domingo, 3 de fevereiro de 2013

Stalingrado, 70 anos depois


Sim, é verdade, a cidade não se chama mais Stalingrado. Depois do processo revisionista liderado por Nikita Krushchev, a partir de 1956, que denunciou os crimes e o culto à personalidade de Stalin, a cidade passou a se chamar Volvogrado, mas ontem, 2 de fevereiro de 2013, por um dia ela voltou a se chamar Stalingrado.

Isto se deu por uma razão mais que especial: exatos 70 anos atrás, os nazistas se rendiam naquela que talvez seja a mais sangrenta batalha da história da humanidade, que deixou cerca de 2 milhões de mortos e outros tantos milhões de feridos e desalojados.

O ataque de Hitler à União Soviética, na Operação Barbarossa, foi um tremendo sucesso até chegar a Stalingrado, último baluarte nas margens do rio Volga (que dá o atual nome à cidade). Ultrapassado esse obstáculo, os nazistas se apoderariam dos campos de óleo do Cáucaso sem maiores problemas e os soviéticos estariam inapelavelmente derrotados.

A Blitzkrieg dos alemães avançou à perfeição durante o verão europeu mas começou a empalidecer diante de Stalingrado. Em mais uma de suas muitas atitudes controversas, Stalin obrigou a população civil a ficar na cidade sitiada, sob a justificativa de que isto daria moral às tropas soviéticas para lutar em socorro de seus compatriotas.

O rio Volga se transformou então numa mistura macabra de água, sangue e óleo. 90% da cidade foi conquistada pelos nazistas, a ponto de Hitler ter anunciado - em setembro de 1943 - a conquista de Stalingrado, não contando que os 10% restantes fossem capazes de lhe oferecer qualquer oposição.

Este episódio foi explorado na produção hollywoodiana "Círculo de Fogo" ("Enemy at the Gates" de 2001), em que Jude Law interpreta o franco-atirador soviético Vasily Zaitsev:


O verdadeiro Vasily Zaitsev

O confronto de egos se deu em Stalingrado, que nem era tão importante assim do ponto de vista estratégico. Era questão de honra para Hitler subjugar a cidade que levava o nome de Stalin, enquanto para este era fundamental que o seu nome fosse preservado da afronta alemã.

Talvez tenha sido exatamente essa concentração de tropas e de egos em Stalingrado que deu à Segunda Guerra Mundial um desfecho diferente do que se anunciava até então.

Enquanto o temível (para os nazistas) General Inverno se aproximava, a União Soviética recebia todo tipo de ajuda (impensável até alguns anos antes) do seu (até então) maior inimigo geopolítico, os Estados Unidos, que, para justificar à população americana o envio de todo suporte possível e impossível à URSS, também recorreram a Hollywood para produzir o filme "Missão em Moscou" ("Mission to Moscow" de 1943).

Perceba a crítica que se faz do isolacionismo e do "individualismo cristão" que imperava à época nos Estados Unidos:


Imaginando que conquistariam Stalingrado antes do inverno, os alemães sequer tinham roupas adequadas para o rigoroso inverno soviético que já havia derrotado as tropas de Napoleão 130 anos antes.

Enquanto o que restava da cidade resistia bravamente, as forças soviéticas comandadas pelo general Vassili Chuikov se reagrupavam, formando o movimento em pinça que começaria, em 19 de novembro de 1942, a estrangular os inimigos nazistas e seus aliados romenos, húngaros e italianos que os acompanhavam na invasão.

Apesar de ter sido promovido a marechal do Reich no dia anterior, o comandante alemão, general Friedrich Paulus, não quis lutar até o último homem nem se suicidar, como Hitler havia deixado implícito na sua promoção, e preferiu se render no dia 2 de fevereiro de 1943, mal cabendo em sua farda, consumido que estava pela diarreia que o cólera lhe causara.


O debilitado general Friedrich von Paulus se rende


Soldado russo faz alemão prisioneiro de guerra
Rendição nazista em Stalingrado. Dos 91.000 prisioneiros de guerra,
só 5.000 retornariam para a Alemanha. Os últimos voltaram em 1955.

Terminava assim um dos episódios mais sangrentos e heroicos que o mundo já viu e começava a grande virada na história da Segunda Guerra Mundial. Foi a primeira de uma sequência inevitável de derrotas do - até então - aparentemente invencível exército nazista.

É provável que não tenha havido no século XX nenhum outro evento particular em que as suas contradições ficassem mais expostas: entre elas a alegada superioridade de um povo (ou uma "raça") sobre outros e o líder que extermina segmentos da sua própria população, mas vence uma ameaça com um potencial de destruição inigualável na história.

Valeu a pena o sacrifício de Stalingrado? Quem é que se arrisca a responder essa questão de forma cabal? 

Independentemente do que se pense dos líderes que se digladiaram em Stalingrado, sobretudo daquele que então a "batizava", se Hitler foi vencido e o mundo respira hoje um pouco mais livre, boa parte desse crédito deve ser dado aos milhões de civis e militares russos (e de outras repúblicas então soviéticas) que lutaram e morreram na atual Volvogrado.

Por isso mesmo, com todos os méritos, a cidade ontem celebrou os 70 anos da sua glória que afeta - positivamente - a todos nós.


Nada melhor do que encerrar nossa singela homenagem a Stalingrado com Carlos Drummond de Andrade:

"O mundo não acabou, pois que entre as ruínas
outros homens surgem, a face negra de pó e de pólvora,
e o hálito selvagem da liberdade
dilata os seus peitos, Stalingrado,
seus peitos que estalam e caem,
enquanto outros, vingadores, se elevam"

Carta a Stalingrado




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