sábado, 12 de novembro de 2016

Eleições nos EUA mostram divisão entre "evangélicos" fundamentalistas e "protestantes" liberais


A matéria foi publicada no IHU:

Uma votação polarizada entre evangélicos nos EUA


Temas como direitos humanos, migrações, ambiente, paridade de gênero e direitos das minorias vão mudar radicalmente depois dessa eleição no discurso público. Nos Estados Unidos e no mundo. 


A reportagem é de Matteo De Fazio, publicada no sítio Riforma, 09-11-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto. 

Donald Trump é o novo presidente dos Estados Unidos da América. "Devemos superar as divisões", foi uma das primeiras frases proferidas depois dos cumprimentos de Hillary Clinton pelo desafio na campanha eleitoral. Ainda é difícil, neste momento, imaginar que serão superadas as divisões e os muros, que o próprio Trump prometeu construir, tanto físicos quantos culturais. 

Enquanto o mundo inteiro comenta os resultados da eleição, voltamos a refletir sobre o voto dos protestantes que, com as devidas distinções, foi atraído várias vezes pelos discursos e pelos raciocínios do candidato republicano. 

De acordo com os resultados, o Bible Belt, a área cultural do sudeste dos Estados Unidos onde vive uma grande porcentagem de pessoas cristãs protestantes, em sua maioria evangélicas, apoiou Donald Trump completamente. 

Continuamos o discurso iniciado antes da votação (em que também comentamos a pesquisa do início deste ano do Pew Research Center) olhando para os resultados junto com Paolo Naso, professor de Ciências Políticas e coordenador do mestrado em Religiões e Mediação Cultural da Universidade de Roma "La Sapienza". 

Eis a entrevista.




À espera de dados mais precisos, já podemos interpretar as expressões dos evangélicos estadunidenses?

Eu acho que houve uma polarização extrema e radical, assim como na campanha eleitoral, uma radicalização entre os núcleo das Igrejas históricas, penso na Igreja Presbiteriana – à qual Trump, aliás, diz pertencer, mas não há documentos em evidência disso –, em alguns batistas, calvinistas, episcopalianos, luteranos, que, maciçamente, continuaram tendo uma opinião favorável ao Partido Democrata e a Hillary Clinton, e, por outro lado, o contexto das Igrejas evangélicas (a parte carismática, pentecostal, os newborns, ou as Igrejas livres) que, em vez disso, sob o apelo aos valores religiosos dos EUA concederam confiança a Trump, apesar de ser uma das pessoas, do ponto de vista biográfico, menos compatível com essa sensibilidade.

Uma polarização que diz respeito apenas à votação?

Uma votação polarizada que demonstra que a maioria do protestantismo estadunidense, nessa fase, está orientado mais para um vetor evangélico-carismático-livre e tendencialmente conservador, também de um ponto de vista teológico. Por outro lado, o núcleo histórico das Igrejas mainstream que têm fé em uma tradição diferente, que se expressou bem na presidência Obama, crente comprometido que vem justamente desse mundo.

A dimensão religiosa de Trump se expressou, principalmente, com temáticas ligadas ao medo, com a oposição de uma cultura sobre outra. Impressiona notar como o Bible Belt foi inteiramente favorável ao candidato republicano.

Isso não era óbvio. A personalidade e a biografia de Trump dificilmente são compatíveis com uma mensagem de rigor evangélico e cristão. É claro que ele se inspira em valores conservadores (família tradicional, não às famílias gays, não ao aborto e coisas desse tipo), opiniões que são muito caras à direita religiosa, evangélica, carismática e pentecostal, embora o seu estilo de vida parece ser incompatível com isso. Quando essa incompatibilidade veio à tona na campanha eleitoral, houve uma dupla inversão das cúpulas da direita religiosa: disseram que, no fundo, Abraão também tinha várias esposas, ou que o rei Davi não era um exemplo de lealdade exemplar em relação às mulheres, e assim por diante. Representaram Trump como um pecador, mas a altura dos grandes patriarcas bíblicos. Parecia uma tese improvável e ridícula, mas, evidentemente, esse tipo de raciocínio abriu caminho e levou a resultados relevantes.

Falou-se das diferenças na votação entre campanhas e cidades, com grandes polarizações. A leitura superficial que poderia ser feita é "povo culto que vota nos democratas contra povo ignorante que vota nos republicanos". É simples demais reduzir tudo a esse dualismo?

Talvez não. Os Estados Unidos foram investidos por uma crise pesada, da qual saíram parcialmente, pensemos no resgate da indústria automobilística que se deve apenas a Obama. Aquele sonho americano que, nos anos 1970, 1980 e 1990, tornava possível a acumulação de fortunas enormes por parte de alguns setores da classe média: fortunas repentinas que não são mais possíveis. De repente, a classe média em crescimento, que parecia alcançar resultados econômicos únicos e excepcionais, encontrou-se em uma situação de crise. De quem é a culpa? De quem está no poder, foi o raciocínio, neste caso, dos democratas: a alternância pode levar os Estados Unidos a serem novamente grandes, como dizia o lema de Trump. Essa ilusão, o sonho vendido com base no princípio de votar em algo diferente, encorajou a atitude de quem assume como objetivo uma mudança, seja ela qual for. Falamos de pessoas que não conseguem articular uma análise mais sofisticada: se os mercados entraram em colapso, não é culpa de Obama, mas de uma economia mundial que mudou nos últimos anos, de novas consciências, como a ambiental: em um discurso simplificado, em vez disso, a responsabilidade é completamente de quem se senta em Washington. Nesse esquema, a contraposição entre pessoas cultas que conseguem entender a complexidade e pessoas que tendem a simplificar parece-me funcionar.

Alguns defendem que Clinton, para o Mediterrâneo, já fez danos, portanto, Trump é o mal menor. O que devemos esperar para esta área?

Pessoalmente, não acho que pode ficar pior. Não porque eu acredite que vai acontecer sabe-se lá qual revolução. O sistema estadunidense tem a sua solidez, portanto "o sol vai voltar a surgir amanhã", como disse Barack Obama. Eu não temo uma reviravolta política em sentido belicista ou internacional, mas vai mudar o discurso público mundial sobre temas decisivos. Temas como direitos humanos, migrações, ambiente, paridade de gênero, direitos das minorias no discurso público, nos Estados Unidos e no mundo, vão mudar drasticamente depois dessa votação. A partir desse ponto de vista, estamos diante de uma reviravolta, a pior do meu ponto de vista.



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