terça-feira, 3 de novembro de 2015

Há exatos 400 anos um samurai chegou ao Vaticano

Hasekura Tsunenaga, um samurai no Vaticano em 1615

Sim, é exatamente isso o que você leu no título acima: em 3 de novembro de 1615 não só um, mas cerca de 20 samurais (não se tem certeza sobre este número) e 120 mercadores japoneses chegavam ao Vaticano, onde foram recebidos pelo papa Paulo V.

Soa estranho aos ouvidos modernos saber que, 400 anos atrás, os japoneses percorreram meio-mundo com os galeões de então para chegar a Roma.

Se ainda hoje, apesar da tecnologia e da comunicação global, existe o inevitável choque cultural entre Ocidente e Oriente, imagine o que isso representava no século XVII.

O líder da caravana nipônica - chamada de Missão Keichō (慶長使節) - era o samurai Hasekura Tsunenaga (支倉六右衛門常長), a mando de Date Masamune (伊達政宗), senhor feudal de Sendai, cidade que este último fundara na região de Tōhoku.

Masamune era, digamos, simpatizante do catolicismo e havia conseguido convencer o xogum (将軍) Ieyasu Tokugawa (徳川家康) a enviar uma delegação diplomática para a Espanha e o Vaticano, a fim de negociar um tratado de comércio com os países europeus.

Numa definição abreviada assumidamente insuficiente, o xogunato (ou shogunato) era um sistema de dominação militar do sistema feudal japonês do século XVII, e Ieyasu Tokugawa foi o primeiro xogum (ou shogun). 

Pelo menos na teoria estava subordinado única e exclusivamente ao Imperador, mas na prática - como você vai ver no desenrolar dessa história - era ele quem mandava.

O xogunato inaugurado por Tokugawa ficou conhecido por seu nome e durou até a Restauração Meiji (明治維新) de 1868, quando o imperador centralizou o poder, extinguiu o regime feudal, tirou muitos dos privilégios dos samurais e país do sol nascente se abriu para o mundo.

O cristianismo havia sido levado ao Japão por Francisco Xavier (o mesmo que foi canonizado em 1622) em 1549, e sempre enfrentou grandes dificuldades com os senhores feudais locais, mas aos poucos foi se imiscuindo na fechadíssima (e xenófoba) sociedade japonesa de então.

O xogum Tokugawa tinha lá suas dúvidas e seu humor era bastante instável para com os missionários católicos.

Ao que tudo indica, Date Masamune não se converteu ao catolicismo, mas exerceu sua influência junto ao xogum para enviar uma missão à Europa, sendo que alguns estudiosos dizem que ele estava muito mais interessado num intercâmbio comercial e - sobretudo - tecnológico do que em matéria de fé.

A primeira missão diplomática à Europa, conhecida como Embaixada Tenshō (天正の使節) já havia visitado o Vaticano em 1585, costeando a Ásia e a África até chegar em Portugal.

A embaixada Keichō fez outro caminho, saindo do Japão em 28 de outubro de 1613 e se aventurando pelo Oceano Pacífico a bordo do galeão Date Maru (chamado de San Juan Bautista pelos espanhóis) até a então colônia do México, onde desembarcaram em Acapulco em 25 de janeiro de 1614.


Réplica do Date Maru em exposição em Ishinomaki, Japão

Em 10 de junho de 1614, Hasekura Tsunenaga e sua comitiva embarcaram em outro galeão espanhol e, passando por Cuba, tomaram outra embarcação até a Espanha, onde chegaram em 5 de outubro de 1614.

A embaixada japonesa só foi se encontrar com o rei Felipe III em 30 de janeiro de 1615, foram bem recebidos e o monarca ficou de pensar na proposta de acordo comercial com Date Masamune.

Passaram ainda pela França até chegar ao Vaticano em 3 de novembro de 1615, onde foram recebidos pelo papa Paulo V, que se comprometeu a enviar mais missionários ao Japão e também a intervir junto ao rei de Espanha para que os dois países chegassem a um acordo de comércio.

Os japoneses então retornaram para Madri, mas ao ali chegarem, receberam péssimas notícias vindas de sua terra natal, que eles haviam deixado mais de 2 anos antes.

Naquele meio-tempo, o xogum Tokugawa havia definitivamente mudado de opinião sobre os cristãos, e em janeiro de 1614 baniu os missionários católicos do Japão, o que levou a uma perseguição terrível contra aqueles que haviam se convertido à religião ocidental.

Oficialmente, o xogum já era seu filho, Tokugawa Hidetada (徳川 秀忠), mas - apesar de "aposentado" - quem mandava de fato era Ieyasu.

A partir de então, a embaixada de Tsunenaga estava condenada ao fracasso. Sem conseguir um tratado comercial com o rei de Espanha, ele ainda retornou ao México, voltando de lá ao Japão, onde encontrou um país completamente mudado pelo menos no que dizia respeito à tolerância religiosa.

O próprio Masamune havia banido o cristianismo de suas terras, em obediência ao decreto do xogum Tokugawa.

Muitos cristãos foram martirizados por não renunciarem à sua fé, outros tantos tiveram que praticá-la em segredo, e boa parte desse conturbado período pode ser lido no excelente livro "O Silêncio", de Shusaku Endo (Editora Planeta, 2011).

400 anos se passaram, muita coisa mudou, e hoje - 3 de novembro de 2015 - uma comitiva de católicos japoneses, liderada pelo bispo Tetsuo Hiraga, vai participar da tradicional audiência coletiva que o papa Francisco dá às quarta-feiras, relembrando a épica e infeliz jornada de 4 séculos atrás.

Entre eles estará Date Yasumune, da 18ª geração dos descendentes de Date Masamune, segundo relata o Vatican Insider.



2 comentários:

  1. Este ano, os japoneses estão comemorando 400 anos do retorno da navio Date Maru. Um japonês chamada Date Suguru, veio para o Brasil em 1934. Foi o avô de consideração do meu pai. Pois era casado com a irmã da minha bisavo. Já vieram cristaos para o Brasil. Provavelmente devido a semente plantada por missionários espanhóis nesta época do Date Maru.

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    1. Obrigado pelo seu comentário e por trazer um relato pessoal para enriquecer o artigo acima.
      Por sinal, alguns dias atrás (12/09/2020) o G1 trouxe uma matéria muito interessante sobre os japoneses escravizados no Japão e vendidos aos portugueses ali na virada do século XVI para o XVII, recomendo a leitura:

      https://g1.globo.com/mundo/noticia/2020/09/12/a-historia-dos-japoneses-escravizados-por-portugueses-e-vendidos-pelo-mundo-mais-de-400-anos-atras.ghtml

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