terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Dilema: já podem lhe induzir a ter memória de algo que você não viveu

A matéria foi publicada na Folha de S. Paulo de 28/12/13:

Falsas memórias

Estudo mostra que mesmo as pessoas com memória excepcional estão sujeitas a 'lembrar' coisas que, na verdade, elas não viveram

RICARDO BONALUME NETO

A memória humana é algo maleável, capaz de ser facilmente adulterada, e isso tende a criar problemas jurídicos e terapêuticos graves.

OK, isso nunca foi muita novidade.

Mas se viu agora que mesmo uma memória excepcional não impede que ela possa ser falsificada deliberadamente. E resta a dúvida: o que é falso, o que é verdadeiro naquilo que uma pessoa lembra? Ou melhor, "lembra"?

"Sem confirmação independente, você não tem como ter certeza se uma memória é verdadeira ou um produto de algum outro processo", disse à Folha a pesquisadora Elizabeth Loftus, da Universidade da Califórnia em Irvine, EUA.

Um novo trabalho da sua equipe, publicado na revista "PNAS", da Academia de Ciências dos EUA, mostrou que é possível implantar memórias falsas mesmo em pessoas capazes de lembrar pequenos detalhes da sua vida de uma década atrás.

Estudos nos EUA há mais de uma década mostraram que é possível fazer as pessoas acreditarem que viveram algo de que não participaram.

Loftus e colegas agora avaliaram voluntários com a "supermemória".

Ela podia fazer, por exemplo, alguém "relembrar" que tinha sido perdido dos pais em um shopping center, quando isso nunca aconteceu. E ainda por cima acrescentar detalhes do "evento".

NINGUÉM É IMUNE

A descoberta de pessoas com memórias excepcionais sobre sua própria vida indicaria que elas estariam imunes a esse tipo de "lavagem cerebral". Mas não foi o caso, como testes demonstraram.

Esse tipo de gente é algo difícil de acreditar. Basta ver uma série de televisão americana, "Unforgettable" ("inesquecível"). Uma policial de Nova York, Carrie Wells, lembra cada detalhe de cada dia da sua vida e isso a ajuda a resolver os casos. Ficção?

Não até descobrirem alguns poucos indivíduos --apenas 20 foram estudados por Loftus e colegas-- com a chamada memória autobiográfica altamente superior.

Pergunte a um deles o que fizeram em certo dia --por exemplo 5 de setembro de 1987--, e a pessoa dirá o que fez, o que comeu de almoço, o que leu no jornal do dia...

Como uma pessoa assim é capaz de se lembrar de algo que aconteceu há uma década bem melhor do que uma pessoa comum se lembra de um simples mês atrás, seria de se esperar que fossem imunes aos testes criados pelos psicólogos para produzir falsas memórias.

Foram testados os 20 voluntários com memória superior e 38 pessoas com memória normal de idades e sexo semelhantes, utilizando experimentos com palavras, imagens e sentenças e a falsa memória de um vídeo não existente ligado aos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 nos EUA.

Resultado: ter a supermemória não impediu que ela fosse distorcida.

CONSEQUÊNCIAS

Lawrence Patihis, da equipe de Loftus, lembra que as consequências das "falsas memórias" continuam sendo um problema. Na década de 1990, essas memórias eram usadas por psicoterapeutas para fins questionáveis -- "provando" casos de abuso sexual que nunca existiram.

Essas alegações diminuíram muito. "Isso em parte reflete o trabalho da professora Loftus na área", diz ele.

Recentemente, Loftus fez pessoas desistirem de tomar vodca achando que tinham tido uma péssima experiência preliminar com a bebida.

"Se fizer as pessoas pensarem que ficaram doentes com alimentos gordurosos fazerem-nas evitar essa comida, então isso poderia ter implicações para o seu comportamento alimentar e ser terapêutico", diz ela. "Também podemos implantar uma memória positiva sobre alimentação saudável."

Segundo a pesquisadora, essas são algumas maneiras pelas quais falsas memórias podem ajudar as pessoas.



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