terça-feira, 27 de junho de 2017

Religiões se unem para tentar salvar as florestas tropicais


Talvez o problema seja exatamente que tudo fica apenas na "tentativa".

A matéria é da versão brasileira do El País:

Um encontro ecumênico na Noruega para salvar as “florestas sagradas”

Religiosos e indígenas se reúnem em Oslo para unir esforços para frear desmatamento das matas tropicais

ALEJANDRA AGUDO

Enquanto você lê esta frase, 120 hectares de floresta tropical desapareceram. São 24 por segundo. Este alto ritmo de desmatamento significa, na prática, a destruição do lar da metade das espécies conhecidas do planeta, além de seres humanos e de um importante armazém de milhões de toneladas de carbono. A eficácia das florestas para absorver esse elemento é tão grande que “pode representar um terço da mitigação da mudança climática durante as próximas décadas”, segundo o ministro de Clima e Meio Ambiente da Noruega, Vidar Helgesen. Por isso, “é preciso lutar contra o desmatamento e reparar os danos causados”, completou Helgesen, na segunda-feira, durante a cerimônia de abertura da Iniciativa Ecumênica de Oslo para as Florestas Tropicais, que o Governo norueguês organiza em conjunto com a Rainforest Foundation Noruega e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Uma reunião – que termina nesta quarta-feira – de líderes religiosos e indígenas do mundo todo para enfatizar seu papel nesta batalha. O objetivo dos religiosos é aproveitar seu poder de influência para atrair os fiéis a essa causa. Já os indígenas mantêm o conhecimento ancestral para a proteção de sua casa, a natureza, que defendem todos os dias para o benefício de todos, arriscando sua vida.

“Os políticos e cientistas, que ocupam diversos cargos em outros âmbitos, não podem falar com a mesma autoridade moral que os líderes religiosos. A prática da religião é uma forma de se relacionar com os valores mais sagrados da vida”, afirmou Kusumita Pedersen, subdiretora do Parlamento das Religiões do Mundo. “A ciência, por si só, não muda o coração humano”, acrescentou Mary Evelyn Tucker, diretora do Fórum de Religião e Ecologia da Universidade Yale. Agora esse poder pode (e deve) se concentrar numa causa: salvar as florestas tropicais. “Cada lugar de oração deve ser um centro ecológico, oferecendo formas de mudar o mundo”, sugeriu William Vendley, secretário-geral das Religiões para a Paz. No momento, o plano é se reunir de novo numa cúpula global ecumênica em 2018, já com um programa de ação elaborado. As florestas tropicais, atualmente palcos de disputas pela propriedade e o uso de seus recursos, transformam-se também num lugar para o entendimento entre religiões e tradições espirituais, unidas para a sua salvaguarda. À espera de propostas concretas, os diálogos preliminares propiciaram um consenso entre os presentes sobre várias ideias.

“Se continuarmos desmatando, será um suicídio. Nós, como mensageiros de Deus e guardiões da criação, temos que promover a proteção de nossa casa comum.” O Arcebispo Marcelo Sánchez Sorondo, chanceler da Academia Pontifícia de Ciências do Vaticano, abriu a primeira mesa de debate com essa afirmação, que seria depois compartilhada por seus acompanhantes no palco do Nobel Peace Center da capital norueguesa. Indígenas, budistas, judeus, muçulmanos, hindus e católicos acreditam que a Terra é uma criação divina que deve ser cuidada. Um sentimento e um objetivo comuns numa época em que o entendimento entre as crenças parece pouco provável. Mas deve ser, afirmou o prelado. “Não é fácil rezar juntos, mas temos que agir unidos para conservar o planeta que Deus nos deu.”

Metropolitan Emmanuel, vice-presidente da Conferência Europeia de Igrejas, aceitou o desafio: “O cuidado da Terra deve nos unir. Isso vai além das diferenças doutrinarias”. “A Bíblia nos diz: mesmo quando é preciso defender o próprio país , não tem sentido destruir a fonte de sua própria sobrevivência”, agregou o rabino David Rosen, diretor internacional de assuntos inter-religiosos do Comitê Judaico Americano em Israel. “Quando Deus criou o primeiro ser humano, levou-o entre as árvores do Éden e lhe disse: ‘Olha minha obra, quão maravilhosa e digna de reconhecimento. E tudo o que criei é para teu benefício. Tem cuidado para não saquear nem destruir meu mundo, porque, se o fizeres, não haverá quem o recupere depois”, prosseguiu, lendo o Eclesiastes Rabá para ressaltar que não há desculpas para causar um prejuízo irreparável ao planeta. Ainda assim, é isso o que ocorre na prática: todos os anos, é desmatada uma área de floresta tropical do tamanho da Áustria. E, tal como a adverte a Rainforest Foundation Noruega com evidências científicas, os danos podem levar décadas, séculos ou até milênios para serem sanados (se é que isso é possível).

A destruição das florestas tropicais significa não apenas um ataque contra a criação de Deus, tal como descrevem os líderes religiosos, mas também contra a fonte de vida das pessoas. Isso porque essas matas absorvem carbono. Evitam que milhões de toneladas de gás acabem na atmosfera e contribuam para o aquecimento global. Também regulam os ciclos da água, razão pela qual seu desaparecimento altera as chuvas de maneira negativa. Acima de tudo, são o lar e o sustento de 1,6 bilhão de pessoas.

Phra Paisal Vongvoravisit, membro do Comitê Consultivo da Rede Internacional de Budistas, na Tailândia, recordou que “nossa existência só é possível graças ao ar, à água, aos alimentos e às outras espécies da natureza.” Por isso, “o fato de quebrar o galho de uma árvore é o mesmo que causar um dano a um amigo que nos ajuda”, explicou. Se for assim, grandes indústrias extrativistas, produtores de óleo de palma e soja, mineradoras, construtores de rodovias e represas de água estão massacrando nossos amigos, transformando-os literalmente em terra queimada. “É muito preocupante. A natureza é destruída em nome do desenvolvimento”, disse Paisal.

Essa realidade tem consequências. A ciência demonstrou a relação causa-efeito entre o desmatamento e a elevação das temperaturas, assim como de fenômenos climáticos adversos. Para Nanditha Krishna, presidenta da Fundação Ramaswami Aiyar, a explicação está no carma: “Toda ação tem uma reação.”

Alguns participantes afirmaram que tais empresas não fazem outra coisa a não ser satisfazer uma demanda crescente dos produtos que conseguem na floresta. “Nos preocupa o sentimento de perda. Acreditamos de forma errônea que as aquisições materiais preencherão nossas vidas, e por isso compramos de forma desmedida. Quanto mais, melhor. Não somos conscientes de que o sentimento de perda desaparecerá quando vivermos em paz, em vez de acumular cada vez mais”, advertiu Paisal. “E todas as religiões podem ajudar as pessoas a viver em paz. A cooperação entre os cultos é fundamental para lutar contra o materialismo e, desse modo, contra o desmatamento.” O monge tem pelo menos um aliado nessa missão:

Din Syamsuddin, diretor do Centro para o Diálogo e a Cooperação entre Civilizações, da Indonésia. “Os seres humanos são integrantes da comunidade da natureza e devem basear seu consumo na moderação. Temos que mudar nossa maneira de viver, protegendo as gerações futuras.” Para isso, disse o representante do islã na mesa, “é necessária a colaboração entre cientistas, empresários, religiões e a sociedade.” E concluiu seu discurso com uma citação. “Como disse o profeta, embora se aproxime o dia da destruição, se alguém tiver uma semente na mão, que a semeie.”

A Noruega plantou uma semente há uma década: decidiu converter a preservação das florestas tropicais em uma de suas prioridades internacionais. A partir de então, não só investiu com essa finalidade mais de 3 bilhões de dólares (10 bilhões de reais), estima o ministro do Clima e Meio Ambiente norueguês, como também tomou medidas para a redução do consumo do óleo de palma (azeite de dendê) e da importação de madeiras de procedência tropical. Em benefício do desenvolvimento sustentável e da mitigação do aquecimento global também estimula a paulatina substituição de veículos de combustão fóssil por elétricos – cerca de 30% dos vendidos em 2016 são assim. Desse modo, o país reduz suas emissões. No entanto, exporta o problema: sua principal indústria (40% do PIB) ainda é a da produção de petróleo. Algo que o ministro Helgesen reconhece que precisa ser mudado nos próximos anos, seguindo os conselhos de Nanditha Krishna: “A teologia hindu diz que devemos tomar da Terra somente o que necessitamos. Mas devemos simplificar nossos desejos, nos submetermos a uma transformação pessoal”.

Indígenas, os guardiães da floresta

"Para nós que vivemos em florestas tropicais, as árvores, as plantas, animais e micro-organismos são membros de nossa comunidade. Temos, além disso, deidades que protegem as árvores e as águas. E temos árvores sagradas. Infelizmente, somos ameaçados por proteger as florestas, nossos direitos são violados e esmagados. Estamos em uma crise”, afirmou em sua intervenção Vicky Tauli-Corpuz, relatora das Nações Unidas para a defesa das pessoas indígenas. Ela, que vive no norte das Filipinas, sabe bem que aos riscos do desmatamento se somam os que correm aqueles que ousam defender a venerada, sagrada, divina, mas maltratada, casa de todos.

"Todos os dias lutamos contra os ataques do Estado brasileiro, as hidrelétricas, as empresas mineradoras, as madeireiras, contra a ampliação das ferrovias, as diferentes formas de pressão. O Brasil é o país que mais mata ativistas indígenas”, denunciou Sonja Guajajara, coordenadora nacional da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil. Apesar de defenderem seus territórios na selva amazônica, a líder enfatiza que sua luta não é local. “Não tem fronteiras, por isso temos de nos juntar e reunir todas as forças presentes”, disse, pedindo o apoio do grande público presente.

O saber tradicional dos povos indígenas está reconhecido no Acordo de Paris como uma potente ferramenta contra as mudanças climáticas. A evidência científica demonstra que onde eles vivem e fazem o manejo da floresta não há desmatamento, ocorrem menos incêndios e as árvores são ativamente (e não só em palavras) respeitadas. Sofrem, porém, constantes ataques, como descreveu Guajajara. Um recente relatório da Anistia Internacional revelou que, dos 281 ativistas assassinados no mundo em 2016, a metade atuava em problemas ligados à terra, território e meio ambiente.

“Os povos indígenas formam uma unidade com a Natureza, e a Natureza não ataca, mas dá respostas”, disse a líder brasileira ao justificar sua resistência à destruição de seu habitar em nome do progresso. Joseph Itongwa, membro do Comitê de Povos Indígenas da África, na República Democrática do Congo, aprofundou essa ideia: “Não me ensinaram o valor das árvores na escola. Desde crianças aprendemos seu valor para nossa sobrevivência. Produzem tudo de que precisamos: dão frutos, abrigam pássaros, são nossas guias... Temos uma relação de respeito com a Natureza. Assim, cortar árvores vai bem além do que se disse aqui. É uma perda de nossa identidade. Quando se derruba uma árvore é como se cortassem nossa identidade”.

Nesse sentido, Harol Jhony Rincon, secretário-geral da Organização Nacional dos Povos Indígenas da Amazônia Colombiana (OPIAC), perguntou: “Por que dizem que somos os guardiães da Natureza? ”Sem intenção de ofender”, disse, ele lançou sua resposta: “Porque os ambientalistas assumem que a preservação é o mesmo que a cosmovisão dos indígenas”. Uma equivalência que Rincon nega: “Nós não falamos de ambientalismo, mas de governo de nossos territórios porque o pai criador nos deu essa missão”,

O necessário reconhecimento real da titularidade das terras tem sido um dos assuntos mais debatidos atualmente, nos palcos, em grupinhos, cafés e encontros paralelos. Sem ele, a porta para que as grandes corporações e Governos se aproveitem dos recursos naturais em detrimento do bem comum está aberta. E passam por ela sempre que podem, sem se importar em muitas ocasiões que dentro da casa haja um indígena, milhares de espécies, árvores milenares, milhões de insetos... vivendo. Mas sua existência, luta e morte é invisível para a maioria dos habitantes do planeta. “Temos que nos tornar visíveis”, declarou Abdon Nabalan, vice-presidente do Conselho Nacional da Aliança de Indígenas do Arquipélago, na Indonésia. A iniciativa inter-religiosa para salvar as florestas tropicais, da qual tratou, tem sido uma oportunidade. “E que haja mais”, conclui.



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