domingo, 8 de outubro de 2017

Celebrando os 500 anos da Reforma com Lutero - parte 8

                                                                                                                                                                                                                                                                        

O TEMPO E O SÁBADO - PARTE II

E Deus abençoou o sétimo dia e o santificou, porque nele tinha descansado de toda a obra que Deus criou, assim o fez.
( Gênesis 2:3)

Em Mateus 12 [sic. Mc 2.27], Cristo diz: “O sábado foi feito por causa do ser humano, não o ser humano por causa do sábado”. Contudo, aqui, Moisés silencia sobre o ser humano e não diz explicitamente que o sábado foi confiado às pessoas. [Limita-se, porém, a] dizer que Deus abençoou o sábado e o santificou para si. Isso, ele não fez com nenhuma outra criatura. Não santificou para si o céu, nem a terra, nem qualquer outra criatura, mas santificou para si o sétimo dia. Isso significa, de modo especial, que devemos entender que o sétimo dia deve ser usado principalmente para o culto a Deus. Pois santo é o que foi dedicado a Deus e separado de todos os usos profanos. Por isso, santificar significa escolher para usos sagrados ou para o culto a Deus. Desse modo, Moisés usa essa expressão mais vezes, também quando fala de vasos sagrados.

Logo, conclui-se dessa passagem: se Adão tivesse permanecido na inocência, ele teria mantido sagrado o sétimo dia, isto é, teria ensinado, neste dia, seus descendentes sobre a vontade de Deus e o culto a ele; teria louvado a Deus, dado graças, sacrificado etc. Nos outros dias, teria cultivado o campo, cuidado dos animais. Aliás, ele também manteve sagrado o sétimo dia, depois da queda, pois nele ensinou seus filhos, conforme atesta o sacrifício oferecido pelos seus filhos, Caim e Abel. Portanto, o sábado foi destinado ao culto a Deus desde o início do mundo.

Caso a natureza tivesse permanecido inocente, ela teria celebrado a glória e os benefícios de Deus. No sábado, os seres humanos teriam conversado [entre si] sobre a inestimável bondade do Criador; teriam sacrificado, orado etc. Pois é isso que significa o verbo “santificar”.

Além disso, inclui-se aqui também [o conceito d]a imortalidade do gênero humano, conforme atesta sabiamente a Carta aos Hebreus [3.18] ao se referir ao descanso de Deus com base no Salmo 95[.11]: “Não entrarão em meu descanso”. Ora, o descanso de Deus é eterno. Adão teria vivido um certo tempo no paraíso conforme a vontade de Deus; depois disso, teria sido arrebatado para aquele descanso divino que Deus não só quis indicar aos seres humanos, mas também entregá-lo a eles por meio da santificação do sábado. Nesse caso, a [própria] vida animal teria sido feliz e santa, espiritual e eterna. Agora, nós, miseráveis, perdemos essa felicidade da vida física por causa do pecado e, enquanto vivemos, estamos em meio à morte. No entanto, como o mandamento do sábado é dado à Igreja, indica-se que também aquela vida espiritual será restituída a nós por meio de Cristo. Assim, os profetas examinaram cuidadosamente aquelas passagens em que Moisés aponta secretamente para a ressurreição da carne e para a vida imortal.

Ademais, mostra-se aqui que o ser humano também foi criado principalmente para o conhecimento de Deus e o culto a ele. Pois o sábado não foi instituído por causa das ovelhas e dos bois, mas devido aos seres humanos, para que eles praticassem o conhecimento de Deus e crescessem nele. Portanto, mesmo que o ser humano tenha perdido o conhecimento de Deus por causa do pecado, Deus quis que o mandamento sobre a santificação do sábado permanecesse; que, no sétimo dia, fosse exercida a Palavra, fossem praticados outros cultos instituídos por ele, para que pensássemos, primeiramente, sobre a nossa condição, ou seja, que esta natureza foi criada principalmente para o conhecimento e a glorificação de Deus.

Além disso, [o sábado foi instituído] para que também retivéssemos o coração certa esperança da vida futura e eterna. Porque todas as coisas que Deus quis que fossem feitas no sábado são sinais claros de uma outra vida depois desta. [Caso contrário,] por que seria necessário que Deus falasse conosco por meio de sua Palavra se não fosse para viver numa vida futura e eterna? Se não se deve esperar uma vida futura, por que não vivemos como pessoas com quem Deus não fala e que não o conhecem? Mas como a majestade divina só fala com o ser humano, e só o ser humano o conhece e o apreende, segue-se, necessariamente, que há uma outra vida depois desta, a qual devemos alcançar mediante a Palavra e o conhecimento de Deus. Pois esta vida temporal e presente é uma vida animal, que todos os animais, que não conhecem a Palavra nem Deus, vivem.

É isso que significa o sábado ou o descanso divino, no qual Deus fala conosco através da sua Palavra e nós, por nossa vez, falamos com ele por meio de invocação e fé. Os animais, como cães, cavalos, ovelhas, bois, certamente também aprendem a ouvir e a entender a voz do ser humano e também são conservados e alimentados por ele. Mas nossa condição é melhor, pois ouvimos a Deus, conhecemos sua vontade e somos chamados para uma certa esperança de imortalidade. Estes são testemunhos claros das promessas sobre a vida eterna que Deus nos revelou por meio da sua Palavra, depois dessas indicações obscuras, como aquela relativa ao descanso de Deus e à santificação do sábado. Mas essas [revelações] sobre o sábado são bastante claras. Imagina se não houvesse [outra] vida depois desta. Não se concluiria que não temos necessidade de Deus nem da sua Palavra? Pois aquilo que necessitamos ou fazemos nesta vida também podemos ter [e fazer] sem a Palavra. Os animais pastam, vivem, se alimentam, embora não tenham a Palavra de Deus nem a ouçam. Por que se necessitaria da Palavra para o alimento e para a bebida, que já foram criados antes?

Portanto, o fato de Deus dar a Palavra, ordenar a que se a pratique, que se santifique o sábado e seu culto, tudo isso demonstra haver [outra] vida depois desta e que o ser humano foi criado não só para a vida corporal, como os outros animais, mas para a vida eterna, assim como Deus, que ordena e institui estas coisas, é eterno.

Mas aqui surge outra pergunta, que já tocamos acima, isto é, sobre a queda de Adão, ou seja: quando ele caiu, no sétimo ou num outro [dia]? Embora não se possa precisa-lo, tenho boas razões para imaginar que ele tenha caído no sétimo dia. Ele foi criado no sexto dia; Eva também foi criada na tarde ou no fim do sexto dia, enquanto Adão dormia. No sétimo dia, que fora santificado pelo Senhor, Deus fala, de manhã, com Adão, instrui-o quanto ao seu culto e proíbe-lhe de comer o fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal. Pois esta é, em si, a função do sétimo dia, pregar e ouvir a Palavra de Deus. Desde então, permaneceu, na Escritura e no costume, a prática de se destinar o tempo da manhã para a oração e os cultos, como diz o Salmo 5[.3]: “De manhã estarei parado diante de ti e verei”.

Assim, na manhã do sétimo dia, Adão parece ter ouvido o Senhor que lhe confiou o cuidado da economia e da política, juntamente com a proibição do fruto. Satanás estava impaciente com essa belíssima criação e ordem e invejava tamanha felicidade do ser humano, que na terra e todas as coisas estivessem abundantemente a seu dispor e que, depois de uma vida corporal tão feliz, tivesse a esperança certa da vida eterna, que ele próprio, Satanás, havia perdido. Por isso, talvez por volta do meio-dia, depois da conversa de Deus, ele próprio também conversa com Eva. Assim costuma ser até hoje: onde está a Palavra de Deus, ali também Satanás se empenha em semear a mentira e a heresia, pois lhe dói que nós, por meio da Palavra, como Adão no paraíso, nos tornemos cidadãos dos céus. Por isso, ele seduz Eva para o pecado, e vence. O texto diz claramente que, quando o calor do dia já tinha cessado, o Senhor veio e condenou Adão à morte, juntamente com toda a sua descendência. Eu me convenço facilmente de que tudo isso aconteceu no sábado, no único dia – e este não completo – em que Adão viveu no paraíso e se alegrou com seus frutos.

Foi por essa razão que o ser humano perdeu essa felicidade devido ao pecado. Mas Adão não teria vivido ocioso no paraíso se tivesse permanecido na inocência: no sábado, ele teria instruído seus filhos; com a pregação bíblica, teria honrado a Deus com os merecidos louvores e, com a reflexão sobre as obras de Deus, teria estimulado a si e aos outros para a ação de graças. Nos outros dias, ele teria trabalhado, cultivando o campo ou caçando, mas de uma maneira bem diferente do que acontece hoje. Pois, para nós, o trabalho é um incômodo, mas para Adão teria sido um enorme prazer, mais agradável do que o ócio. Por isso, assim como as outras calamidades desta vida nos lembram do pecado e da ira de Deus, também o trabalho e a dificuldade de obter o sustento nos devem lembrar do pecado e convidar para a penitência.

(LUTERO, Martinho. Textos Selecionados da Preleção sobre Gênesis. MARTINHO LUTERO, Obras Selecionadas. 1535-1545. São Leopoldo: Sinodal. Porto Alegre: Concórdia. Canoas: Ulbra, 2014, vol. 12, tradução de Geraldo Korndörfer, págs. 115-118)



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