segunda-feira, 9 de abril de 2012

D. Odilo Scherer decide quem pode sofrer

Publicamos aqui no último mês de janeiro, no artigo "Aborto e vida Severina", um documentário contundentemente trágico sobre o sofrimento de um casal humilde nordestino (em especial a mãe) durante a gestação de um feto anencéfalo, destinado à morte assim que visse a luz do dia, o que de fato ocorre, já que os meandros da Justiça e da saúde pública fazem o sofrimento perdurar indefinidamente até o caixãozinho branco do final.

Como já escrevemos naquela oportunidade, talvez o momento mais emblematicamente triste do documentário "Uma História Severina" (vídeo abaixo), ocorre quando a mãe vai a uma loja comprar UMA única roupinha para o bebê, e a vendedora, na esperança - talvez - de vender um enxoval inteiro, fica estupefata com a resposta que recebe, a de que a criança ia nascer para morrer.

Impossível, portanto, não sentir - no mínimo - compaixão pela triste sina do casal. Não havia solução fácil no caso deles. Qualquer que fosse a decisão tomada, a dor seria inafastável.

Por isso, soa no mínimo estranha a declaração do cardeal-arcebispo de São Paulo, D. Odilo Scherer, publicada no Estadão ontem, 8 de abril de 2012, de que o sofrimento da mãe não é justificativa para o aborto de anencéfalo. Passa a impressão de que quem decide se alguém pode ou não sofrer é um cardeal da igreja católica.

Ao fazer isso, o cardeal - inadvertidamente - não pode reclamar de toda e qualquer pessoa que queira julgar, por exemplo, se as justificativas dadas pela igreja católica aos casos de pedofilia no seu meio são razoáveis ou não, e as vítimas de padres pedófilos não se surpreendem já que - historicamente - as autoridades católicas se preocuparam muito mais em proteger os abusadores do que com o sofrimento que eles causaram.

Dois pesos e duas medidas, portanto. Claro que esta é uma generalização barata de um problema muito mais profundo, mas ela é propositalmente feita para que se perceba a fragilidade dos argumentos do cardeal. Do alto do seu trono episcopal, ele agora controla as consciências já destinadas à tragédia e decide quem pode ou não pode sofrer...

Desconfio que boa parte da perda de influência e de fiéis da igreja católica se dê pelo abandono concomitante do foco no seu discurso teológico. Ao leigo, parece que eles só se preocupam com o aborto, que se torna um discurso ideológico ao sabor das marés políticas e jurídicas de ocasião.

Isso não quer dizer que o discurso anti-aborto não seja legítimo, dentro do ambiente e da ênfase em que ele se fizer necessário. O que ele não pode trazer embutido é o desejo inquisitório e autoritário de decidir quem vai sofrer, acrescentando dor externa a quem não consegue mais suportar a dor que carrega no ventre...





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