terça-feira, 21 de julho de 2015

Vovó não tem medo do Talibã


A matéria é da BBC Brasil:

Avó afegã arma netos e vira heroína na luta contra o Talebã

David Loyn

Ferozah tem entre 60 e 70 anos - ela desconhece sua idade correta, já que nunca foi a escola. Agora, é comandante de uma unidade da polícia que luta contra o Talebã na província de Helmand, no sul do Afeganistão.

Ela assumiu o posto em Sistani, em Marjah, após seu filho ser morto. Recebeu a mais alta condecoração do Afeganistão dada a uma mulher, a medalha de Malalai, heroína de uma batalha contra os britânicos no século 19.

Ser uma comandante militar numa cultura rural, onde mulheres raramente trabalham fora de casa, é bastante raro. Mas as surpresas não param por aí.

Dois de seus netos, Faizal Mohammed, de 13 anos, e Sultan Mohammed, de 14, lutam ao seu lado. Eles são rápidos em montar e desmontar um rifle Kalashnikov - mostram destreza semelhante a de um veterano experiente.

Ela diz: "O Talebã vive me provocando, dizendo 'o que você ganhou? você armou até os seus netos'. Mas o governo está ganhando e eles estão perdendo."

Ferozah os chama de "guerreiros de Sistani" - e os jovens já enfrentaram muitas batalhas contra o Talebã. Mas, independente do nome que têm, estas são crianças transformadas em soldados, o que viola o direito internacional.

Sistani está na linha da frente entre densamente povoada zona central de Helmand, onde vive a maioria das pessoas no país, e as áreas menos povoadas do norte e sul.

A região central, cortada pelo rio Helmand, é mais estável do que antes da chegada das tropas internacionais. As estradas estão bem melhores e há 75 postos de saúde, fornecendo serviços básicos num lugar onde antes não havia nada.

Mais de 190 mil crianças vão à escola na província, cerca de um terço delas meninas, e algumas unidades permanecem abertas em áreas sob controle do Talebã - embora, como nos postos de saúde, seja difícil recrutar funcionários.

Uma das razões do sucesso na prestação de serviços pelo governo em partes de áreas controladas pelo Talebã são os conselhos distritais, criados pelas forças britânicas, e que ainda estão operando.

A criação destes conselhos deu a anciãos dos vilarejos participação direta em como e onde o dinheiro de ajuda é gasto.

Mas nem tudo são notícias boas. O Talebã tem realizado avanços importantes em Helmand desde a saída das tropas britânicas e internacionais, no final do ano passado. Sem temer mais ataques aéreos, o grupo organiza ataques mais ousados e amplia sua influência em cidades isoladas no norte da província, incluindo Sangin e Musa Qala.

Eles também têm impedido a reparação de uma central hidrelétrica em Kajaki - se a usina estivesse operando em capacidade total, faria uma diferença significativa nos padrões de vida em todo o sul.

Segundo o chefe local do Ministério de Reabilitação e Desenvolvimento Rural, Mohammed Omar Khane, desde que forças britânicas deixaram a área apenas metade do trabalho foi feita.

E alerta: se a ajuda parar de chegar, tudo o que foi feito será destruído.

Bolha de guerra?

Há menos ajuda chegando ao Afeganistão, e essa diferença é profundamente sentida, especialmente por ocorrer em paralelo à retirada das forças estrangeiras do país. O crescimento econômico dos últimos anos, ao que parece, pode ter sido uma "bolha" dos tempos de guerra.

As prateleiras das lojas em Lashkar Gah estão cheias de produtos que comerciantes tinham planejado vender para as forças britânicas.

O comerciante Jan Ali tenta convencer a população local a comprar cereais matinais e outros produtos estrangeiros. Mas sabe que alguns itens deverão ficar nas prateleiras. "Ninguém aqui sabe o que é mistura de panqueca", disse.

Como outros comerciantes, diz ter ficado surpreso quando as forças estrangeiras partiram, apesar da data de saída ter sido amplamente anunciada.

A mídia afegã tem parte da culpa por esta confusão. Ela alimentou uma teoria - acreditada por muitos - de que as forças estrangeiras jamais sairiam do país.

O impacto da retirada foi sentido além dos empreendimentos que abasteciam a base britânica.

Haji Nazir Ahmad fechou sua empresa de construção após o governo deixar de pagar por obras que ele disse ter entregue. Entre estes projetos estavam as novas lixeiras da cidade.

Segundo ele, autoridades que as encomendaram "não tinham ideia do que uma lixeira pareceria". Ele, então, fez uma amostra.

Ahmad investiu milhões de dólares em máquinas e instalações que agora estão ociosas e servem apenas como sucata. Demitiu 350 trabalhadores e disse que o custo social disso é significativo, incluindo rompimentos familiares e violência contra mulheres.

Diz acreditar que alguns de seus ex-funcionários se juntaram ao Talebã e conta ter encontrado um de seus melhores trabalhadores vendendo heroína nas ruas.

Drogas

A ONU prevê outra safra recorde de papoulas no Afeganistão - a matéria-prima para a heroína -, com a província de Helmand, mais uma vez, liderando a produção.

O impacto social em Helmand é desastroso. Acredita-se haver 110 mil viciados em heroína na província - 7% da população. Viciados que pedem por comida são facilmente vistos no bazar.

O edifício principal da antiga sede britânica em Lashkar Gah foi transformada em uma clínica de reabilitação de drogas. Um quarto projetado para um único oficial britânico agora abriga três viciados.

A capacidade é para apenas 50 pacientes e a taxa de sucesso é muito baixa, diante da constante instabilidade, desemprego e oferta de drogas baratas.

Nove anos de intensos combates por tropas internacionais não conseguiram parar a produção. Na verdade, só fizeram a situação piorar. A única diferença é que empurrou o problema para fora das áreas povoadas centrais, rumo às zonas menos governadas, distantes do canal de Helmand.



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