sábado, 30 de novembro de 2013

Açafrão contra depressão

Se é eficaz, não nos arriscamos a dizer, mas não deixa de ser curiosa essa matéria da Folha Social:

Estudo aponta que o Açafrão é tão eficaz quanto o Prozac no tratamento da depressão

Pesquisadores realizaram um estudo comparando os efeitos da cúrcuma (açafrão-de-terra) e o Prozac (fluoxetina). O estudo constatou que o açafrão é tão eficaz quanto o Prozac no tratamento do transtorno depressivo maior.

Traduzido e adaptado do site Collective Evolution

Pesquisadores do Departamento de Farmacologia do Governo Medical College em Bhavnagar, Gujarat, Índia realizaram um estudo comparando os efeitos da cúrcuma (açafrão-de-terra) e do Prozac (fluoxetina). O estudo constatou que o açafrão randomizado e controlado foi tão eficaz quanto o Prozac no tratamento do transtorno depressivo maior. O tratamento com o açafrão conforme o estudo, evita os efeitos secundários perigosos frequentemente encontrados no uso do Prozac.

Os objetivos do estudo foi comparar a eficácia e a segurança da curcumina com a fluoxetina (Prozac) em pacientes com transtorno depressivo maior (MDD). O estudo observou 60 pacientes diagnosticados com transtorno depressivo maior. Os pacientes foram distribuídos aleatoriamente numa proporção de 01:01:01 por seis semanas em um tratamento observado usando fluoxetina (20 mg) e curcumina (1000 mg), tanto individualmente ou em combinação. Para determinar a eficácia de cada tratamento, a principal variável utilizada foi a taxa de resposta de acordo com a Escala de Avaliação de Depressão de Hamilton, versão de 17 itens (HAM-D17). Eles também empregaram uma segunda variável de eficácia, que analisou a alteração média na HAM-D17 após o período de observação de seis semanas.

Cúrcuma é uma planta herbácea da família do gengibre. As pessoas podem reconhecer melhor pelo nome de açafrão, já que é um tempero muito utilizado na culinária. A curcumina composto ativo é conhecido por ter uma vasta gama de benefícios, incluindo medicamentos anti-inflamatórios, anti-oxidantes, antitumoral, anti-bacteriano, e as atividades antivirais. Na Índia, a cúrcuma tem sido usado por milhares de anos como um remédio para o estômago e doenças do fígado. A cúrcuma também pode ser usada tipicamente para curar feridas, devido às suas propriedades antimicrobianas.

De acordo com o estudo:

Observou-se que a curcumina foi bem tolerada por todos os pacientes. A proporção de indivíduos que responderam como as medidas da escala de HAM-D17 foi a maior no grupo combinado (77,8%) do que na fluoxetina (64,7%) e a curcumina (62,5%), no entanto, estes dados não foram estatisticamente significativos (P = 0,58). Curiosamente, a alteração média na pontuação HAM-D17 ao fim de seis semanas, foi comparável em todos os três grupos (P = 0,77). Este estudo fornece a primeira evidência clínica de que a curcumina pode ser usado como uma modalidade eficaz e segura para o tratamento de pacientes com TDM sem ideação suicida concomitante ou outros transtornos psicóticos.

Isto marca o primeiro estudo publicado através de um ensaio clínico randomizado e controlado, o que indica a eficácia do açafrão (curcumina) no tratamento da depressão grave. Os resultados mostram que a cúrcuma, é tão eficaz quanto o Prozac e, possivelmente, mais eficaz do que as outras drogas contra a depressão . É importante notar que o estudo não leva em conta os efeitos negativos (efeitos colaterais) que vêm com Prozac. Prozac é conhecido por causar ideação suicida e / ou outras perturbações psicóticas, no entanto, estes não estão presentes no tratamento com açafrão. O uso de cúrcuma como um tratamento para a depressão é mais seguro e menos desgastante para o corpo, quando comparado com o tratamento com fármacos. Estes resultados não são surpreendentes, dada a comparação de tratamentos sintéticos vs natural.

O mercado das drogas anti-depressivas atingem lucros anuais de cerca de US $ 12 bilhões. Este número deverá aumentar para 13,5 bilhões dólares em 2018. Estes medicamentos não ajudam a curar depressões, mas sim mascarar os sintomas e criar uma vida longa de dependência deles. Utilizando tratamentos naturais, juntamente com uma abordagem holística de avaliar estilo de vida, dieta e as causas da depressão, é uma abordagem muito mais eficaz tanto em custo e cura dos doentes. É importante ter em mente que a indústria farmacêutica é um negócio antes de qualquer outra coisa. Estamos vendo um crescente corpo de evidências que sugerem tratamentos naturais são muito mais seguros e eficazes no tratamento de uma variedade de doenças, distúrbios e doenças.



sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Quando um neonazista descobre que é 14% negro

Trisha Goddard é uma atriz e apresentadora britânica de televisão, que atualmente comanda um programa que leva o seu nome, The Trisha Goddard Show, na norteamericana NBC.

Nas últimas semanas, Trisha tem promovido uma série de programas sobre o racismo nos Estados Unidos, e um neonazista defensor da assim chamada "supremacia branca" compareceu ao show e se dispôs a fazer um exame de DNA para determinar suas raízes genéticas.

O sujeito em questão, Craig Cobb, tem 62 anos de idade e diz seguir a "religião do Criador" que, segundo alega, "favorece a consciência racial".

Cobb vem tentando criar um "enclave branco" no Estado de North Dakota, comprando pouco a pouco terras na pequena cidade de Leith, apesar da oposição dos ativistas locais contra o seu projeto eminentemente racista.

Pois bem, aceito o desafio do teste de DNA, Cobb voltou ao programa para saber o resultado, e teve uma desagradável surpresa.

Conforme você pode ver no vídeo abaixo, ou aqui - http://youtu.be/pLoel5EKT34 - se ele não estiver disponível - Trisha literalmente esfrega na cara"de Cobb o perfil do seu DNA, que mostra que ele é 86% caucasiano e (pasme!) 14% africano subsaariano.

O desconforto do neonazista diante do resultado é gritante, mas ele não se dá por vencido, dizendo que a genética é mais uma "baboseira".

Entrevistado pelo jornal britânico The Independent, Cobb disse que os resultados do exame de DNA são uma "ciência de carochinha" utilizada pelo programa para "promover o multiculturalismo"

Delicie-se com esse momento deliciosamente constrangedor da televisão americana:




quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Católicos alemães estão abandonando a igreja

Matéria publicada no IHU:

Os católicos alemães dão as costas à Igreja

Algo incrível. O jornal alemão General Anzeiger, um dos meios fundamentais da zona católica da Renânia, estampou, na última sexta-feira a seguinte manchete na capa: “Os católicos dão as costas à sua Igreja”. É uma voz de alerta para todos os católicos. Diz o jornal: “Em muitas partes da Alemanha, cada vez mais católicos dão as costas à Igreja”. A razão disto – entre outras coisas – é o caso do bispo de Limburg, Franz-Peter Tebartz von Elst. Na cidade de Colônia, por exemplo, na última semana abandonaram a Igreja católica 571 fiéis, quantidade duas vezes maior que na semana anterior. Mais dramática ainda é a situação em Bonn, cidade com menos habitantes, onde 312 tomaram esta decisão.

A reportagem é de Osvaldo Bayer e publicada no jornal argentino Página/12, 09-11-2013. A tradução é de André Langer.

Como se sabe, na Alemanha, cada cidadão declara a que religião pertence e assim 2% do seu salário ou de seus ganhos são descontados automaticamente e que vão diretamente para a entidade religiosa em questão. Em outros distritos, somente no mês de outubro saiu o mesmo número do total dos anos 2011 e 2012. Outras duas razões dadas pelos que se desfiliam é o abuso de crianças cometido por sacerdotes católicos, obrigados ao voto de castidade.

O editorialista desse jornal assinala na mesma edição, em um artigo intitulado “Números dramáticos”: “Não há nenhuma dúvida, o movimento de abandono dos fiéis da Igreja católica pode ser qualificado como dramático. O motivo para dar este passo de afastar-se da Igreja, já pensado há muito tempo, em última instância, foi o escândalo do bispo católico Tebartz von Elst. Mas como disse um representante evangélico ‘deve-se também à reação aos abusos de crianças cometidos pelos sacerdotes católicos em suas escolas, e cujo preço também nós, os evangélicos, pagamos qualificados também como culpados, sem ter a mesma culpa’. Uma espécie de ‘responsabilidade coletiva’”.

Outras fontes assinalam que o motivo principal da reação dos que se vão é que o Papa argentino, em vez de tomar uma medida necessária, isto é, deixar cessante o bispo Tebartz, por seu negócio de 31 milhões de euros para fazer melhorias na sua residência, deu-lhe um período de reflexão e descanso em um convento da Alemanha. No jornal Frankfurter Rundschau saiu um artigo em que o autor se dirige ao Papa: “Como é possível que você, que prega a humildade e a modéstia, pode agir assim condenando, pela dilapidação do dinheiro, o seu bispo a apenas um ‘descanso’ em um convento? Por que, em vez de enviá-lo de férias, não o enviou à África, a algum lugar isolado e abandonado por Deus para levar pão aos famintos? Sua atitude, senhor, me fez perder essa primeira impressão sobre você, como homem e como Papa”.

O fato é que os acontecimentos ficaram ainda mais conturbados depois das declarações do reitor da escola papal de sacerdotes Anima de Roma, Franz Xaver Brandmayr, que depois da conversa do Papa com o bispo acusado, assinalou: “Foi uma conversa em que houve compreensão e empenho das duas partes de chegar a uma solução e esclarecimento dos fatos. E o bispo Tebartz von Elst está disposto a voltar à sua diocese”.

Enquanto isso, seguem os abandonos de membros das ordens católicas. Segundo o próprio Vaticano, por ano, abandonam suas ordens 3.000 membros. O mesmo ocorre com as congregações femininas, que em dez anos viram seus efetivos se reduzirem de 792.100 para 713.000. Números que falam por si.

O positivo de tudo isso é que começou a discussão interna em uma das religiões mais difundidas pelo mundo, a católica. Mas, claro, não é o principal problema. A humanidade tem outros dramas que deve, irreversivelmente, discutir e solucionar. Um deles é a prostituição, isto é, o abuso do corpo da mulher. E outro é o trabalho infantil, que inclui “a fome de nossas crianças”. Um tema tão urgente e tão dissimulado pelos poderes dominantes do mundo. Justamente aqui, na Alemanha, começou a discussão: proibir ou não proibir a prostituição. Começou com o projeto apresentado por um grupo de notáveis que pedem a abolição para sempre da prostituição. É um tema difícil. Começou o debate. Muitos intelectuais sustentam que a mulher deve ser dona de seu próprio corpo. O que se deve proibir e perseguir são as organizações ou indivíduos que escravizam a mulher obtendo lucros do produto do negócio do sexo. Uma discussão que vem de séculos e que tem a ver com a vigilância policial, que também durante séculos simulou vigiar, mas que é parte do negócio.

A sociedade deve aconselhar e proteger a mulher. Convencer de que a prostituição é uma profissão pouco digna. Porque se coloca em jogo nada menos que o corpo feminino que a natureza dotou para o amor, a beleza e a maternidade. Mas, é possível isso em um mundo de violências? Basta ler esta informação: “Todos os anos 7,3 milhões de crianças e jovens menores de 18 anos dão à luz a um filho. Dois milhões delas são menores de 14 anos.” A informação é do relatório do Fundo Populacional das Nações Unidas (Unepa). Isto traz problemas físicos e sociais. Sim, 60.000 crianças morrem no mundo todos os anos por complicações ao dar à luz ou por complicações na gravidez. Quase todas essas gravidezes provêm de abusos sexuais. Realizados pelo homem. Claro, é muito ilusório pensar que permitindo a prostituição iria diminuir a violação de adolescentes. Mas é um argumento dos que promovem a prostituição livre, sem intermediários, para solucionar as necessidades masculinas. Sem permitir a escravidão de mulheres por organizações criminosas que promovem a prostituição por meio da violência, provocando assim a escravidão verdadeira dessas mulheres escravizadas com esse ofício. Um tema a ser discutido. O que é indiscutível é castigar qualquer instituição que promove a prostituição escravizando as mulheres.

E como ponto final desta nota, uma vergonha a mais do ser chamado humano: o trabalho infantil. Por exemplo, na Índia, trabalham na indústria da pedra nada mais nada menos que 150.000 crianças. Na Bolívia, atualmente, há um milhão de crianças trabalhando. No Brasil, quatro milhões de crianças que são obrigadas a trabalhar. A lista é interminável. O sistema que domina o mundo não foi capaz sequer de ver com olhos humanos as crianças. O homem permite que a criança seja explorada para obter mais lucros. Verdades que enchem de tristeza. Nem as religiões, nem as organizações internacionais, nem o ser humano em geral foi capaz de procurar uma infância feliz para todas as crianças do mundo. Viramos a página aqui. Para guardar, pelo menos, um pouco de esperança. Porque algo se move.

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Quando um opositor à política de quotas raciais muda de opinião

Aqui no blog nunca escondemos de ninguém que somos a favor das políticas de quotas (ou cotas) étnicas, conforme se pode perceber clicando na tag "ação afirmativa", onde apresentamos as razões que nos levam a ter esta posição.

Por isso, ficamos particularmente satisfeitos quando vemos um opositor dessa política sentir na prática o que elas significam, tendo a coragem e - sobretudo - a humildade de rever a sua posição.

É este, inclusive, o caminho dialético que propomos ao debater a questão. Em vez dos argumentos rasteiros que alguns levantam, se você se opõe a essa política, tenha ao menos a disponibilidade de discutir o tema de maneira racional e construtiva.

Afinal, como também acreditamos, a ação afirmativa não é uma política pública que se pretende eterna, mas ela deve funcionar com um razoável prazo de validade a fim de ajustar o enorme desnível social e - em larga proporção - étnico do Brasil.

O depoimento do juiz federal William Douglas, publicado no Pragmatismo Político, deve ser conhecido e divulgado:



William Douglas, juiz federal (RJ), mestre em Direito (UGF), especialista em Políticas Públicas
 e Governo (EPPG/UFRJ), professor e escritor, caucasiano e de olhos azuis

Por que me tornei a favor das cotas para negros

Cotas para negros: por que mudei de opinião. Juiz federal, mestre em Direito e ferrenho opositor das cotas explica as razões que o fizeram mudar de ideia



Roberto Lyra, Promotor de Justiça, um dos autores do Código Penal de 1940, ao lado de Alcântara Machado e Nelson Hungria, recomendava aos colegas de Ministério Público que “antes de se pedir a prisão de alguém deveria se passar um dia na cadeia”. Gênio, visionário e à frente de seu tempo, Lyra informava que apenas a experiência viva permite compreender bem uma situação.

Quem procurar meus artigos, verá que no início era contra as cotas para negros, defendendo – com boas razões, eu creio – que seria mais razoável e menos complicado reservá-las apenas para os oriundos de escolas públicas. Escrevo hoje para dizer que não penso mais assim. As cotas para negros também devem existir. E digo mais: a urgência de sua consolidação e aperfeiçoamento é extraordinária.

Embora juiz federal, não me valerei de argumentos jurídicos. A Constituição da República é pródiga em planos de igualdade, de correção de injustiças, de construção de uma sociedade mais justa. Quem quiser, nela encontrará todos os fundamentos que precisa. A Constituição de 1988 pode ser usada como se queira, mas me parece evidente que a sua intenção é, de fato, tornar esse país melhor e mais decente. Desde sempre as leis reservaram privilégios para os abastados, não sendo de se exasperarem as classes dominantes se, umas poucas vezes ao menos, sesmarias, capitanias hereditárias, cartórios e financiamentos se dirigirem aos mais necessitados.

Não me valerei de argumentos técnicos nem jurídicos dado que ambos os lados os têm em boa monta, e o valor pessoal e a competência dos contendores desse assunto comprovam que há gente de bem, capaz, bem intencionada, honesta e com bons fundamentos dos dois lados da cerca: os que querem as cotas para negros, e os que a rejeitam, todos com bons argumentos.

Por isso, em texto simples, quero deixar clara minha posição como homem, cristão, cidadão, juiz, professor, “guru dos concursos” e qualquer outro adjetivo a que me proponha: as cotas para negros devem ser mantidas e aperfeiçoadas. E meu melhor argumento para isso é o aquele que me convenceu a trocar de lado: “passar um dia na cadeia”. Professor de técnicas de estudo, há nove anos venho fazendo palestras gratuitas sobre como passar no vestibular para a EDUCAFRO, pré-vestibular para negros e carentes.

Mesmo sendo, por ideologia, contra um pré-vestibular “para negros”, aceitei convite para aulas como voluntário naquela ONG por entender que isso seria uma contribuição que poderia ajudar, ou seja, aulas, doação de livros, incentivo. Sempre foi complicado chegar lá e dizer minha antiga opinião contra cotas para negros, mas fazia minha parte com as aulas e livros. E nessa convivência fui descobrindo que se ser pobre é um problema, ser pobre e negro é um problema maior ainda.

Meu pai foi lavrador até seus 19 anos, minha mãe operária de “chão de fábrica”, fui pobre quando menino, remediado quando adolescente. Nada foi fácil, e não cheguei a juiz federal, a 350.000 livros vendidos e a fazer palestras para mais de 750.000 pessoas por um caminho curto, nem fácil. Sei o que é não ter dinheiro, nem portas, nem espaço. Mas tive heróis que me abriram a picada nesse matagal onde passei. E conheço outros heróis, negros, que chegaram longe, como Benedito Gonçalves, Ministro do STJ, Angelina Siqueira, juíza federal. Conheço vários heróis, negros, do Supremo à portaria de meu prédio.

Apenas não acho que temos que exigir heroísmo de cada menino pobre e negro desse país. Minha filha, loura e de olhos claros, estuda há três anos num colégio onde não há um aluno negro sequer, onde há brinquedos, professores bem remunerados, aulas de tudo; sua similar negra, filha de minha empregada, e com a mesma idade, entrou na escola esse ano, escola sem professores, sem carteiras, com banheiro quebrado. Minha filha tem psicóloga para ajudar a lidar com a separação dos pais, foi à Disney, tem aulas de Ballet. A outra, nada, tem um quintal de barro, viagens mais curtas. A filha da empregada, que ajudo quanto posso, visitou minha casa e saiu com o sonho de ter seu próprio quarto, coisa que lhe passou na cabeça quando viu o quarto de minha filha, lindo, decorado, com armário inundado de roupas de princesa. Toda menina é uma princesa, mas há poucas das princesas negras com vestidos compatíveis, e armários, e escolas compatíveis, nesse país imenso. A princesa negra disse para sua mãe que iria orar para Deus pedindo um quarto só para ela, e eu me incomodei por lembrar que Deus ainda insiste em que usemos nossas mãos humanas para fazer Sua Justiça. Sei que Deus espera que eu, seu filho, ajude nesse assunto. E se não cresse em Deus como creio, saberia que com ou sem um ser divino nessa história, esse assunto não está bem resolvido. O assunto demanda de todos nós uma posição consistente, uma que não se prenda apenas à teorias e comece a resolver logo os fatos do cotidiano: faltam quartos e escolas boas para as princesas negras, e também para os príncipes dessa cor de pele.

Não que tenha nada contra o bem estar da minha menina: os avós e os pais dela deram (e dão) muito duro para ela ter isso. Apenas não acho justo nem honesto que lá na frente, daqui a uma década de desigualdade, ambas sejam exigidas da mesma forma. Eu direi para minha filha que a sua similar mais pobre deve ter alguma contrapartida para entrar na faculdade. Não seria igualdade nem honesto tratar as duas da mesma forma só ao completarem quinze anos, mas sim uma desmesurada e cruel maldade, para não escolher palavras mais adequadas.

Não se diga que possamos deixar isso para ser resolvido só no ensino fundamental e médio. É quase como não fazer nada e dizer que tudo se resolverá um dia, aos poucos. Já estamos com duzentos anos de espera por dias mais igualitários. Os pobres sempre foram tratados à margem. O caso é urgente: vamos enfrentar o problema no ensino fundamental, médio, cotas, universidade, distribuição de renda, tributação mais justa e assim por diante. Não podemos adiar nada, nem aguardar nem um pouco.

Foi vendo meninos e meninas negros, e negros e pobres, tentando uma chance, sofrendo, brilhando nos olhos uma esperança incômoda diante de tantas agruras, que fui mudando minha opinião. Não foram argumentos jurídicos, embora eu os conheça, foi passar não um, mas vários “dias na cadeia”. Na cadeia deles, os pobres, lugar de onde vieram meus pais, de um lugar que experimentei um pouco só quando mais moço. De onde eles vêm, as cotas fazem todo sentido.

Se alguém discorda das cotas, me perdoe, mas não devem faze-lo olhando os livros e teses, ou seus temores. Livros, teses, doutrinas e leis servem a qualquer coisa, até ao nazismo. Temores apenas toldam a visão serena. Para quem é contra, com respeito, recomendo um dia “na cadeia”. Um dia de palestra para quatro mil pobres, brancos e negros, onde se vê a esperança tomar forma e precisar de ajuda. Convido todos que são contra as cotas a passar conosco, brancos e negros, uma tarde num cursinho pré-vestibular para quem não tem pão, passagem, escola, psicólogo, cursinho de inglês, ballet, nem coisa parecida, inclusive professores de todas as matérias no ensino médio.

Se você é contra as cotas para negros, eu o respeito. Aliás, também fui contra por muito tempo. Mas peço uma reflexão nessa semana: na escola, no bairro, no restaurante, nos lugares que freqüenta, repare quantos negros existem ao seu lado, em condições de igualdade (não vale porteiro, motorista, servente ou coisa parecida). Se há poucos negros ao seu redor, me perdoe, mas você precisa “passar um dia na cadeia” antes de firmar uma posição coerente não com as teorias (elas servem pra tudo), mas com a realidade desse país. Com nossa realidade urgente. Nada me convenceu, amigos, senão a realidade, senão os meninos e meninas querendo estudar ao invés de qualquer outra coisa, querendo vencer, querendo uma chance.

Ah, sim, “os negros vão atrapalhar a universidade, baixar seu nível”, conheço esse argumento e ele sempre me preocupou, confesso. Mas os cotistas já mostraram que sua média de notas é maior, e menor a média de faltas do que as de quem nunca precisou das cotas. Curiosamente, negros ricos e não cotistas faltam mais às aulas do que negros pobres que precisaram das cotas. A explicação é simples: apesar de tudo a menos por tanto tempo, e talvez por isso, eles se agarram com tanta fé e garra ao pouco que lhe dão, que suas notas são melhores do que a média de quem não teve tanta dificuldade para pavimentar seu chão. Somos todos humanos, e todos frágeis e toscos: apenas precisamos dar chance para todos.

Precisamos confirmar as cotas para negros e para os oriundos da escola pública. Temos que podemos considerar não apenas os deficientes físicos (o que todo mundo aceita), mas também os econômicos, e dar a eles uma oportunidade de igualdade, uma contrapartida para caminharem com seus co-irmãos de raça (humana) e seus concidadãos, de um país que se quer solidário, igualitário, plural e democrático. Não podemos ter tanta paciência para resolver a discriminação racial que existe na prática: vamos dar saltos ao invés de rastejar em direção a políticas afirmativas de uma nova realidade.

Se você não concorda, respeito, mas só se você passar um dia conosco “na cadeia”. Vendo e sentindo o que você verá e sentirá naquele meio, ou você sairá concordando conosco, ou ao menos sem tanta convicção contra o que estamos querendo: igualdade de oportunidades, ou ao menos uma chance. Não para minha filha, ou a sua, elas não precisarão ser heroínas e nós já conseguimos para elas uma estrada. Queremos um caminho para passar quem não está tendo chance alguma, ao menos chance honesta. Daqui a alguns poucos anos, se vierem as cotas, a realidade será outra. Uma melhor. E queremos você conosco nessa história.

Não creio que esse mundo seja seguro para minha filha, que tem tudo, se ele não for ao menos um pouco mais justo para com os filhos dos outros, que talvez não tenham tido minha sorte. Talvez seus filhos tenham tudo, mas tudo não basta se os filhos dos outros não tiverem alguma coisa. Seja como for, por ideal, egoísmo (de proteger o mundo onde vão morar nossos filhos), ou por passar alguns dias por ano “na cadeia” com meninos pobres, negros, amarelos, pardos, brancos, é que aposto meus olhos azuis dizendo que precisamos das cotas, agora.

E, claro, financiar os meninos pobres, negros, pardos, amarelos e brancos, para que estudem e pelo conhecimento mudem sua história, e a do nosso país comum pois, afinal de contas, moraremos todos naquilo que estamos construindo.

Então, como diria Roberto Lyra, em uma de suas falas, “O sol nascerá para todos. Todos dirão – nós – e não – eu. E amarão ao próximo por amor próprio. Cada um repetirá: possuo o que dei. Curvemo-nos ante a aurora da verdade dita pela beleza, da justiça expressa pelo amor.

Justiça expressa pelo amor e pela experiência, não pelas teses. As cotas são justas, honestas, solidárias, necessárias. E, mais que tudo, urgentes. Ou fique a favor, ou pelo menos visite a cadeia.



terça-feira, 26 de novembro de 2013

O sol está esfriando. E agora?


A julgar pela matéria abaixo, publicada originalmente no The Wall Street Journal, traduzida pelo Valor Econômico e reproduzida pelo IHU, os profetas do fim do mundo vão nadar de braçada nas águas escatológicas.

Afinal, o esfriamento ou, digamos, "apagamento" do sol é um dos sinais apocalípticos mais comuns da Bíblia.

Apenas para citar alguns exemplos:
Joel 2:10 Diante deles a terra se abala; tremem os céus; o sol e a lua escurecem, e as estrelas retiram o seu resplendor.

Joel 2:31 O sol se converterá em trevas, e a lua em sangue, antes que venha o grande e terrível dia do Senhor.

Joel 3:15 O sol e a lua escurecem, e as estrelas retiram o seu resplendor.

Amós 8:9 E sucederá, naquele dia, diz o Senhor Deus, que farei que o sol se ponha ao meio dia, e em pleno dia cobrirei a terra de trevas.

Apocalipse 6:12 E vi quando abriu o sexto selo, e houve um grande terremoto; e o sol tornou-se negro como saco de cilício, e a lua toda tornou-se como sangue;

Apocalipse 8:12 O quarto anjo tocou a sua trombeta, e foi ferida a terça parte do sol, a terça parte da lua, e a terça parte das estrelas; para que a terça parte deles se escurecesse, e a terça parte do dia não brilhante, e semelhantemente a da noite.

Apocalipse 9:2 E abriu o poço do abismo, e subiu fumaça do poço, como fumaça de uma grande fornalha; e com a fumaça do poço escureceram-se o sol e o ar.
E agora?




Calmaria e 'esfriamento' do Sol intrigam os cientistas

Está acontecendo algo com o sol. Os cientistas dizem que sua atividade atual é a mais estranha de um período de mais de um século, com o sol produzindo metade do número de manchas solares esperado e seus polos magnéticos misteriosamente fora de sintonia.

A reportagem é de Robert Lee Hotz, publicada pelo The Wall Street Journal e reproduzida pelo jornal Valor, 12-11-2013.

O sol gera imensos campos magnéticos à medida que gira. As manchas solares - geralmente maiores em diâmetro do que a Terra - sinalizam áreas de intensa força magnética que provocam tempestades solares disruptivas. Essas tempestades podem abruptamente arremessar partículas carregadas de eletricidade por milhões de quilômetros até a Terra, onde elas podem provocar curtos circuitos em satélites, enfraquecer sinais de telefonia celular ou danificar sistemas elétricos.

Com base em registros históricos, astrônomos dizem que o sol deve se aproximar nos próximos meses do explosivo clímax do seu ciclo de atividade, que tem aproximadamente 11 anos e é chamado de máximo solar. Mas esse pico de agora é "raquítico", diz Jonathan Cirtain, cientista da Nasa, a agência especial americana, envolvido no projeto do satélite japonês Hinode, que mapeia os campos magnéticos do sol.

"Eu diria que ele é o mais fraco dos últimos 200 anos", disse David Hathaway, chefe do grupo de física solar do Centro de Voos Espaciais Marshall, que pertence à Nasa e fica em Huntsville, Alabama.

Os pesquisadores estão intrigados. Eles não têm condições de dizer se a calmaria é temporária ou o início de longas décadas de declínio, o que poderia aliviar um pouco o aquecimento global com a alteração do brilho do sol ou do comprimento de onda da sua luz.

"Não há nenhum cientista vivo que tenha visto um ciclo fraco como este", diz Andrés Munoz-Jaramillo, que estuda o ciclo solar magnético no Centro de Astrofísica Harvard-Smithsonian, de Cambridge, Massachusetts. Além disso, o sol está passando também por uma das mais estranhas conversões magnéticas já registradas.

Normalmente, os polos magnéticos sul e norte do sol invertem a polaridade mais ou menos a cada 11 anos. Durante a reversão, os campos magnéticos nos polos do sol enfraquecem, caem a zero, e então aumentam novamente com a polaridade inversa. Até onde os cientistas sabem, essa variação magnética só é importante porque sinaliza o pico do máximo solar, diz Douglas Biesecker, do Centro de Ambiente Espacial da Nasa.

Mas, neste ciclo, os polos magnéticos do sol estão fora de sincronia, dizem os cientistas solares. O polo norte magnético do sol reverteu sua polaridade há mais de um ano, e está, assim, com a mesma polaridade que o polo sul. "O intervalo entre as duas reversões não costuma ser longo", diz o físico solar Karel Schrijver, do Centro de Tecnologia Avançada da Lockheed Martin, em Palo Alto, Califórnia.

Os cientistas dizem estar perplexos, mas não preocupados, com esse atraso incomum. Eles esperam que o polo sul do sol mude sua polaridade no próximo mês, com base em medições atuais de satélites das alterações dos campos magnéticos.

Ao mesmo tempo, os cientistas não podem explicar a escassez das manchas solares. Embora ainda turbulento, o sol parece fraco em comparação com seu pico de potência nas décadas passadas. "Não é só que há menos manchas solares, mas elas são manchas solares menos ativas", diz Schrijver.

O sol, porém, não está ocioso. Após meses de quietude, ele liberou no espaço grandes fluxos de partículas carregadas cinco vezes em outubro. E ele se agitou novamente na semana passada. Mesmo assim, essas explosões tiveram apenas uma fração da força de máximos solares anteriores.

Como comparação, uma tempestade solar em 2003, perto do pico do último máximo solar, foi a maior da Era Espacial. Apesar de ela ter em grande parte se desviado da Terra, a tempestade desativou um satélite japonês, fez com que os astronautas tivessem de voltar para bordo da Estação Espacial Internacional para se protegerem da radiação, interrompeu operações de perfuração de petróleo e gás no Alasca, mexeu com sistemas de GPS e obrigou o Departamento de Defesa americano a cancelar manobras militares.

À medida que o ciclo solar enfraquecer nos próximos anos como parte do seu ciclo normal, rajadas de partículas carregadas devem se tornar ainda menos frequentes. A atmosfera vai esfriar e se contrair, o que pode estender a vida útil dos satélites ao diminuir a pressão sobre eles.

"Isso deixa todos os operadores de satélites felizes", disse Todd Hoeksema, do Observatório Solar Wilcox, na Universidade de Stanford. "E os astronautas ficam felizes quando não há radiação."

Vários cientistas especularam que o sol pode estar voltando para um estado mais calmo depois de uma era incomum de grande atividade que começou nos anos 40.

"Mais da metade dos físicos solares diria que estamos voltando ao normal", diz o físico Mark Miesch, do observatório HAO, em Boulder, no Colorado, que estuda a dinâmica interna das estrelas. "Poderíamos estar passando por um longo estado de atividade reprimida."

Se for isso, a queda da atividade magnética poderia aliviar o aquecimento global, segundo os cientistas. Mas essa mudança sutil no sol - que reduziria sua luminosidade em cerca de 0,1% - não seria suficiente para compensar o acúmulo de gases de efeito estufa e fuligem que a maioria dos pesquisadores considera a principal causa do aumento das temperaturas globais ao longo do último século.

"Isso pode nos dar uma breve trégua com relação ao aquecimento global", diz Hathaway. "Mas isso não irá brecá-lo."






segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Jogadores evangélicos são barrados no aeroporto de Londres

Uma história no mínimo esquisita relatada pelo UOL:

Barrados, jogadores brasileiros dizem que foram humilhados em Londres

Um grupo de três jogadores e um empresário, todos brasileiros, foi barrado no aeroporto Heathrow, em Londres, quando chegava à Inglaterra para a disputa de dois jogos beneficentes em um clube amador.

Eles afirmam que foram humilhados por agentes de imigração e um deles contou que foi obrigado a "defecar" na frente de um dos guardas. As informações são do jornal O Estado de S.Paulo.

"Me fizeram defecar na frente deles para ver se eu não tinha drogas na barriga", disse José Carlos Viana Junior, um dos jogadores.

O empresário Amarildo Celestino Leão, que é pastor e ministraria uma aula na Inglaterra, disse que a carta-convite enviada pelo Fire United Christian Football Club foi rejeitada pelos agentes. "Segundo o agente da imigração, o inglês era muito fajuto. O documento foi assinado pelo presidente do clube", disse Leão.

O idioma, segundo os jogadores, foi mais motivo de constrangimento. Quando o grupo tentou se defender das acusações, arriscando palavras em inglês, os agentes teriam ridicularizado os brasileiros por causa da falta de fluência na língua local.

Felipe Gil Moreira e Viana Junior foram detidos e tiveram os passaportes carimbados enquanto aguardavam Leão e o outro jogador do grupo, Abner de Souza Vitor.

De acordo com O Estado de S.Paulo, a cópia da notificação do Serviço de Imigração entregue aos brasileiros mostra que a prisão e a deportação foram baseadas na Lei de Imigração, e que os passageiros não tinham informações suficientes e confiáveis. A Embaixada Britânica em Brasília, segundo o jornal, afirmou ter solicitado informações, mas não comentou o processo de deportação.



domingo, 24 de novembro de 2013

A violenta gênese dos deuses gregos

A castração de Urano: afresco por Giorgio Vasari e Cristofano Gherardi, c. 1560 (Sala di Cosimo I, Palazzo Vecchio).

Artigo interessante de Arnóbio Rocha sobre a teogonia grega, publicado originalmente no seu blog, com referências e links para seus trabalhos anteriores, para quem quiser se aprofundar no tema:

A Guerra de Sucessão entre Deuses Gregos

“Zeus te ocultou a vida no dia em que, com a alma em fúria,
se viu ludibriado por Prometeu de pensamentos velhacos.
Desde então ele preparou para os homens tristes cuidados,
privando-os do fogo”.
(Trabalho e Dias – Hesíodo)

Realinhando meus estudos sobre os deuses gregos e suas gerações de poder, já descrita em dois artigos anteriores (Teogonia I – Deuses Primevos e Teogonia II – Deuses do Olimpo), voltarei este trabalho à especulação sobre o destino de Crono, que foi destronado por Zeus na guerra da Titanomaquia. Qual destino de Crono “de curvo pensar” após ser preso no Tártaro pelo seu filho Zeus e sua poderosa aliança com os irmãos Posídon e Hades e o titã Prometeu?

As sucessões nas gerações dos deuses gregos primevos ( e latinos por aproximação) se deram de forma violenta, pois a linguagem corrente era violenta, a força da natureza era a única expressão conhecida. Céu (Urano) deitava-se em amor com a Esposa a deusa Geia(Terra) gerando poderosos filhos, mas devolvia ao ventre materno( Geia/Terra) todos os filhos que nasciam dela, pois temia que um deles fosse mais forte do que ele e o superasse. O ciclo criativo se interrompia pela impiedade do primeiro grande deus das galáxias celestes.

Passados os anos e as épocas, exortado pela mãe, Crono munido de uma foice, instrumento sagrado da colheita, surpreende o pai, Céu (Urano), cortando-lhe o pênis, o centro do poder de um Rei/Deus, ou seja, sua capacidade de fecundar. Daquele corte violento muda o rumo da criação como já dissemos antes “Toda esta linhagem de deuses, a reprodução, miticamente, era feita numa união em que os parceiros possuíam os dois sexos, ou paria sem a necessidade do “outro”. Até Crono, decepar o pênis do Pai( Céu – Urano), dele jorrar no mar esperma(espuma, aphros) e dali, em Chipre, surgir Afrodite, a deusa do Amor, da reprodução sexuada, do prazer carnal. A separação plena do sexo, e a obrigação de que se unissem em “amor” para gerar novas crias. Platão é um dos primeiros a separar esta dualidade, Amor Fraternal (Eros) vs Amor Sexual (Afrodite), encontramos em Hesíodo à perfeição desta separação:

“Deusa nascida de espuma e bem-coroada Citeréia
apelidam homens e Deuses, porque da espuma
criou-se e Citeréia porque tocou Citera,
Cípria porque nasceu na undosa Chipre,
e Amor-do-pênis porque saiu do pênis à luz. Eros acompanhou-a, Desejo seguiu-a belo,
tão logo nasceu e foi para a grei dos Deuses.
Esta honra tem dês o começo e na partilha
coube-lhe entre homens e Deuses imortais
as conversas de moças, os sorrisos, os enganos,
o doce gozo, o amor e a meiguice”.

O mestre Junito de Sousa Brandão nos lembra de que “se a castração leva obviamente à impotência, o soberano terá fatalmente que ser afastado do poder. A função precípua do rei é a de fecundar. Da fecundação da rainha depende a fertilidade de todas as mulheres, da terra e do rebanho. Assim, na medida em que o rei, por força da idade, da doença ou porque se tornou sexualmente impotente, ou perdeu seu poder mágico, é alijado do trono e substituído. Na sociedade matriarcal, seu sucessor é o filho caçula, que, sendo o mais jovem, corre menos risco de interromper a fecundação”. Ainda segundo Junito, Urano, ”Mutilado e impotente, o deus do céu caiu na otiositas, na ociosidade, o que é, segundo Mircea Eliade, uma tendência dos deuses criadores. Concluída sua obra cosmogônica, retiram-se para o céu e tornam-se di otiosi, deuses ociosos”.

Crono, de curvo pensar, assumiu o poder e rapidamente se torna um déspota. Assim, ”O Uranida, senhor de todos os seres, em união a sua irmã, Réia, tem uma nova geração de deuses, porém, com medo de perder seu poder, que um filho mais forte lhe supere, assim que Réia pare prontamente Crono, os engole, não deixando vingar qualquer novo filho”.

Réia submetida a Crono pariu brilhantes filhos:
Héstia, Deméter e Hera de áureas sandálias,
o forte Hades que sob o chão habita um palácio
com impiedoso coração, o troante Treme-terra
e o sábio Zeus, pai dos Deuses e dos homens,
sob cujo trovão até a ampla terra se abala.
E engolia-os o grande Crono tão logo cada um
do ventre sagrado da mãe descia aos joelhos,
tramando-o para que outro dos magníficos Uranidas
não tivesse entre os imortais a honra de rei.
Pois soube da Terra e do Céu constelado
que lhe era destino por um filho ser submetido
apesar de poderoso, por desígnios do grande Zeus.

Réia apela aos seus pais, Terra e o Céu Constelado (Urano), para que a ajudasse e um ardil fizesse para que novo filho não perdesse, pela maldição do seu marido. A difícil gravidez, do predestinado Zeus, o maior de todos, o pais dos deuses e dos homens. Réia tem sua gravidez na ilha sagrada de Creta, e o ardil se fez, encueirada uma pedra, como se filho fosse, Cronos engole-a sem perceber. Enquanto o pequeno rebento, alimentado pela cabra Amatéia, cresce forte e vigoroso, pronto para subjugar o pai.

Encueirou grande pedra e entregou-a
ao soberano Uranida rei dos antigos Deuses.
Tomando-a nas mãos meteu-a ventre abaixo
o coitado, nem pensou nas entranhas que deixava
em vez da pedra o seu filho invicto e seguro
ao porvir. Este com violência e mãos dominando-o
logo o expulsaria da honra e reinaria entre imortais.
Rápido o vigor e os brilhantes membros
do príncipe cresciam. E com o girar do ano,
enganado por repetidas instigações da Terra,
soltou a prole o grande Crono de curvo pensar,
vencido pelas artes e violência do filho.
Primeiro vomitou a pedra por último engolida.
Zeus cravou-a sobre a terra de amplas vias
em Delfos divino, nos vales ao pé do Parnaso,
signo ao porvir e espanto aos perecíveis mortais.

A dura luta travada entre Cronos e Zeus, foi a última entre os deuses, um novo poder e uma nova ordem ali se estabeleceu. Com ajuda dos irmãos, armado e orientado por Prometeu, o grande Zeus, enfrenta a Titanomaquia, a maior guerra já existida na galáxia. Primeiro libertou os irmãos, fazendo Cronos devolvê-los, pois havia engolido, assim, com seu reforço pode Zeus derrotar o pai e seus gigantes aliados. Todo o universo se cobriu de fogo e raios tudo ameaçava se acabar, sem um claro vencedor, até que o poderoso Zeus prende o grande Cronos, no Tártaro nevoento.

Não mais Zeus continha seu furor e deste
furor logo encheram-se suas vísceras e toda
violência ele mostrava. Do céu e do Olimpo
relampejando avançava sempre, os raios
com trovões e relâmpagos juntos voavam
do grosso braço, rodopiando a chama sagrada
densos. A terra nutriz retumbava ao redor
queimando-se, crepitou ao fogo vasta floresta,
fervia o chão todo e as correntes do Oceano
e o mar infecundo, o sopro quente atava
os Titãs terrestres, a chama atingia vasta
o ar divino, apesar de fortes cegava-os nos olhos
o brilhar fulgurante de raio e relâmpago.
O calor prodigioso traspassou o Caos. Parecia,
a ver-se com olhos e ouvir-se com ouvidos a voz,
quando Terra e o Céu amplo lá em cima
tocavam-se, tão grande clangor erguia-se
dela desabada e dele desabando-se por cima,
tal o clangor dos Deuses batendo-se na luta.
Os ventos revolviam o tremor de terra, a poeira,
o trovão, o relâmpago e o raio flamante,
dardos de Zeus grande, e levavam alarido e voz
ao meio das frentes, estrondo imenso erguia-se
da discórdia atroz. Mostrava-se o poder dos braços.
A batalha decai. Antes, uns contra outros
atacavam-se tenazes em violentas batalhas.
Na frente despertaram áspero combate
Cotos, Briareu e Giges insaciável de guerra.
Trezentas pedras dos grossos braços
lançavam seguidas e cobriram de golpes
os Titãs. E sob a terra de amplas vias
lançaram-nos e prenderam em prisões dolorosas
vencidos pelos braços apesar de soberbos,
tão longe sob a terra quanto é da terra o céu,
pois tanto o é da terra o Tártaro nevoenta.

Bem observa junito que “as lutas de Zeus contra os Titãs (Titanomaquia), contra os Gigantes (Gigantomaquia), episódio, aliás, desconhecido por Homero e Hesíodo, mas abonado por Píndaro (Neméias, 1, 67), e contra o monstruoso Tifão, essas lutas, repetimos, contra forças primordiais desmedidas, cegas e violentas, simbolizam também uma espécie de reorganização do Universo, cabendo a Zeus o papel de um “re-criador” do mundo. E apesar de jamais ter sido um deus criador, mas sim conquistador, o grande deus olímpico torna-se, com suas vitórias, o chefe inconteste dos deuses e dos homens, e o senhor absoluto do Universo. Seus inúmeros templos e santuários atestam seu poder e seu caráter pan-helênico. O deus indo-europeu da luz, vencendo o Caos, as trevas, a violência e a irracionalidade, vai além de um deus do céu imenso, convertendo-se, na feliz expressão de Homero (Il. I, 544) patèr andrôn te theônte, o pai dos deuses e dos homens” (Grifos nosso).

Sobre o amplo poder de Zeus escrevemos o artigo Zeus Pai : O Deus Estado, em que acompanhamos o deus e sua transformação, a consolidação de seu poder único e soberanos sobre os demais, apesar da divisão dos três niveis de poder: Olimpo( Zeus – Executivo), Mar(Posídon – Legislativo) e Inferno( Hades – Judiciário). Mas o que aconteceu a Crono? Sabemos, como vimos acima, que Urano teve sobrevida, como Deus Ocioso, mas Crono é condenado ao Tártaro, algo como os confins do mundo, que seria os Montes Urais( Rússia).

Junito nos conta que Zeus “tão logo o pai dos deuses e dos homens sentiu consolidados o seu poder e domínio sobre o Universo, libertou seu pai Crono da prisão subterrânea onde o trancafiara e fê-lo rei da Ilha dos Bem-Aventurados, nos confins do Ocidente. Ali reinou Crono sobre muitos heróis que, mercê de Zeus, não conheceram a morte. Esse destino privilegiado é, de certa forma, uma escatologia: os heróis não morrem, mas passam a viver paradisiacamente na Ilha dos Bem-Aventurados. Trata-se de uma espécie de recuperação da idade de ouro, sob o reinado de Crono.

Numa variação latina, Saturno (Crono) ainda segundo Junito “quando Zeus destronou a Crono, este refugiou-se na Ausônia, onde recebeu o nome de Saturno. À chegada deste, a Itália (outrora denominada poeticamente Ausônia) teve sua aetas aurea, a idade de ouro, quando a terra tudo produzia abundantemente, sem trabalho, como atesta o poeta latino Públio Ovídio Nasão, em suas Metamorfoses, 89, sqq. Reinavam a paz, a concórdia, a fraternidade, a igualdade e a liberdade. Saturno é, pois, o herói civilizador, o que ensina a cultura da terra, a paz e a justiça. O poeta maior da latinidade, Públio Vergílio Marão, sonhou com o retorno, no século de Augusto, dessa paz e dessa justiça:

Iam redit et Virgo, redeunt Saturnia regna (Écloga 14, 6):
“Eis que a Justiça está de volta; retorna o reino de Saturno”.

O mestre nos dá mais pistas sobre o destino de Crono(Saturno), já um deus quase “humano”, mas que representava uma época de glórias, uma contradição em relação a sua forca despótica. Junito nos diz que “As Saturnalia seriam, em última análise, uma reminiscência da aetas aurea, quer dizer, da abundância, da igualdade, da liberdade. Começavam, em Roma, pela manhã. Após se retirar a faixa de lã que cobria, durante o ano todo, o pedestal da estátua de Saturno, realizava-se, um pouco mais tarde, um banquete público, cujo término era marcado pelo grito da distensão: Io Saturnalia! Viva as Saturnais. Tudo parava: o senado, os tribunais, as escolas, o trabalho. Reinavam a alegria, a orgia e a liberdade. Eliminavam-se interditos de toda ordem. Quebrava-se a hierarquização da orgulhosa sociedade romana: os escravos, temporariamente em liberdade total, eram servidos pelos senhores, aos quais, não raro, insultavam, lançando-lhes em rosto os vícios, as torpezas e a crueldade.

Se as Saturnais, com toda a sua liberação, talvez possam ser interpretadas, segundo o fizemos, como reminiscência da Idade de Ouro, não poderiam simbolizar também, como no complexo de Édipo, a supressão do deus, do pai e do chefe?

Se Crono destronou a seu pai Urano, mutilando-o e se, por sua vez, foi destronado pelo filho Zeus, o povo e sobretudo os escravos, durante o breve período das Saturnais, faziam que seus chefes e senhores prepotentes recebessem “a retribuição” do que haviam feito a seus próprios pais, à imitação do ato de Crono para com Urano e de Zeus em relação a Crono. Assim talvez se explique por que se elegia, anualmente, nas Saturnalia, um Saturnalicius Princeps, o rei das Saturnais, como, entre nós, o Rei Momo. Em épocas recuadas, esse rei, após presidir aos banquetes, às festas e orgias, era, no final das mesmas, sacrificado a Saturno”.

Crono encontrou um papel, quer seja como Deus da ilha dos Bem-Aventurados, quer seja nas festas saturnais, sem mais a força desmedida, mas como um deus bom, feliz e festeiro, o que nos remete à figura do Avô, aquele que foi um pai duro, mas vira uma figura amorosa na lente dos netos. Por fim, concordamos com o arremate de Junito que fala que ”Após o governo de Urano e Crono, Zeus simboliza o reino do espírito. Embora não seja um deus criador, ele é o organizador do mundo exterior e interior”. E, de acordo com Mircea Eliade, “Zeus é o arquétipo do chefe de família patriarcal. Deus da luz, do céu luminoso, é o pai dos deuses e dos homens. Enquanto deus do relâmpago, configura o espírito, a inteligência iluminada, a intuição outorgada pelo divino, a fonte da verdade. Como deus do raio, simboliza a cólera celeste, a punição, o castigo, a autoridade ultrajada, a fonte de justiça”.



sábado, 23 de novembro de 2013

A natureza pode te ajudar a ser criativo

Matéria publicada no Sicnoticias, com grafia lusitana:

Estudo prova que passar quatro dias na natureza sem tecnologias aumenta criatividade em 50%

Psicólogos de duas universidades norte-americanas concluíram que passar quatro dias imerso na natureza e sem contacto com equipamentos eletrónicos aumenta a capacidade criativa e de resolução de problemas em 50%. "Isto mostra que a interação com a natureza tem benefícios reais e mensuráveis para a resolução criativa de problemas que ainda não tinham sido demonstrados", disse um dos autores do estudo, David Strayer, professor de psicologia na Universidade do Utah.

Para o investigador, estes resultados provam que "enterrar-se em frente a um computador 24 horas por dia, sete dias por semana, tem custos que podem ser remediados com um passeio na natureza".

O estudo de Strayer e dos cientistas Ruth Ann Atchley e Paul Atchley da Universidade do Kansas é publicado na revista científica PLOS ONE, da Public Library of Science, e resulta de uma experiência realizada com 56 pessoas, 30 homens e 26 mulheres, com uma média de 28 anos.

Os participantes estiveram, durante quatro a seis dias, em passeios na natureza nos estados do Alasca, Colorado, Maine e Washington, nos quais não era permitida a utilização de aparelhos eletrónicos.

Dos 56, 24 fizeram um teste de criatividade com dez perguntas antes de iniciarem o passeio e os outros 32 realizaram o mesmo teste na manhã do quarto dia de passeio.

Os resultados foram claros: as pessoas que já estavam há quatro dias na natureza tiveram uma média de 6,08 perguntas certas, enquanto os outros tiveram apenas 4,14.

"Demonstrámos que quatro dias de imersão na natureza, e o correspondente desligamento da tecnologia, aumenta o desempenho em tarefas criativas e de resolução de problemas em 50%", concluíram os investigadores, sem esclarecer se o efeito se deve à natureza, à ausência de tecnologia ou à combinação de ambos os fatores.

Os investigadores recordaram estudos anteriores segundo os quais as crianças passam hoje apenas 15 a 25 minutes por dia em atividades de exterior e desportivas, que as atividades recreativas na natureza têm estado em declínio há 30 anos e que, em média, as crianças dos oito aos 18 anos passam mais de 7,5 horas por dia a usar o computador, a televisão ou o telemóvel.

"Há séculos que os escritores falam da importância de interagir com a natureza (...), mas não sabíamos bem, cientificamente, quais os benefícios", disse Strayer.



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