segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

O dia dos abutres

Tragédias que nos tocam a todos, independentemente do grau de parentesco ou relacionamento, como a ocorrida ontem na boate Kiss em Santa Maria (RS), são ocasiões que revelam o que existe de melhor e pior na natureza humana.

Costumo dizer que são três as certezas que todo ser humano tem ao nascer, e com elas indefectivelmente se deparará em algum ponto de sua existência neste mundo: a morte, a miséria e a bondade.

A primeira certeza - e a mais óbvia - é a morte, que tem uma peculiaridade que nos passa despercebida: ela sempre é vista como a morte do outro, nunca como a nossa própria, mesmo quando sabemos que o desenlace final está próximo e é inexorável.

A segunda certeza é a miséria humana. Estamos sempre em contato com ela, mesmo contra a nossa vontade, e ainda que ela não aconteça conosco ou com alguém conhecido. A miséria humana é inevitável.

A terceira certeza é a bondade. Apesar de todas as desgraças do mundo, sempre haverá alguém capaz de um gesto de bondade, que dê um copo d'água fria quando tudo parece se derreter à nossa volta.

Todos esses três componentes estão presentes no incêndio de Santa Maria. A morte de tantos jovens na flor da idade é o fator que mais chama a atenção, mas lá está presente também a miséria humana, na forma de pessoas que não só deram causa à tragédia por sua negligência, como pioraram as suas consequências através de suas atitudes dolosas.

A bondade também deu as caras em Santa Maria, seja pelos primeiros socorros das equipes de resgate e pelo apoio de toda a comunidade local, seja pela comoção nacional em torno do fato, o que torna todos nós muito mais próximos, muito mais humanos.

Entretanto, os abutres também revoam a calamidade. A imprensa faz uma cobertura grotesca, sentimentaloide e sensacionalista, explorando os cadáveres e os choros até as últimas consequências.

Por outro lado, indivíduos que se dizem religiosos aproveitam o momento para apontar o erro dos outros e chamar a atenção à sua autoimputada "santidade", como se as vítimas da tragédia estão mortas ou feridas apenas porque não seguiram a religião do outro.

Curiosamente, esses "religiosos", cujos nomes nem merecem ser pronunciados, se calam quando o teto de uma igreja desaba sobre as cabeças dos seus fieis, ou dezenas são pisoteados numa concentração qualquer num estádio de futebol.

Essa exploração barata da tragédia só expõe as vísceras das más intenções daqueles que se dizem autorizados a falar em nome de um "deus", uma religião, ou da falta de ambos, como aqueles que perguntam "onde está Deus?" nessa hora. São incapazes de sentir compaixão.

E compaixão é o mínimo que se espera num momento de dor e luto como esses. Se não for possível sentir compaixão, que pelo menos prefiram o silêncio aqueles que queiram respeitar os milhares de pais, avós, amigos e parentes dos jovens que morreram.



LinkWithin

Related Posts with Thumbnails