sábado, 23 de junho de 2012

Maçãs envenenadas

Se hoje você lê o que eu escrevo aqui no blog, devemos esta interação em grande parte ao matemático britânico Alan Turing, cujo centenário de nascimento comemoramos hoje, 23 de junho de 2012.

Cedo na vida ele já se destacava por fazer certas coisas, digamos, "fora do padrão".

Quando tinha 14 anos de idade, Turing se preparava para o seu primeiro dia de aula na Escola Sherborn em Dorset, mas o Reino Unido enfrentava uma greve geral, pelo que não teve dúvida: pedalou 100 km na sua bicicleta desde Southampton até o colégio, façanha que foi publicada no jornal local.

Em 1931, Alan Turing entrou para o King’s College da Universidade de Cambridge, onde enfrentou a questão da indecidibilidade - os teoremas da incompletude propostos pelo lógico austríaco-americano Kurg Friedrich Gödel, que demonstrou que algumas questões matemáticas estariam além do alcance da lógica.

De certa forma, Turing terminaria concordando com Gödel, mas limitaria ainda mais as questões indecidíveis, ao propor uma máquina (naquele tempo) imaginária, que seria capaz de cumprir o que faz aquilo que hoje chamamos de “programa” (ou “software”, se preferir), seguindo um algoritmo.

Essa verdadeira ficção científica da época, que ficou conhecida como a “máquina de Turing”, foi a antevisão daquilo que hoje chamamos de “computador”, que fez com que ele fosse reconhecido posteriormente como o Pai da Ciência da Computação.

Entretanto, se você pensa que Turing ficou só na imaginação de sua máquina, está muito enganado. Um protótipo dela, exótico e rudimentar para os dias atuais, surgiria na Segunda Guerra Mundial e seria decisiva para a vitória aliada contra os nazistas.

Agora, perdoe-nos uma pausa que se faz necessária até o desfecho dessa história: antes do estouro da guerra, em 1938, ele assistiu o desenho animado “Branca de Neve e os Sete Anões”, em que a bruxa malvada mergulha uma maçã no veneno. Seus colegas de trabalho diziam que ele cantava constantemente a música tema do filme: “Mergulhe a maçã no caldo, e deixe a morte sonolenta penetrar”.

Em 4 de setembro de 1939, um dia depois do Reino Unido declarar guerra à Alemanha, Alan Turing deixou Cambridge para se instalar em Shenley Brook End, de onde pedalava por 5 km até Bletchley Park, sede do ultrassecreto serviço de quebra de códigos alemães.

Foi ali que Turing desenvolveu um método revolucionário para quebrar a poderosíssima criptografia do aparelho nazista chamado Enigma, liderando uma equipe que montou as estranhas máquinas, com significativa contribuição do matemático Gordon Welchman, que ficaram conhecidas como as “bombas de Turing-Welchman”, precursoras rústicas dos atuais computadores.

A quebra dos códigos alemães se revelou decisiva na derrota de Hitler. Tampouco as criptografias italiana e japonesa passaram no crivo da "bomba". No mínimo, encurtou o desfecho da guerra. Alguns estudiosos estimam que, não tivesse o trabalho de Bletchley Park sido tão importante, o combate só terminaria em 1948 e não em 1945.

Com o fim do conflito e a Guerra Fria que se seguiu, tudo que foi feito lá passou a ser segredo de Estado, bem como a contribuição de Turing e seus companheiros de trabalho não pôde ser reconhecida. E isto terminaria muito mal.

É que Alan Turing era homossexual, comportamento tolerado no meio universitário mas tipificado como crime numa sociedade vitoriana como era a britânica de meados do século XX. 

Em 1952, ele deu queixa de um furto de que havia sido vítima, cometido por um homem que ele confessou ingenuamente que era seu parceiro sexual.

Foi o seu fim. Veio o julgamento acompanhado de toda a humilhação pública a que foi submetido, além da obrigatoriedade de consultar um psiquiatra, tendo-lhe sido imposta uma castração química com hormônios femininos que o deixaram obeso e impotente.

Turing ainda resistiu à violência física e emocional por dois anos, mas diante da indiferença do governo do país que ajudara a salvar, a depressão o arrastou por um caminho perverso até voltar ao desenho animado da Branca de Neve que ele assistira em 1938.

No dia 7 de junho de 1954, Alan Turing se recolheu ao seu quarto, levando uma jarra com uma solução de cianeto e uma maçã. Mergulhou-a no cianeto e comeu alguns pedaços.

Apesar da óbvia relação com o logotipo da Apple, Steve Jobs negou que tenha sido o suicídio de Turing a sua inspiração, embora lamentasse que não houvesse essa homenagem a ele na marca que se tornou um ícone da era digital.

Pouco antes de completar 42 anos de idade, morria um dos gênios que – o mundo ainda não sabia – seria um dos maiores responsáveis por toda a revolução tecnológica que as novas gerações já encontram pronta ao nascer. 

Algo que não existia nem em sonho exatos 100 anos atrás.


As notas biográficas aqui recolhidas provêm do capítulo 4, "Decifrando a Enigma", do excelente "O Livro dos Códigos", de Simon Singh (Ed. Record, 2003). Mesmo quem não gosta de matemática, como eu, apreciará muito a leitura. #ficadica 


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