quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Myley Cyrus acha bonito ser feio

Tudo bem que a Disney só visa o lucro, mas ela tem que se decidir.

De nada adianta pagar e controlar ídolos mirins para que eles satisfaçam os padrões morais exigidos (mas nem sempre praticados) pelas famílias americanas médias se depois que eles crescem, começam a fazer qualquer coisa para chamar a atenção.

Parece que o trajeto de criança-prodígio a adolescente problemático - pela estrada do "é bonito ser feio" - é um caminho sem volta.

A mala-sem-alça ex-Disney da vez é Miley Cyrus, conforme publicou a Folha de S. Paulo em sua edição de 25/10/13:

Miley Cyrus chega à maioridade reposicionando sua marca com muito sexo

ISABELLE MOREIRA LIMA

O que aconteceu com Miley Cyrus? Como se deu a transformação da garota doce e sorridente que deu vida à personagem infantil Hannah Montana no seriado da Disney (2006-2011) no furacão pelado e rebolativo de língua de fora? A pergunta ecoa na internet: nas redes sociais, nos sites de celebridades e até no Yahoo respostas.

As mudanças vêm sendo anunciadas há tempos. Mas foi neste ano que as ações de Cyrus se intensificaram: em dois meses, ela escandalizou com a performance de dança quase sexual no Video Music Awards da MTV, com o clipe em que aparece nua em cima de uma máquina de demolição e com um ensaio provocativo, os dois últimos assinados pelo polêmico fotógrafo de moda Terry Richardson.

"Senti que poderia finalmente ser a vagabunda que realmente sou", declarou no documentário "Miley: The Movement", exibido no começo do mês pela MTV norte-americana.

Há quem ache que a cantora é um desastre pronto para acontecer, algo que lembra outras ex-atrizes-cantoras mirins como Lindsay Lohan e Britney Spears.

Artistas escrevem cartas abertas com críticas -- a cantora irlandesa Sinnead O'Connor disse que a indústria da música estava "a prostituindo" e Sufjan Stevens, músico hipster norte-americano, ao analisar a letra de "Get It Right", sugeriu que Cyrus estudasse gramática.

Enquanto eles falam, ela vende. Chegou ao topo da Billboard com 270 mil cópias de seu álbum "Bangerz" comercializadas nos dias seguintes ao lançamento. Tudo o que faz vira notícia e sua carreira segue firme.

Prestes a fazer 21 anos (dia 23 de novembro), Cyrus reposiciona sua marca. A mudança é estratégica.

O empresário Anderson Ricardo, que foi responsável pela carreira do cantor Luan Santana, diz que a transição de Cyrus é natural, a forma como acontece é que assusta. "Todo artista que faz carreira para o público teen, em um momento, vai querer se voltar aos adultos. Passei isso com o Luan. O modo como ela faz é que parece forçação de barra. Há pouco tempo, a gente a via na Disney. Agora, ela fez um clipe pelada em cima de uma bola", diz em referência a "Wrecking Ball".

O risco, na avaliação do empresário, é enorme. O público inicial fica vulnerável e o novo pode não comprar a ideia. "Ela foi muito radical."

A professora de marketing da ESPM Mariana Bussab concorda que a transformação é abrupta, mas considera que o "timing" pede. "O mercado infantil já era. Talvez fosse a única forma de se recolocar."

A polêmica, diz Bussab, pode ser um negócio em si. "A Madonna é rainha nesse sentido. E para quantas gerações ainda é ícone? É uma estratégia, a de ver o circo pegar fogo, que pode dar certo."

A professora de antropologia da USP Heloisa Buarque de Almeida vê a nova Miley Cyrus como um personagem. "É uma nova Hannah Montana, mas não mais a menina boazinha. Uma coisa que cola muito na mídia é a hipersexualização", afirma.

Almeida diz que a estratégia não é nova e que Cyrus negocia com as regras da indústria em que está inserida.

"Ela fez um tipo que deu certo, rendeu muitas temporadas de um seriado infantojuvenil. Para romper com ele, tem que ser radical porque a outra imagem colou."

Do ponto de vista da moda, a esquisitice que Cyrus apresentou no prêmio da MTV tem a ver com a contemporaneidade, e a nudez, com uma tendência fashion atual, a da não-roupa. A opinião é da consultora de moda e professora da Faculdade Santa Marcelina, Mariana Rocha.

"Não sei se a Miley vai impregnar o mundo do consumo. Funciona mais como susto, ruptura. Nesse sentido ela acertou", diz Rocha, que considera mais interessante o uso do politicamente incorreto que o bom mocismo.

"Antes, uma mulher para ficar adulta virava romântica. Hoje, é preciso esfregar a sexualidade na cara das pessoas. É excitante a ideia de arriscar a carinha de boa moça. Agora, o cabelo foi imperdoável. Ainda bem que cresce."

O ASSASSINATO DE HANNAH MONTANA

Veja o que a cantora Miley Cyrus está fazendo para provar que cresceu

1992
Nasce Destiny Hope Cyrus, filha do cantor country Billy Ray Cyrus

2001
Interpretou o primeiro papel na TV, na série 'Doc'

2006
Foi ao ar como Hannah Montana pela primeira vez em 24 de março. Os episódios da série tinham em média 4 milhões de espectadores, fazendo com que Miley Cyrus se transformasse rapidamente em febre infantil

2008
Em janeiro, mudou sue nome na Justiça de Los Angeles para Miley Ray Cyrus. Aos 15, faz ensaio para a revista norte-americana "Vanity Fair" em que posa coberta por um lençol de cetim em foto de Annie Leibovitz. A foto gera a primeira polêmica da carreira da cantora e atriz

2010
Lança clipe da música "Can't Be Tamed", que marca o momento da virada, em que aparece com roupa provocante e cabelão armado dentro de uma gaiola. Um vídeo mostra a cantora fumando um narguilé. A assessoria da cantora disse que a substância em questão era sálvia

2012
Manda fazer um bolo em forma de pênis para o aniversário do então noivo Liam Hemsworth e teve fotos em que brincava com o doce vazadas na internet. Corta os cabelos curtíssimos e adotou um tom loiro descolorido

2013
Cyrus faz menção ao ato sexual ao dançar com o cantor Robin Thicke em premiação da MTV e lança o clipe "Wrecking Ball" em que aparece nua e lambe sensualmente um martelo



quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Jovem gay assassinado no Chile se torna "santo popular"

Em março de 2012, Daniel Zamudio Vera foi barbaramente assassinado num parque em Santiago, capital do Chile, pelo único fato de ser homossexual.

Sua morte gerou gigantesca comoção popular no país, com declarações desencontradas do clero local, conforme comentamos aqui no blog.

A exemplo do que ocorre com vários outros temas, como aborto e divórcio, parece que existe um enorme descompasso entre o discurso oficial do Vaticano e aquilo que os seus fiéis fazem e pensam em particular.

Entretanto, um ano depois, Daniel Zamudio se converteu numa espécie de "santo" na devoção de muitos chilenos que transformaram seu túmulo num pequeno santuário, conforme noticiou a BBC Brasil:

Túmulo de jovem gay vira santuário no Chile

Paula Molina

O túmulo de um jovem homossexual morto depois de ser atacado por quatro homens em 2012 se transformou em um santuário no Chile.

A gaveta temporária que abriga o corpo de Daniel Zamudio no Cemitério Geral de Santiago está coberto de frases como "Dani lindo, anjinho bonito, cuide de nós", ou "Daniel, onde estiver, rogue por nós. Respeito para você", "Cuide de nós e nos liberte, nos ajude a seguir em frente".

O jovem morreu em 2012 aos 24 anos, depois de ser atacado por quatro homens em um parque no centro da capital chilena. De acordo com o veredito dado em outubro, os agressores agiram com "crueldade extrema e total desprezo pela vida humana".

A comoção causada pelo crime levou à aprovação de uma lei contra a discriminação que leva o nome de Zamudio. No entanto, esta lei não tem aplicação retroativa.

Por isso, os agressores responsáveis pela morte de Zamudio não enfrentaram o agravante de discriminação pela condição sexual. Porém, foram todos condenados pelo crime. Um deles foi sentenciado à prisão perpétua e os outros três a penas que variam entre sete e 15 anos.

'Animita'

Entre outros golpes, os agressores acertaram Zamudio com os chutes, socos, cortes e queimaduras, desenharam suásticas no abdome da vítima com cacos de vidro e, com uma pedra de oito quilos, fraturaram a perna direita de Zamudio.

O jovem foi encontrado por um guarda na manhã do dia 3 de março de 2012. O guarda declarou que "nunca havia visto uma agressão tão brutal". Ele permaneceu em coma em um hospital público durante quase um mês.

Quando a morte de Zamudio foi anunciada, uma multidão acendeu velas na porta do hospital e cerca de duas mil pessoas acompanharam o enterro.

Mais de um ano depois da morte, os funcionários do cemitério sabem onde fica seu túmulo e dão informações aos visitantes que querem deixar suas homenagens ao jovem. Entre os frequentadores estão estudantes, casais, homens e mulheres.

"Rezam, falam com ele, se benzem, pedem coisas", contam os funcionários, que já conhecem bem o fenômeno chamado no Chile de "animitas", a criação de lugares de peregrinação, geralmente ligados a mortes violentas ou injustas.

"Daniel Zamudio tem todos os elementos para se transformar em uma animita", afirma Claudia Lira, pesquisadora de cultura popular e tradicional da Universidade Católica de Santiago.

"É uma morte cruel, inesperada, onde há muito derramamento de sangue, há uma tragédia. As pessoas sentem que esta morte é injusta, porque ele era uma pessoa discriminada, morreu indefeso, na rua", acrescentou.

"Na cosmovisão chilena, mesmo que exista um processo judicial, ele se converte em um mártir, uma concepção que vem do catolicismo e que se junta com a idiossincrasia chilena; a pessoa pode estar mais próxima de Deus porque o sofrimento a transformou e, portanto, se pode pedir coisas a esta pessoa", afirmou.

Cartas

Parte dos bilhetes deixados no túmulo de Daniel Zamudio são guardados pelo Movimento de Integração e Liberação Homossexual do Chile, o Movilh.

"Vamos quase todas as semanas ver Daniel e recolhemos muitas cartas que as pessoas escrevem por razões diferentes. Meninos, meninas que pedem ajuda, ou mensagens de carinho", contou presidente do Movilh, Rolando Jiménez.

"A última vez que contei tínhamos entre 150, 200 (cartas)", disse o ativista, que espera incorporar os textos de alguma forma ao túmulo e memorial à diversidade que o movimento está construindo no Cemitério Geral de Santiago e para onde pretende levar de forma definitiva os restos de Zamudio.

"Não temos vínculos com nenhuma religião ou crença. Somos ateus, entre outros motivos, pelo papel da Igreja Católica na difusão e promoção da homofobia no nível cultural", afirmou.

"Mas se as pessoas sentem uma proximidade com Daniel a partir desta lógica, respeitamos. E no túmulo memorial haverá espaço para que as pessoas continuem deixando suas cartas e as coisas que que hoje levam, presentes, brinquedos, corações."

O Movilh também planeja instalar algum memorial no parque onde Zamudio foi atacado.

Atualmente apenas uma cruz e flores marcam o local do ataque.



terça-feira, 29 de outubro de 2013

Pesquisa revela interação entre funk e gospel no Brasil

Se você é um daqueles que há tempos anda inconformado com a música que ouve nas rádios e nos programas populares da televisão, é melhor não ler este artigo.

É que na sua última edição (nº 805, 28 de outubro de 2013, págs. 86-90), a revista Época trouxe uma matéria interessante sobre a mudança no gosto musical do brasileiro nas últimas décadas.

A pesquisa foi conduzida pelo Ibope, com o título “Tribos musicais", e foi realizada entre agosto de 2012 e agosto de 2013".

O universo investigado é grande: 20.000 ouvintes de rádio procedentes de todas as faixas etárias e classes sociais, que foram entrevistados nas capitais brasileiras.

A razão para se eleger o rádio como, digamos, veículo-padrão do que se ouve no país é que 73% da população brasileira afirma ouvi-lo com frequência, e esse público se distribui da seguinte forma (as respostas são múltiplas):
  • Música – 96%
  • Notícias – 70%
  • Esportes – 31%
  • Humor – 21%
Logo, a probabilidade de que o leitor deste blog seja um ouvinte assíduo de rádio é muito grande, pelo que ele não se surpreenderá com os resultados apresentados pelo Ibope.

Entre 2012 e 2013, cerca de 2/3 das músicas que foram tocadas nas rádios brasileiras pertenciam ao gênero sertanejo.

Thiago Magalhães, assistente da pesquisa, conclui que “o que une todos é a música. O Brasil é um país movido a música. Queiramos ou não, hoje ele é movido a música sertaneja”.

Os antigos campeões de sucesso radiofônico, a MPB e o pagode, ficaram na poeira.

A música sertaneja responde por 65% do que as ondas sonoras levam ao público espalhado por todo o território brasileiro.

No distante segundo lugar está o pagode, que ocupa 19% da programação musical das rádios do país.

O funk desponta na terceira colocação, com 5% da preferência nacional. Na rabeira, com 3% cada um, estão o rock e a MPB.

A matéria da Época traz a opinião do produtor e empresário Tom Gomes, que lista entre as razões pelas quais o sertanejo suplantou os demais gêneros, em especial a MPB, a sua flexibilidade e onipresença.

Por flexibilidade, entenda-se a facilidade com que os músicos sertanejos se adaptam a outras tendências regionais, como axé, pagode e forró, gerando um certo Frankenstein conhecido por “pancadão”, por exemplo.

Já a onipresença dos cantores sertanejos é sentida em todo o território nacional, diz Gomes, para quem eles “são trabalhadores incansáveis. Fazem shows diante de dezenas de milhares de pessoas todos os dias do ano, ao passo que Chico Buarque faz um show a cada cinco anos para uma plêiade de eleitos. Não admira que Paula Fernandes seja mais popular que ele”.

Estranhamente, a revista não questiona se uma das razões para esse domínio sertanejo é a repetição exaustiva do gênero nos programas populares da TV. Talvez porque a dona dela é a família Marinho, da Globo.

O “jabá”, aquele gordo cachê que - dizem - gravadoras e produtores colocam na mão de apresentadores e diretores de rádio e TV para promover determinado artista, sequer é mencionado na matéria, talvez porque não seja de bom tom tocar nesse assunto.

O artigo poderia ter sido, portanto, muito mais abrangente, mas há informações valiosas que merecem destaque.

Um dado interessante sobre a divisão dos gêneros musicais no gosto do brasileiro médio é que as tribos de fãs de um e de outro não são excludentes.

Desta maneira, sertanejos e pagodeiros têm uma ótima relação entre eles. Enquanto 61% dos primeiros ouvem pagode, 81% dos fãs deste curtem sertanejo.

Fãs de rock e MPB pertencem às classes sociais mais altas e praticam o mesmo intercâmbio entre esses dois gêneros, e a surpresa é que os adeptos do funk e da música gospel têm uma relação bastante íntima.




O pesquisador Magalhães chegou a uma conclusão curiosa: “a gente pode dizer que os roqueiros ouvirão MPB quando ficarem mais velhos, assim como os funkeiros que gostam de Anitta um dia ouvirão mais o gospel de Aline Barros”.

Pois é, a maioria dos ouvintes de funk e gospel pertence às classes D e E e eles não chegaram a completar o ensino fundamental.

Os funkeiros se concentram na faixa etária entre 12 e 19 anos, enquanto os religiosos são mais facilmente encontrados entre os 25 e 34 anos de idade.

No Brasil, lugar de funkeiro é no Rio de Janeiro e em Salvador, enquanto os fãs de gospel têm suas trincheiras localizadas nas capitais nordestinas.

No intercâmbio entre os gêneros, 38% dos funkeiros apreciam música gospel, e 22 % dos religiosos ouvem funk.

Portanto, não deve demorar muito para que o funk invada mais igrejas evangélicas por aí. É só uma questão de tempo...

Para consolar os saudosistas e defensores do bom gosto de plantão, talvez seja a hora de cantar “apesar de você, amanhã há de ser outro dia...”





segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Foi orar e perdeu a prova do ENEM


As provas do Exame Nacional do Ensino Médio, o popular ENEM, foram realizadas no último fim-de-semana, com as habituais confusões e intercorrências que, até onde se sabe, não chegaram a macular o evento.

Entretanto, uma cena na entrada de uma das escolas chamou a atenção pelo seu, digamos, "ineditismo".

Conforme você pode conferir no vídeo abaixo, uma candidata foi barrada na porta de entrada de uma das escolas que aplicava o ENEM, e fez um tremendo escândalo, chorando e gritando.

Até aí, nenhuma novidade, não é mesmo?

Aos berros, a candidata (ou a mãe dela, não dá para saber ao certo) dizia que havia "parado para orar" na frente da escola, e por isso clamava o bordão "Abre em nome de Jesus!".

Não dá para identificar a candidata no vídeo, e embora já estejam circulando informações desencontradas sobre o seu nome verdadeiro, preferimos omiti-las porque não têm qualquer serventia à reflexão que queremos propor.

Independentemente do drama pessoal de cada um, o qual nos esforçamos o máximo para compreender e ter um certo nível de empatia, o fato inusitado revela o descolamento que certos evangélicos têm em relação à realidade.

No fundo, a fé  que muitas pessoas que se dizem evangélicas têm não é propriamente a fé em Jesus e no que Ele representa para os cristãos, mas a sua fé é direcionada para um discurso religioso que guarda algumas semelhanças com o evangelho, mas de sua essência nada tem.

É a chamada "fé na fé", na definição do sociólogo austríaco Peter Berger, ou seja: "creia, porque é bom crer, e dá resultados".

A "fé de resultados", uma versão utilitária da fé muito comum no Brasil, é muito bem demonstrada no episódio aqui registrado.

Se a intenção da candidata e de sua acompanhante era orar em frente à escola, nada as impedia de terem feito isso num horário conveniente e suficientemente seguro para adentrar com tempo de sobra ao recinto onde a prova seria aplicada.

Afinal, como diz certo comentarista de arbitragem de futebol nas tardes de domingo, "a regra é clara!"



São muitas as razões que podemos aventar para o fato da jovem ter perdido o ENEM.

Diante da necessidade "evangélica" brasileira de "atos proféticos", ela pode ter sido influenciada a rodear a escola 7 vezes, por exemplo.

Alguns lunáticos chegam a "ungir" com óleo e - nos piores casos - urinar para "demarcar território" de suas supostas batalhas espirituais.

Daí não ser surpresa o fato dela pedir insistentemente "abre em nome de Jesus" como se fosse uma espécie de abracadabra gospel sem qualquer sentido que não a mandinga e a reza braba do pensamento mágico que invadiu muitas igrejas que se dizem "evangélicas" no Brasil.







domingo, 27 de outubro de 2013

Esqueçam de mim!


O "direito ao esquecimento" é um dos temas mais recentes no campo das liberdades individuais e garantias fundamentais do ser humano, e por isso mesmo, começa a ser disciplinado pelos tribunais, embora ainda haja muita discussão a ser enfrentada.

No caso de pessoas que cometeram um crime e cumpriram a pena, ou foram acusadas e inocentadas da prática de um ilícito penal, o dilema é equilibrar o direito ao anonimato com a liberdade de expressão, de informação e de imprensa.

A matéria abaixo, do Superior Tribunal de Justiça, traz vários elementos interessantes para o debate, que pode inclusive extrapolar o campo da ciência jurídica e invadir outras searas, como a superação dos erros do passado por qualquer pessoa, ou outro problema que se agrava a cada dia que passa: como proteger a privacidade em tempos virtuais, com tantos dados pessoais sendo vazados diariamente?

Eis o artigo:

O direito de ser deixado em paz

Responsável por uniformizar a interpretação da lei federal seguindo os princípios constitucionais e a defesa do Estado de Direito, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) está sempre aberto à discussão dos temas mais relevantes para a sociedade brasileira. Este ano, o Tribunal da Cidadania trouxe à tona o debate sobre o chamado direito ao esquecimento.

O direito ao esquecimento não é um tema novo na doutrina jurídica, mas entrou em pauta com mais contundência desde a edição do Enunciado 531 da VI Jornada de Direito Civil, promovida pelo Conselho da Justiça Federal (CJF). O texto, uma orientação doutrinária baseada na interpretação do Código Civil, elenca o direito de ser esquecido entre os direitos da personalidade.

Ao estabelecer que “a tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento”, o Enunciado 531 estabelece que o direito de não ser lembrado eternamente pelo equívoco pretérito ou por situações constrangedoras ou vexatórias é uma forma de proteger a dignidade humana.

A tese de que ninguém é obrigado a conviver para sempre com erros do passado foi assegurada pela Quarta Turma do STJ no julgamento de dois recursos especiais movidos contra reportagens exibidas em programa de televisão.

Chacina da Candelária

No primeiro caso (REsp 1.334.097), a Turma reconheceu o direito ao esquecimento para um homem inocentado da acusação de envolvimento na chacina da Candelária e posteriormente retratado pelo programa Linha Direta, da TV Globo, anos depois de absolvido de todas as acusações.

Nesse acaso, a Turma concluiu que houve violação do direito ao esquecimento e manteve sentença da Justiça fluminense que condenou a emissora ao pagamento de indenização no valor R$ 50 mil.

O homem foi apontado como coautor da chacina da Candelária, sequência de homicídios ocorridos em 23 de julho de 1993, no Rio de Janeiro, mas foi absolvido por unanimidade. No recurso, ele sustentou que recusou pedido de entrevista feito pela TV Globo, mas mesmo assim o programa veiculado em junho de 2006 citou-o como um dos envolvidos na chacina, posteriormente absolvido.

Ele ingressou na Justiça com pedido de indenização, sustentando que sua citação no programa levou a público, em rede nacional, situação que já havia superado, reacendendo na comunidade onde reside a imagem de chacinador e o ódio social, e ferindo seu direito à paz, anonimato e privacidade pessoal. Alegou, ainda, que foi obrigado a abandonar a comunidade para preservar sua segurança e a de seus familiares.

Acompanhando o voto do relator, ministro Luis Felipe Salomão, a Turma concluiu que a ocultação do nome e da fisionomia do autor da ação não macularia sua honra nem afetaria a liberdade de imprensa.

A Turma entendeu que o réu condenado ou absolvido pela prática de um crime tem o direito de ser esquecido, pois se os condenados que já cumpriram a pena têm direito ao sigilo da folha de antecedentes e à exclusão dos registros da condenação no instituto de identificação, por maiores e melhores razões aqueles que foram absolvidos não podem permanecer com esse estigma, conferindo-lhes a lei o mesmo direito de serem esquecidos.

Para os ministros da Quarta Turma, a fatídica história poderia ter sido contada de forma fidedigna sem que para isso a imagem e o nome do autor precisassem ser expostos em rede nacional, até porque, certamente, ele não teve reforçada sua imagem de inocentado, mas sim a de indiciado.

Caso Aída Curi

No segundo caso (REsp 1.335.153), a mesma Quarta Turma negou direito de indenização aos familiares de Aída Curi, que foi abusada sexualmente e morta em 1958 no Rio de Janeiro. A história desse crime, um dos mais famosos do noticiário policial brasileiro, foi apresentada no programa Linha Direta com a divulgação do nome da vítima e de fotos reais, o que, segundo seus familiares, trouxe a lembrança do crime e todo sofrimento que o envolve.

Os irmãos da vítima moveram ação contra a emissora com o objetivo de receber indenização por danos morais, materiais e à imagem. Por maioria de votos, o STJ entendeu que, nesse caso, o crime era indissociável do nome da vítima. Isto é, não era possível que a emissora retratasse essa história omitindo o nome da vítima, a exemplo do que ocorre com os crimes envolvendo Dorothy Stang e Vladimir Herzog.

Segundo os autos, a reportagem só mostrou imagens originais de Aída uma vez, usando sempre de dramatizações, uma vez que o foco da reportagem foi no crime e não na vítima. Assim, a Turma decidiu que a divulgação da foto da vítima, mesmo sem consentimento da família, não configurou abalo moral indenizável.

Nesse caso, mesmo reconhecendo que a reportagem trouxe de volta antigos sentimentos de angústia, revolta e dor diante do crime, que aconteceu quase 60 anos atrás, a Turma entendeu que o tempo, que se encarregou de tirar o caso da memória do povo, também fez o trabalho de abrandar seus efeitos sobre a honra e a dignidade dos familiares.

O voto condutor também destacou que um crime, como qualquer fato social, pode entrar para os arquivos da história de uma sociedade para futuras análises sobre como ela – e o próprio ser humano – evolui ou regride, especialmente no que diz respeito aos valores éticos e humanitários.

Esquecimento na internet

O surgimento do direito ao esquecimento, como um direito personalíssimo a ser protegido, teve origem na esfera criminal, mas atualmente foi estendido a outras áreas, como, por exemplo, nas novas tecnologias de informação. Ele em sido abordado na defesa dos cidadãos diante de invasões de privacidade pelas mídias sociais, blogs, provedores de conteúdo ou buscadores de informações.

O instituto vem ganhando contornos mais fortes em razão da facilidade de circulação e de manutenção de informação pela internet, capaz de proporcionar superexposição de boatos, fatos e notícias a qualquer momento, mesmo que decorrido muito tempo desde os atos que lhes deram origem.

Para a ministra Eliana Calmon, do STJ, isso acontece porque as decisões judiciais são baseadas na análise do caso concreto e no princípio de que a Justiça deve estar sempre em sintonia com as exigências da sociedade atual. “O homem do século 21 tem como um dos maiores problemas a quebra da sua privacidade. Hoje é difícil nós termos privacidade, porque a sociedade moderna nos impõe uma vigilância constante. Isso faz parte da vida moderna”, afirma.

Autor do Enunciado 531, o promotor de Justiça do Rio de Janeiro Guilherme Magalhães Martins explica que o direito ao esquecimento não se sobrepõe ao direito à liberdade de informação e de manifestação de pensamento, mas ressalta que há limites para essas prerrogativas.

"É necessário que haja uma grave ofensa à dignidade da pessoa humana, que a pessoa seja exposta de maneira ofensiva. Porque existem publicações que obtêm lucro em função da tragédia alheia, da desgraça alheia ou da exposição alheia. E existe sempre um limite que deve ser observado”, diz ele.

Martins ressalta que, da mesma forma que a liberdade de expressão não é absoluta, o direito ao esquecimento também não é um direito absoluto: “Muito pelo contrário, ele é excepcional.”

O promotor ainda esclarece que, apesar de não ter força normativa, o Enunciado 531 remete a uma interpretação do Código Civil referente aos direitos da personalidade, ao afirmar que as pessoas têm o direito de ser esquecidas pela opinião pública e pela imprensa.

Sem reescrever a história

Uma foto tirada em momento de intimidade pode se propagar por meio das mídias sociais com impensada rapidez. Fatos praticados na juventude, e até já esquecidos, podem ser resgatados e inseridos na rede, vindo a causar novos danos atuais, e até mais ruinosos, além daqueles já causados em época pretérita. Quem pretende ir à Justiça com a intenção de apagar essas marcas negativas do passado pode invocar o direito ao esquecimento.

O desembargador do Tribunal Regional Federal da 5ª Região Rogério Fialho Moreira, que coordenou a Comissão de Trabalho da Parte Geral na VI Jornada, explica que o enunciado garante apenas a possibilidade de discutir o uso que é dado aos eventos pretéritos nos meios de comunicação social, sobretudo nos meios eletrônicos. De acordo com ele, na fundamentação do enunciado ficou claro que o direito ao esquecimento não atribui a ninguém o direito de apagar fatos passados ou reescrever a própria história.

“Não é qualquer informação negativa que será eliminada do mundo virtual. É apenas uma garantia contra o que a doutrina tem chamado de superinformacionismo. O enunciado contribui, e muito, para a discussão do tema, mas ainda há muito espaço para o amadurecimento do assunto, de modo a serem fixados os parâmetros para que seja acolhido o esquecimento de determinado fato, com a decretação judicial da sua eliminação das mídias eletrônicas”, diz o magistrado.

Parâmetros que serão fixados e orientados pela ponderação de valores, de modo razoável e proporcional, entre os direitos fundamentais e as regras do Código Civil sobre proteção à intimidade e à imagem, de um lado, e, de outro, as regras constitucionais de vedação à censura e da garantia à livre manifestação do pensamento.

De acordo com o magistrado, na sociedade de informação atual, até mesmo os atos mais simples e cotidianos da vida pessoal podem ser divulgados em escala global, em velocidade impressionante.

“Verifica-se hoje que os danos causados por informações falsas, ou mesmo verdadeiras, mas da esfera da vida privada e da intimidade, veiculadas através da internet, são potencialmente muito mais nefastos do que na época em que a propagação da notícia se dava pelos meios tradicionais de divulgação. Uma retratação publicada em jornal podia não ter a força de recolher as ’penas lançadas ao vento’, mas a resposta era publicada e a notícia mentirosa ou injuriosa permanecia nos arquivos do periódico. Com mais raridade era ressuscitada para voltar a perseguir a vítima”, esclarece.

O enunciado, segundo o magistrado, ajudará a definir as decisões judiciais acerca do artigo 11 do Código Civil, que regulamenta quais direitos de personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, assim como do artigo 5º da Constituição Federal, como o direito inerente à pessoa e à sua dignidade, entre eles a vida, a honra, a imagem, o nome e a intimidade.

Right to be let alone

No entendimento do desembargador, a teoria do direito ao esquecimento surgiu exatamente a partir da ideia de que, mesmo quem comete um crime, depois de determinado tempo, vê apagadas todas as consequências penais do seu ato. No Brasil, dois anos após o cumprimento da pena ou da extinção da punibilidade por qualquer motivo, o autor do delito tem direito à reabilitação. Depois de cinco anos, afasta-se a possibilidade de considerar-se o fato para fins de reincidência, apagando-o de todos os registros criminais e processuais públicos.

Ainda segundo ele, o registro do fato é mantido apenas para fins de antecedentes, caso cometa novo crime e, mesmo assim, a matéria encontra-se no Supremo Tribunal Federal (STF), para decisão sobre a constitucionalidade dessa manutenção indefinida no tempo.

Mas, extinta a punibilidade, a certidão criminal solicitada sai negativa, inclusive sem qualquer referência ao crime ou ao cumprimento de pena. "Ora", conclui Moreira, "se assim é até mesmo em relação a quem é condenado criminalmente, não parece justo que os atos da vida privada, uma vez divulgados, possam permanecer indefinidamente nos meios de informação virtuais. Essa é a origem da teoria do direito ao esquecimento, consagradora do right to be let alone, ou seja, do direito a permanecer sozinho, esquecido, deixado em paz."



sábado, 26 de outubro de 2013

Por uma vida mais simples e sustentável

Há famílias inteiras mudando seu comportamento com vistas a um mundo melhor. Uma gota no oceano, mas estão fazendo a sua parte.

A matéria é do G1 Paraná:

Famílias urbanas preferem vida simples a facilidades modernas

Casal de Curitiba, com dois filhos pequenos, trocou o carro por bicicleta.
Com 80% a menos de renda, dentista diz que vida agora faz mais sentido.

Substituir o carro pela bicicleta e a fralda descartável por fralda de pano são parte das escolhas que transformam a cada dia a vida do casal Luis e Lia Patrício, analista de informática e veterinária, respectivamente. Moradores de Curitiba, eles optaram em viver de uma maneira mais simples.

A televisão e outros equipamentos eletrônicos foram abolidos da vida deles. Eles mantêm apenas um laptop para manter contato com familiares que não moram na mesma cidade. Uso de sacolas plásticas no supermercado e consumo carne também foram práticas eliminadas dos hábitos do casal.

“É uma escolha que a gente fez muito consciente e que a gente continua fazendo todo dia. A gente acha que é viável. A gente está satisfeito com isso, a gente é feliz com isso”, conta Lia. Pais de duas crianças – Ana Maria de três anos e Rafael, de um –, o casal passa os valores nos quais acreditam desde cedo para os filhos.

Patrício leva os meninos à escola todos os dias de bicicleta. Às 7h30, eles saem de casa, faça chuva ou sol. O tradicional “tempo cinza” da capital paranaense, com dias frios e chuvosos, não é empecilho nem desculpa para eles. Munidos com jaquetas, luvas, gorros, calças impermeáveis, botas e capas de chuva eles enfrentam o frio e a chuva. “Você não pode simplesmente desprezar [o mau tempo]. Quando está no inverno e está muito frio tem que sair agasalhado”, afirma Patrício.

Compostagem (um processo de transformação do lixo orgânico em adubo, que pode ser utilizado na agricultura, em jardins e plantas), horta no quintal de casa e a produção dos próprios alimentos também fazem parte do dia a dia da família. “A gente acha que faz muito sentido fazer o máximo de coisas que a gente pode para a gente mesmo. A gente tenta fazer o nosso pão, a nossa granola, o iogurte – o menos industrializado, que passe por menos linha de produção, o mais natural possível. Essa opção concorda mais com o nosso estilo de vida e deixa a gente mais confortável. Faz mais sentido”, explica Lia.

Saindo da inércia

A troca total do carro pela bicicleta foi em 2007, quando o analista de informática decidiu vender o veículo da família. Desde então, o casal começou a enxergar a vida de outra maneira. “A bicicleta foi o que tirou a gente da inércia. Fazer o pão, cuidar do lixo e não usar o saco plástico são coisas que aconteceram durante a humanidade inteira. A sociedade passou a maltratar tanto a natureza há pouco tempo. É um resgate, mas a gente não tem a ilusão de que já está salvando o mundo. A gente tem uma vida relativamente normal, ainda tem um longo caminho para ir. É uma decisão de cada dia. A gente vai descobrindo uma coisinha, um jeitinho novo de fazer e vai tentando agregar isso a nossa rotina”, diz Patrício.

“Quando você ocupa a mente com as coisas mais simples e mais básicas aí, naturalmente, você precisa fazer menos escolhas”, completa. O estilo de vida da família inclusive virou livro. Em setembro de 2013, Patrício lançou “Minha garagem é uma sala de estar”.

Convicto das escolhas, o analista de informática também reflete sobre a vida em sociedade. Segundo Patrício, umas das maiores ilusões do mundo atual é a independência. “Nós somos seres sociais e poder depender das outras pessoas ao invés de ser uma falha, uma fraqueza, na verdade, é a nossa força. É quando a gente está com outras pessoas, ajudando outras pessoas e aceitando essa ajuda é que a gente se sente parte de uma coisa maior. Uma das ilusões de hoje em dia é querer sair de casa, terminar a faculdade, conseguir um emprego para conseguir independência”, pondera.

Casa da Videira

Cláudio Oliver também é adepto da simplicidade como forma de vida. Tanto que, há quase seis anos, largou o consultório dentário onde trabalhava como dentista para viver uma vida com mais sentido, conforme ele mesmo diz. Oliver é coordenador da Casa da Videira, um coletivo definido como uma associação sem fins lucrativos que desenvolve iniciativas nas áreas ambiental e social em busca de um estilo de vida equilibrado e coerente, promovendo práticas regenerativas para o bem comum.

Na sede, uma casa no bairro Mossunguê, em Curitiba, o grupo almoça junto todos os dias. As refeições vêm quase que totalmente do quintal, onde eles criam pequenos animais e plantam hortaliças, legumes e frutas.

“A gente transformou o que era casa e o que sempre foi a casa nos últimos seis mil anos de civilização. A casa, a não ser a casa de pouquíssimos nobres, sempre foi um centro de produção. Um lugar onde se produz não só vida, mas se produzia coisas concretas: roupas, comida, a própria casa, os móveis. Muito recentemente, não estamos falando em mais de 60 anos, a gente vem em um processo, que se acelerou nos últimos 20 anos de uma maneira especial, no qual a casa deixou de ser um centro de produção e passou a ser um centro de consumo. É nisso que se centraliza o estilo de vida que a gente tenta colocar aqui”, define Oliver.

O dentista conta que, com a decisão de parar de atuar no consultório, a renda dele reduziu 80%. Mesmo assim, a vida que hoje ele leva faz mais sentido. Questionado se é mais feliz ao viver de uma maneira mais simples, ele diz: “Eu tenho muito mais momentos de alegria. Eu tenho menos estresse. Eu consigo perceber uma dose muito maior de lealdade na minha vida. Se isso tudo for sinônimo de felicidade, a resposta seria sim. Mas eu descobri que tem coisa que é bem mais importante do que ser feliz, é fazer sentido”.

“Eu não sei quanto custa o tempo que eu passo de qualidade com a minha filha. Eu não sei quanto custa a comida boa que eu como com os meus amigos todo dia. Eu não sei dizer quanto custa ou quanto custaria, isso é, se seria possível através do dinheiro, eu dormir do jeito que eu durmo, eu estar cercado de gente boa como eu estou. Eu avalio é que, antes, eu tinha uma angústia enorme de ter que ganhar dinheiro para conseguir coisas que me satisfizessem momentaneamente, alguma necessidade que eu supusesse que eu tinha e não, necessariamente, me desse alegria, prazer, tempo com a minha esposa e com a minha filha, com meus amigos, tempo para pensar, para estudar”, explica Oliver.

Simplicidade

O filósofo e professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), Jelson Oliveira, está escrevendo um livro sobre o tema: “Simplicidade”, previsto para ser lançado ainda em 2013. Ele relata que, com o crescimento do número de ofertas e de facilidades de acesso aos bens de consumo, as pessoas devem se dar conta da necessidade de “colocar freios voluntários”.

“Cada vez mais temos aumentado o excesso de oferta. Tudo é em excesso: informação, produtos, oferta desde educação até igreja. Em cada esquina tem alguém oferecendo ‘n’ oportunidades para a gente. Quanto mais isto acontece, mais a gente recua no tempo e mais a gente parece que quer buscar aquilo que Epicuro [filósofo grego] chamou de ‘simplicidade’ ou ‘autarquia’. Buscou a ideia de que a gente precisa viver encontrando dentro de nós mesmos os motivos da felicidade”.

De acordo com o professor, o conceito de sustentabilidade, tão em voga na atualidade, está diretamente relacionado à simplicidade. “Significa: eu posso optar por não fazer agora. Eu posso optar por não tomar banho de uma hora porque as gerações do futuro vão precisar de água. Eu não posso hipotecar essa possibilidade em troca da minha realização pessoal, individual, agora. Aí caímos no problema do individualismo da nossa cultura e do egoísmo. Somos sociedade de massa em que o indivíduo foi atomizado. A gente vive como se só que a gente faz, o nosso prazer, é só isso que interessa; e do ponto de vista da sociedade isto não é possível. Nenhuma sociedade se ergue sobre o egoísmo de um indivíduo”, explica.

Na avaliação de Oliveira, a iniciativa de viver de maneira mais simples é de pessoas que já tiveram acesso aos bens de consumo e perceberam o quão danoso pode ser no ponto de vista espiritual e da felicidade e, por essa razão, decidiram recuar.

Reflexão

Aos interessados em viver com mais simplicidade, o professor concede algumas dicas, como pensar sobre as ações e sobre a realidade para, então, dar o primeiro passo. “Não se trata de quebrar tudo que a gente tem e dizer ‘não, não quero’. Trata-se de refletir sobre como vamos usar essas coisas de uma forma mais intensa”.

“Meu exemplo é sempre o do vinho. Se eu compro um vinho, eu posso comprar um caro ou barato, não interessa quanto o que eu posso pagar no vinho, o que interessa é como eu vou usar este vinho. Eu bebo este vinho, chamei a pessoa que eu amo e bebo aquela noite e sou muito feliz. Qualquer coisa que eu tomar depois, muito mais caro ou melhor, meu corpo anula aquela possibilidade de que eu usufrua daquela segunda, terceira, ou quarta garrafa de vinho da mesma forma que usufruí da primeira”, exemplifica.

Ele orienta a mudança a partir de coisas práticas do dia a dia, como não pegar sacolas plásticas no supermercado, separar o lixo, deixar o carro em casa e usar a bicicleta. “Práticas cotidianas que advém de um cuidado, um gesto reflexivo”.

“A simplicidade é o valor mais urgente do nosso tempo. Eu me recuso a acreditar que o ser humano autêntico é esse ser humano da correria. É esse ser humano dos milhões de compromissos, cheio de dependências das coisas exteriores. Eu acho que o ser humano autêntico é o ser humano capaz de se relacionar de forma mais honesta, de forma mais bonita, mais justa com os outros, consigo mesmo, quem sabe com a natureza e, quem sabe, até com Deus”.



sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Síria se desintegra em meio a sexo, mentiras e videotape


O jornalista americano Boake Carter disse, em 1938, que "em tempos de guerra, a primeira vítima é a verdade", frase que se tornou célebre e foi confirmada por todas as guerras seguintes.

Enquanto a Síria se esfacela como nação, fica quase impossível saber o que é verdade ou mentira nas notícias que saem de lá, conforme artigo publicado no Estadão de 13/10/13:

A jihad do sexo

As principais mentiras elaboradas pela campanha de desinformação do ditador sírio, Bashar Assad

Christoph Reuters, do Der Spiegel

Sexo vende. E a Al-Qeda está impaciente por chamar a atenção. Mas a combinação de ambos - sexo e jihad - é irresistível. Dezenas de jovens mulheres estão se oferecendo aos jihadistas, segundo uma das mais recentes histórias de horror da mídia procedentes da Síria. Um xeque da Arábia Saudita teria emitido uma fatwa que permite que adolescentes proporcionem alívio a combatentes sexualmente frustrados.

No fim de setembro, Rawan Qadah, de 16 anos, apareceu na TV síria e deu um relato detalhado de como teve de satisfazer sexualmente um insurgente extremista. Quando o ministro do Interior da Tunísia informou que as jovens do seu país estavam viajando para a Síria para a jihad do sexo - e mantinham relações sexuais com 20, 30 e até mesmo 100 rebeldes -, a história ganhou as manchetes dos jornais alemães. Na Alemanha, os sites do Bild, tabloide de grande circulação, e da revista Focus atraem os leitores com artigos sobre essa "prática bizarra".

Na esteira do massacre com gás tóxico, dia 21 de agosto, Damasco lançou uma importante ofensiva de relações públicas. Mas, além da propaganda oficial, há uma segunda campanha: uma iniciativa secreta e cuidadosamente elaborada para semear a dúvida e desviar a atenção dos crimes do governo. Como muitos desses artigos fictícios, as histórias da jihad do sexo tentam convencer os críticos no exterior da monstruosa depravação dos rebeldes.

Nenhum outro líder da região - nem Saddam Hussein, no Iraque, nem Muamar Kadafi, na Líbia - recorreu a uma propaganda tão maciça quanto Bashar Assad. Sua equipe de relações públicas divulga incessantemente notícias parcialmente ou completamente fabricadas, referentes a atos terroristas contra cristãos, aumento do poderio da Al-Qaeda e a iminente desestabilização da região. As histórias, veiculadas por TVs russas e iranianas e por emissoras cristãs, acabaram sendo transmitidas pela mídia ocidental.

Um exemplo é a lenda das orgias realizadas com terroristas. A menina de 16 anos apresentada na TV estatal pertence a uma destacada família da oposição, em Deraa. Como o regime não conseguiu capturar seu pai, ela foi sequestrada pelas forças de segurança quando voltava da escola, em novembro de 2012.

No mesmo programa, uma segunda mulher confessou que teve de se submeter a práticas sexuais em grupo com membros da fanática Frente Nusra. Entretanto, segundo a família da jovem, ela foi presa na Universidade de Damasco enquanto participava de um protesto contra Assad. Ambas estão desaparecidas. Suas famílias dizem que foram forçadas a fazer declarações na TV, que a história da jihad do sexo é mentira.

Uma suposta jihadista do sexo da Tunísia também desmentiu as notícias quando foi ouvida pela mídia árabe. "É tudo mentira", afirmou. Ela admitiu que esteve na Síria, mas como enfermeira. Diz que é casada e, desde então, fugiu para a Jordânia.

Duas organizações de defesa dos direitos humanos tentaram averiguar as informações sobre a jihad do sexo, mas não conseguiram nada de concreto. Parece que o ministro do Interior da Tunísia tinha outros motivos para acreditar no boato: centenas de islamistas deixaram seu país e viajaram para a Síria - e ele tenta conter essa migração desacreditando os combatentes. O xeque Mohamed al-Arifi, que estaria por trás da fatwa da jihad do sexo, desmente tudo. "Ninguém em seu juízo perfeito aprovaria isso."

É difícil checar todas as histórias de horror na guerra síria. Isso ocorre quando elas são difundidas de maneira indireta, como o caso da maioria dos relatos sobre a perseguição de cristãos. Isso inclui a foto de uma mulher amarrada a um pilar em Alepo, que apareceu no site LiveLeak, em setembro, como se fosse uma cristã que havia sido sequestrada por rebeldes da Al-Qaeda. Na realidade, embora a foto tenha sido tirada em Alepo, ela data do período em que as tropas de Assad ainda controlavam a cidade. Um vídeo da cena, postado no YouTube no dia 12 de junho de 2012, mostra milícias leais ao regime repreendendo energicamente a mulher.

O regime também forjou a lenda da destruição da aldeia cristã de Maaloula. No início de setembro, rebeldes pertencentes grupos radicais atacaram dois postos militares nos arredores da cidade controlada pelas milícias Shabiha, leais a Assad. Em seguida, os rebeldes se retiraram. O regime, porém, deu a seguinte versão, que chegou a ser publicada pela Associated Press: Terroristas estrangeiros saquearam, queimaram igrejas e ameaçaram decapitar cristãos que se recusaram a converter-se ao Islã.

A história não correspondia aos relatos das freiras do convento de Thekla, em Maaloula, e do patriarca grego ortodoxo de Antioquia. Eles disseram que nada foi danificado e ninguém foi ameaçado. Um repórter russo esclareceu involuntariamente a confusão. Enquanto acompanhava o Exército sírio, ele filmou o ataque a Maaloula, no qual o mosteiro foi bombardeado.

A atual interpretação dos eventos é uma política consciente. A maioria das publicações evita os riscos e o esforço de checar as histórias. Os fatos verdadeiros, como aquele em que os jihadistas queimaram uma igreja na cidade de Rakka, no sul da Síria, mesclam-se com as atrocidades inventadas para influenciar a opinião global.

Até as inconsistências mais gritantes são aceitas sem questionamentos. Quando a mídia oficial noticiou que o imã Mohamed al-Buti, que apoia Assad, foi morto por um suicida em sua mesquita, em 21 de março, todos os rebeldes negaram envolvimento com o ataque. É claro que isso não significa muita coisa, mas mesmo um olho pouco treinado perceberia que as fotos não mostravam sinais de explosão: lustres, ventiladores, tapetes estavam intactos.

Havia, porém, buracos de bala numa parede de mármore e poças de sangue mostravam onde os corpos foram encontrados. Muitas das vítimas estavam com sapatos, o que é extremamente inusitado numa mesquita. Também não havia testemunhas. Tudo alimenta a suspeita de que as vítimas tenham sido forçadas a entrar no edifício e foram assassinadas, para montar o cenário de um ataque que nunca ocorreu.

Depois do ataque com gás sarin, em agosto, a propaganda falhou. Enfrentando uma onda global de indignação, o regime fracassou em explicar a situação. Em primeiro lugar, Assad disse que nada ocorrera. Então, a TV estatal mostrou imagens de um esconderijo rebelde com um tambor com o letreiro descaradamente óbvio "Made in Saudia (sic)". A notícia dizia que se tratava de gás da Arábia Saudita para os "terroristas", que inadvertidamente teriam se envenenado e morrido.

A fonte da história era um site desconhecido, o Mint Press, de Minnesota, norte dos EUA. Um dos autores disse que não tinha nada a ver com o caso. O outro, um jovem jordaniano que usa vários pseudônimos, limitou-se a dizer que estudava no Irã. Entretanto, em um comentário online a um artigo do jornal britânico Daily Mail, ele deu os detalhes que faltavam.

"Algumas pessoas chegaram a Damasco provenientes da Rússia. Fiz amizade com uma delas - que me contou que tinha provas de que os rebeldes haviam usado armas químicas." Dias mais tarde, o chanceler russo citou o artigo como prova da inocência de Assad.

Uma explicação diferente foi apresentada à TV britânica Sky News pela assessora de Assad, Buthaina Shaaban. Ela disse que terroristas haviam sequestrado 300 crianças alauitas, que foram levadas para Damasco e assassinadas para que pudessem ser apresentadas como vítimas. Agora, surge uma nova linha de defesa. Em entrevista à Der Spiegel, Assad diz que o sarin é um gás "de cozinha", porque pode ser feito "em qualquer lugar".

Embora Assad acoberte seus crimes com uma intensa campanha da mídia, ele prefere uma reunião com a imprensa para contar diretamente sua versão. Assim, ele apresenta seu regime como o último baluarte contra o terror global, embora costume ordenar ataques que atribui aos seus adversários. (Tradução de Anna Capovilla)



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