quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Cada um no seu quadrado


Artigo de Claudio Lembo no Terra Magazine:

Cada um na sua religião

Uma campanha eleitoral é momento de se conhecer a personalidade dos políticos por inteiro. Os candidatos podem tentar dissimular seus verdadeiros sentimentos. As suas formas de pensar e agir.

No decorrer da campanha, no entanto, aos poucos as personalidades vão se desnudando. Todas as eventuais qualidades e os defeitos surgem em toda a sua autenticidade.

Aí é que começam os ataques virulentos e desarrazoados. Explodem todas as formas de ver o mundo e sua complexidade. Esquecem os sofrimentos coletivos do passado. Avançam para os ataques à intimidade. Ofendem as maneiras de encarar o divino. Rompem com os valores dos múltiplos segmentos que formam à sociedade.

Retornam, nestes episódios, ao pior de tempos passados. Muitos sofreram e morreram para que houvesse liberdade religiosa e de consciência política. Milhares de pessoas foram trucidadas nos ofícios da Inquisição.

Muitas outras foram expulsas de seus lares em virtude da intolerância. Os países da península Ibérica, aos quais os brasileiros se entrelaçam, expulsaram judeus e muçulmanos, em razão de suas crenças.

Conheceram, após os atos de violência contra muçulmanos e judeus, um longo ciclo histórico de indigência moral e intelectual. Trouxeram, como colonizadores, seus maus hábitos para esta América Latina.

Em muitos espaços – Peru e México – foram instalados Tribunais Inquisitoriais e, aqui no Brasil, foram conhecidos os visitadores da Inquisição.

Estes visitadores levaram à morte, entre outros, o teatrólogo Antonio José, nas fogueiras de Lisboa. São tempos a serem registrados, mas esquecidos pelo que de brutal contêm.

Mais tarde, no Império brasileiro, apesar dos esforços dos constituintes de 1823, na busca da liberdade de culto, a religião oficial proibia a propagação de outros credos.

As narrativas dos antigos pregadores reformados contam a virulência com que eram recebidos os “bíblias” no interior do País. A intolerância encontrava-se presente, na busca da preservação do monopólio religioso.

Com a República, apesar de sua violência contra a antiga religião do Estado, as várias denominações religiosas paulatinamente passaram a ser aceitas.

A sociedade brasileira, tolerante por formação, passou a compreender as várias maneiras e ritos de se atingir a Deus – ou mesmo não aceitá-lo. Assim, com o passar dos anos ocorreu uma atomização do espectro religioso.

As mesquitas se erguem nas cidades ao lado das sinagogas. Não distantes de igrejas católicas e templos evangélicos. Os budistas desenvolveram seus espaços de meditação. Os adeptos do candomblé mantêm seus terreiros. Os espíritas preservam seus centros.

Tudo isto ocorre em campo sereno e de sadia convivência. Talvez, esta tolerância se mostre como uma das grandes conquistas da civilização brasileira.

Entender o outro com todos os seus atributos de ordem espiritual é relevante para a harmonia social. Violar esta verdade é ferir valores inatos dos brasileiros.

Lamenta-se, pois, que candidatos ou seus apoiadores utilizem temas religiosos no interior de campanhas eleitorais. Estas são passageiras e a harmonia social deve ser permanente.

O importante – em matéria religiosa – é que cada um seja respeitado na integridade de seus valores e princípios. Só os maus agem em contrário.



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