 65-66 do livro:
Por fim, o cristianismo tinha uma particularidade que o tornava único no mundo: essa religião também era uma Igreja, uma crença exercendo autoridade sobre aqueles que dela compartilhavam, apoiada sobre uma hierarquia, um clero superior em natureza ao laicato num quadro geográfico. Lado a lado com o amor, com o ascetismo e com uma pureza desinteressada por este mundo cá de baixo, a psicologia dos cristãos incluirá também o gosto pela autoridade. O paganismo não conhecia nada de semelhante a essa poderosa máquina de conquista e de enquadramento; havia um pouco por toda a parte templos de Mercúrio ou talvez de Ísis, havia pessoas que, entre todas as divindades existentes, tinham por Ísis uma piedade particular, mas não existia a Igreja de Ísis, como não existia clero; a “religião” de Ísis não passava de um agregado de piedades individuais e de santuários diferentes uns dos outros. O regime estabelecido era o da livre empresa. Qualquer um podia abrir um templo ao deus que escolhesse, assim como quem abre uma loja.
A comparação que Paul Veyne faz do cristianismo com as religiões pagãs vem a calhar para o atual cenário brasileiro, já que hoje qualquer um, dizendo-se “inspirado” por Deus abre uma igreja como quem abre uma loja, e muitas vezes com interesses unicamente financeiros. Nada mais pagão. Os últimos dias foram particularmente tumultuados no meio evangélico brasileiro. Edir Macedo começou a disparar uma série de acusações contra outras igrejas (a Assembleia de Deus em especial) e cantores de música gospel (tendo Ana Paula Valadão como ovelha expiatória). Isto depois de se desentender com Silas Malafaia no fim do ano passado, numa polêmica que foi rapidamente abafada, sabe-se lá por quê. Os vídeos dessa “treta gospel” estão abaixo (perdoem-me, mas a palavra “treta” cai bem para esse povo). Num deles, aparecem imagens de um “culto” de Marco Feliciano, que depois da bronca pública de Macedo, assumiu as dores da Assembleia de Deus e tentou defendê-la timidamente, traindo-se, entretanto, ao chamar Edir de “grande homem de Deus”. Bom, até aí nenhuma novidade, afinal todos eles se dizem "porta-vozes" de Deus...







Parece que algo muito estranho está acontecendo no mundinho evangélico brasileiro, o que merece ser melhor investigado. Tudo indica que, mais que uma disputa de poder, se trata de uma disputa de espaço, e aí vale tudo, né! Os dados da pesquisa da FGV sobre as religiões no país mostraram uma queda rápida e sensível de membros da Universal. Edir parece ter acusado o golpe. Ana Paula Valadão entra na equação como representante da Igreja Batista da Lagoinha que tem um projeto de crescer ainda mais na região metropolitana de Belo Horizonte (MG), o que – muito provavelmente – vai esvaziar os templos (e os cofres) da igreja de Edir. Se não bastasse o “inchaço” de que padecem essas igrejas, boa parte do público que alimenta seus números flutua entre uma e outra denominação. Uma cresce às custas do rebanho da outra. Talvez Edir nem queira crescer agora, mas estancar a sangria (não a da cruz). Nada mais mercadológico, portanto. A exemplo do que acontece na economia e na natureza, quem tem competência se estabelece. Os pagãos já sabiam disso. Chegamos ao cúmulo do raciocínio da competição e da “seleção natural” entre os muitos templos que abrem e fecham suas portas ao sabor das marés. E, falando nisso, o navio da economia brasileira vai bem, obrigado. Com isso, boa parte da população, evangélica ou não, vai deixar de ver em determinadas “igrejas” um balcão de negócios ou uma oportunidade de ganhar dinheiro na base do pensamento mágico ou do clube de relacionamentos empresariais. Embora não haja dados estatísticos sobre o tema, não é difícil imaginar que este fenômeno já esteja acontecendo, a julgar pela reação destemperada dos expoentes gospel do mercado nacional. No que diz respeito a boa parte da igreja evangélica brasileira, a visão empresarial de Ísis venceu a cruz de Cristo. Para nossa vergonha...

O curioso é que, no último vídeo acima, Edir Macedo diz gostar de Paulo Cézar, do grupo Logos, incluindo-o entre os 1% de músicos evangélicos que, na sua “modesta” opinião, não estão “endemoniados”. Pelo menos quanto ao Paulo Cézar ele acertou. Ainda há uma réstia de bom gosto no Edir. O problema é que ele nunca deve ter ouvido esta obra-prima do grupo Logos, “O Evangelho”, que desmente tudo o que o Edir prega. Então ainda está em tempo, Edir, dedicamos a você, com carinho, esta canção de Paulo Cézar:





O EVANGELHO

Grupo Logos

Eu sinto verdadeiro espanto no meu coração
Em constatar que o evangelho já mudou.
Quem ontem era servo agora acha-se Senhor
E diz a Deus como Ele tem que ser ...
Mas o verdadeiro evangelho exalta a Deus
Ele é tão claro como a água que eu bebi
E não se negocia sua essência e poder
Se camuflado a excelência perderá!

Refrão
O evangelho é que desvenda os nossos olhos
E desamarra todo nó que já se fez
Porém, ninguém será liberto, sem que clame
Arrependido aos pés de Cristo, o Rei dos reis.

O evangelho mostra o homem morto em seu pecar
Sem condições de levantar-se por si só ...
A menos que, Jesus que é justo, o arranque de onde está
E o justifique, e o apresente ao Pai.
Mostra ainda a justiça de um Deus
Que é bem maior que qualquer força ou ficção
Que não seria injusto se me deixasse perecer
Mas soberano em graça me escolheu
É por isso que não posso me esquecer
Sendo seu servo, não Lhe digo o que fazer
Determinando ou marcando hora para acontecer
O que Sua vontade mostrará.

Refrão
O evangelho é que desvenda os nossos olhos
E desamarra todo nó que já se fez
Porém, ninguém será liberto, sem que clame
Arrependido aos pés de Cristo, o Rei dos reis.
Porém, ninguém será liberto, sem que clam
Arrependido aos pés de Cristo, o Rei dos reis.


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