quarta-feira, 21 de março de 2012

Hitler: biografias comparadas

O propósito deste texto é fazer uma análise comparativa das três biografias de Adolf Hitler que foram resenhadas aqui no blog, pela ordem a de Ian Kershaw, Alan Bullock e Joachim Fest, a fim de ajudar quem esteja na dúvida sobre qual delas ler. Todas são excelentes obras que satisfarão plenamente a curiosidade ou o desejo de pesquisa mais profunda de quem se proponha a ler pelo menos uma. 


Engana-se, entretanto, quem pensa que o fato de terem como objeto a mesma pessoa, no caso alguém com uma história de vida razoavelmente bem conhecida e que foi considerado um dos maiores monstros da história da humanidade, faz com que as três biografias sejam muito parecidas, daí a mais completa desnecessidade de se ler as três. 


É claro que o leitor que tiver menos tempo ou interesse no tema poderá se satisfazer plenamente com uma só delas, mas nesse caso se perderia a chance de perceber que elas, na verdade, não são idênticas ou entediantes, mas fascinantes exatamente porque se complementam, e a abordagem de cada autor se imbrica com a do outro, permitindo que o leitor faça um julgamento muito mais acurado de toda uma época fundamental (para o bem e para o mal) na ruína de uma sociedade antiga com a consequente construção do mundo moderno em que vivemos, com todos os seus dilemas e contradições. 


A outra vantagem de se ler mais de uma biografia é que os personagens não se tornam repetitivos, mas vão, por assim dizer, “ganhando vida”, sobretudo aqueles oportunistas e escroques que foram eclipsados pela magnitude da figura sombria de Hitler e, como mais uma condenação (justa) que "ganharam", foram relegados ao esquecimento. Deixam de ser uma mera referência num livro de história para que os fragmentos de suas personalidades, recolhidos por cada autor em várias facetas, ajudem a formar a imagem intrincada de um quebra-cabeça de interações particulares e coletivas que representam uma era não tão distante assim. Virtudes, defeitos e indiferenças esfumaçados pela poeira do tempo vão se tornando mais visíveis quanto mais se ouve falar de alguém que, numa só das biografias, não tinha tanta importância assim.

Especificamente quanto às biografias, a de Alan Bullock tem a desvantagem de estar disponível somente em inglês, o que dificulta bastante a tarefa de lê-la para quem não tem fluência na língua. Entretanto, ela é facilmente encontrada nas grandes livrarias do país (com entrega rápida e sem frete internacional) e tem a vantagem de ser a mais sucinta das biografias, com suas 490 páginas, que traçam um panorama bastante adequado de toda a vida de Hitler, com um poder de concisão que facilita a vida do leitor mais apressado, sem com isso perder qualidade no conteúdo. Fica a dica e o clamor para que alguma editora brasileira providencie com urgência a tradução e publicação dessa obra magistral. Será um marco na historiografia do período em língua portuguesa. 


A biografia de Joachim Fest tem, no total, 935 páginas nos dois volumes, muitas delas compostas por notas do autor (bastante úteis, por sinal), e que representam um pouco menos do que as 1.024 páginas da obra de Ian Kershaw, mas a de Fest tem a desvantagem do tipo da letra ser um pouco menor, o que pode tornar a leitura um tanto quanto desagradável a quem está acostumado com fontes maiores. Aliás, é louvável o esforço da Ed. Nova Fronteira em proporcionar ao público brasileiro uma edição do porte da biografia hitleriana de Fest, mas podiam ter um pouco mais de cuidado e capricho no trato de sua publicação sem necessariamente encarecer a obra, que já é vendida por um preço “salgado”. Quanto a este quesito, portanto, a biografia de Ian Kershaw é impecável. Um único volume (um tanto quanto pesado e difícil de manusear, é verdade) muito bem cuidado, por um preço não tão baixo, mas nem por isso duplicado, e com fontes maiores fáceis de serem lidas.

Quanto ao conteúdo das biografias, a de Kershaw se prende mais aos detalhes, procurando mostrar todos os fatos relevantes, os conexões inusitadas e os personagens de cada período da vida de Hitler, bem como não economiza palavras na descrição das decisões estratégicas, das intrigas militares, das disputas de bastidor pelo poder e pela proximidade com Hitler, e das batalhas da Segunda Guerra Mundial. Para quem gosta de se ater aos fatos ou tem mais interesse em assuntos políticos e militares, a decisão deve ser facilmente tomada em favor de Kershaw. A de Fest, curiosamente, é a que menos cuida dessa parte de estratégia militar, menos até que o livro de Bullock, que embora menor no tamanho, se concentra mais na guerra propriamente dita do que Fest. 


Kershaw não dispensa a tentativa de se traçar um perfil psicológico de Hitler, mas desde o começo avisa que isso é impossível, pelo que não vai fundo na questão, diferentemente de Bullock e Fest, que dão especial atenção a esse tema. Bullock também descreve com grande interesse esse perfil, mas não tanto como Fest, que é realmente o melhor deles quando se trata de tentar entender o fenômeno Hitler a partir de sua mente doentia (mas humana e miseravelmente normal), bem como toda a histeria coletiva que ele causou num povo tido como moderno para os padrões da época. Ainda que ele não chegue a uma conclusão definitiva sobre essa questão, não teme nem um pouco mergulhar na psiquê do Führer, de maneira que o leitor terá uma boa ideia do que se passava na sua cabeça e na da sociedade alemã como um todo, além de poder comparar muitos dos diagnósticos de Fest com fatos, situações e pessoas da vida atual. 


Favorece muito o livro de Fest o seu estilo brilhante de raciocínio lógico e argumentação. Bullock fica, portanto, no meio-termo, nem tão histórico e factual como Kershaw e nem tão psicológico e relacional como Fest. É preciso ficar claro que todas as biografias mostram praticamente tudo o que realmente interessa quando se trata de Hitler, do nazismo e da Segunda Guerra Mundial, e o que varia é a ênfase de cada autor. O leitor não ficará órfão de uma boa leitura em nenhuma delas.

Em suma, guardadas essas diferenças, os três estilos de escrita dos autores em questão são muito agradáveis de se ler, apesar da aridez do tema e do macabro personagem biografado, transformando a sua decisão de leitura no melhor dos mundos: qualquer que seja a sua opção, você só tem a ganhar.



Leia as nossas resenhas acessando:


Hitler - a biografia por Ian Kershaw


Hitler - a biografia por Alan Bullock


Hitler - a biografia por Joachim Fest



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